quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Ditadura argentina: Processo de repressores demorou 20 anos

"Justiça, justiça perseguirás"´(Do Talmude)
Aplausos à sociedade Argentina. Que a sociedade brasileira siga seu corajoso exemplo!



No Brasil, Videla estaria no shopping para as compras de Natal

São Paulo, quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

ANÁLISE DITADURA ARGENTINA

Processo de repressores demorou 20 anos

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Às vésperas da eleição argentina de 1983, que marcaria a volta do país à democracia, perguntei a Raúl Alfonsín, o candidato favorito e que acabaria eleito, o que ele faria com os militares, responsáveis pela mais brutal ditadura em um país desgraçado por sucessivas ditaduras brutais.
Alfonsín deu uma resposta evasiva. Insisti, com certa dureza. Ele pediu que eu desligasse o gravador e me disse: "Está bem. Eu assino os decretos de prisão de todos os comandantes militares e você vai aos quartéis para prendê-los. De acordo?".
Entendi, com relutância, essa confissão de impotência diante do poder dos militares, mesmo quando eles já estavam em baixa, e com Alfonsín prestes a receber um banho de urna inesquecível.
Ainda assim, a pressão da opinião pública acabou levando a Justiça a tomar a decisão que Alfonsín me havia pedido, metaforicamente, que executasse: condenou à cadeia as Juntas Militares que se sucederam no poder entre 1976 e 1983, além de outros oficiais.
Mas Alfonsín havia sido profético na entrevista: sucessivas rebeliões militares desestabilizaram seu governo, forçaram-no a emitir duas leis vergonhosas, a de "Punto Final" e de "Obediencia Debida", que representaram a anistia dos responsáveis pela matança praticada pela ditadura.
Foi preciso esperar 20 anos e três presidentes, além de Alfonsín (Carlos Menem, Fernando de la Rúa e Eduardo Duhalde), para que as duas leis de anistia fossem anuladas, primeiro pelo Congresso (2003) e depois, no ano seguinte, pela Suprema Corte.
Já não havia mais o ambiente que levara à confissão de impotência de Alfonsín. É por isso que se tornou possível julgar (de novo) Jorge Rafael Videla, o chefe da primeira Junta Militar e, como tal, maior símbolo do regime.
É um sinal de amadurecimento da democracia argentina, mas é um julgamento que remete, indiretamente, à polêmica no Brasil sobre a Lei de Anistia.
Um dos generais que está no banco dos réus, Luciano Benjamín Menéndez, um dos mais cruéis na repressão, afirmou ironicamente: "Temos o mérito de ser o primeiro país que julga seus soldados vitoriosos".
Vitoriosos, de seu ponto de vista, na guerra contra a "subversão". Ou "guerra justa", nas palavras de Videla, como contraponto ao que passou à história como "guerra suja".
A ironia de Menéndez não deixa de ser historicamente verdadeira: nenhum país latino-americano ousou julgar seus "soldados". Nem o Brasil, mesmo em um governo que tem em seus quadros e nos de seu partido vítimas -e algozes- dos "soldados".

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