Bancos, crimes e contravenções
VINICIUS TORRES FREIRE
O VEXAME da grande finança mundial não tem fim. Não obstante, o pessoal do dinheiro grosso continua por cima da carne seca, "business as usual". Ou, como escreveu Paul Krugman, que entende um pouquinho mais disso do que quase todos nós: "Os fundamentalistas do livre mercado estavam errados sobre tudo -mas agora dominam completamente a cena política [americana]" ("Quando os zumbis vencem", ontem, no "New York Times"). (Vide abaixo)
A começar pelo vexame mais divertido, a China reafirmou seu "compromisso" de ajudar os países quebrados ou semiquebrados da Europa. Os chineses estão comprando e vão comprar mais títulos da dívida de Grécia, Irlanda, Portugal e de outros países que foram para o vinagre ou estão à beira de ir para lá. Ou seja, a China empresta dinheiro para governos falidos da Europa, o que por sua vez ajuda a aliviar a situação de parte da banca europeia, pendurada na dívida desses países.
Por falar nisso, mais ou menos desde maio o Banco Central Europeu (BCE) financia esses bancos e governos quebrados -mais uma vez os bancos transferiram os riscos de sua incompetência para o público.
Note-se que bancos centrais não existem para financiar a dívida de governos, menos ainda de governos quebrados, o que é ainda mais escandaloso em se tratando do BCE, cheio de ares de ortodoxia e autoproclamado juiz da irresponsabilidade fiscal do mundo.
Mas, "princípios, princípios, negócios à parte". Se o BCE deixasse os juros da dívida grega, irlandesa e portuguesa (e espanhola, italiana...) explodirem, governos faliriam de vez, à vera. Haveria tumulto geral, mais bancos quebrados (aqueles que a Europa dizia serem "saudáveis" antes de a Irlanda ir à lona). O euro poderia entrar em colapso.
A novidade agora é a mãozinha interessada do novo império, a China, que ajuda o seu maior freguês. A China, sim, senhor, da heterodoxa economia ditatorial de mercado.
BANCOS DE CRIMES
A promotoria do Estado de Nova York acusa a Ernst & Young de ajudar o Lehman Brothers a cometer "maciça fraude contábil". O Lehman era o quarto maior banco de investimentos dos EUA. Quebrou em 2008 e quase arrastou o mundo com seus negócios ineptos com títulos imobiliários e excesso de endividamento. A promotoria de Nova York diz que a megaempresa de auditoria ajudou o bancão a esconder dívidas de dezenas de bilhões de dólares, enganando o mercado. Uma maquiagem de balanço, mais uma.
Lembre-se de outra onda de fraude sistêmica, a da bolha dos anos 1990, explodida em 2001. Com a ajuda de bancos de investimento, de agências de risco e de auditores (Arthur Andersen), empresas fraudavam o público e contratos. Foi o caso de Enron, WorldCom, Tyco, GlobalCrossing, Lucent e Adelphia, entre muitas outras. A fraude inflou a bolha, que inflou a fraude. Há mais.
O Deutsche Bank, maior banco da Alemanha, vai pagar US$ 553,6 milhões (R$ 935 milhões) a fim de evitar um processo criminal em que é acusado de ajudar americanos ricos a fraudar o Imposto de Renda.
Em fevereiro de 2009, o UBS, o maior banco da Suíça, admitiu que prestava serviços de fraude para clientes americanos e que fazia parte de uma quadrilha com o objetivo de fraudar a Receita dos EUA.
vinit@uol.com.br
O Estado de São paulo, 21 de dezembro de 2010 | 12h49
Quando os zumbis vencem
Paul KrugmanQuando os historiadores olharem para o período 2008-10, o que mais os intrigará, acredito, é o estranho triunfo de ideias erradas. Os fundamentalistas do livre mercado estavam errados sobre tudo – mas agora dominam mais que nunca a cena política.
Como isso ocorreu? Como, depois que bancos irresponsáveis colocaram a economia de joelhos, acabamos com Ron Paul, que diz “Acho que não precisaremos de reguladores”, prestes a assumir um conselho-chave da Câmara que fiscaliza o Fed? Como, após as experiências dos governos Clinton e Bush, acabaram com fazendo um acordo bipartidário para outros cortes de impostos?
A resposta da direita é que os erros econômicos do governo Obama mostram que políticas de governo grande não funcionam. Mas a resposta deveria ser, que políticas de governo grande? Pois o fato é que o estímulo econômico de Obama – que em si foi quase 40% de cortes de impostos – foi comedido demais para recuperar a economia.
E isso não é uma certeza depois dos fatos: muitos economistas, eu inclusive, advertiram desde o começo que o plano era inadequado. Uma política em que o emprego público realmente cai, em que os gastos do governo em bens e serviços cresceram mais lentamente que nos anos Bush, dificilmente seria um teste da economia keynesiana.
Vale assinalar também que tudo que a direita disse sobre por que a “obamaeconomia” fracassaria estava errado. Durante dois anos, nos advertiram de que o endividamento do governo enviaria as taxas de juros ao espaço; na verdade, as taxas flutuaram ao sabor do otimismo ou pessimismo na recuperação, mas permaneceram baixas para os padrões históricos. Durante dois anos, nos advertiram que a inflação, até mesmo a hiperinflação, estava à espreita; em vez disso, a desinflação prosseguiu, com a inflação básica – que exclui os preços voláteis de alimentos e energia – agora num valor mais baixo em meio século.
Mas esses equívocos não parecem ter importância. Para emprestar o título de um livro recente do economista australiano John Quiggin sobre doutrinas que a crise deveria ter eliminado mas não eliminou, ainda somos regidos pela “economia zumbi”. Por quê? Parte da resposta, com certeza, é que as pessoas que deviam estar tentando eliminar ideias zumbis tentam antes conciliar com elas. E isso vale particularmente, mas não apenas, para o presidente.
Obama tentou estender a mão para os adversários ao dar cobertura a mitos da direita. Ele elogiou Reagan por recuperar o dinamismo americano (quando foi a última vez que se ouviu um republicano elogiar Franklin Roosevelt?), adotou retórica do Partido Republicano sobre a necessidade de o governo apertar o cinto mesmo ante a recessão, ofereceu congelamentos simbólicos de gastos e salários.
Nada disso impediu a direita de denunciá-lo como socialista. Mas ajudou a dar força a ideias ruins que podem causar muitos danos imediatos. Neste momento, Obama está elogiando o acordo de corte de impostos como um estímulo à economia – mas os republicanos já falam de corte de gastos que contrabalançariam qualquer efeito positivo do acordo.
E com que eficácia ele poderá se opor a essas cobranças, quando ele próprio adotou a retórica do aperto de cinto? Sim, todos compreendemos a necessidade de tratar com nossos inimigos políticos. Mas uma coisa é fazer acordos por nossos objetivos; outra é abrir a porta a ideias zumbis. Quando se faz isso, os zumbis acabam comendo nosso cérebro – e, possivelmente, nossa economia também.
Nenhum comentário:
Postar um comentário