A recuperação do Estado
por Emir SaderEntre o desespero de apelar para temas mais sórdidos ainda – saúde e tortura da Dilma – e resignação, a vertente midiática da direita apela para a desqualificação da campanha eleitoral e da política. Como se não tivesse sido conivente com o nível escandalosamente baixo e obscurantista a que seu candidato baixou sua campanha, trata de dizer que foi a pior campanha de todos os tempos, buscando debilitar o vitorioso nas urnas.
Desde novembro do ano passado, o programa do PT mostrou, ao comparar os governos FHC e Lula, como o quadro político geral seria muito negativo para a oposição. O seu candidato primeiro tentou se mostrar como seu melhor continuador, esquecendo o governo FHC, depois seu crítico, sem alternativas de governo. Refugiou-se na realidade no denuncismo sem provas, contando com o partidarismo declarado da velha mídia e seu sensacionalismo. Esta rasgou todas suas vestes, não deixou um ápice de credibilidade, na tentativa desesperada de não continuar fora do governo, em meio à sua pior crise.
Para os adeptos do mercado como eixo determinante das relações econômicas e sociais, se trata sempre de ter Estados, governos e mandatários fracos. A desmoralização da política é a condição da sua força, de aparecer como personificando as necessidades do país contra os poderes constituídos. Daí o denuncismo permanente contra governantes, Parlamentos, instituições estatais. Nada funciona, tudo está mal, a corrupção sempre aumenta, a política é por essência uma prática degenerada, o Parlamento não representa a sociedade. Tudo como contrapartida essencial para promover, de forma direta ou indireta, a pureza do mercado.
Por isso sofrem muito quando o tema das privatizações aparece denunciado, que foi o carro-chefe do neoliberallismo e dos negócios generalizados do maior escândalo da historia brasileira – a venda, a preço de banana, do patrimônio público. Dilma denuncia isso fortemente, Serra passa de tentar defender a, ele mesmo, renegar o que o governo a que ele pertenceu fez como uma grande realização – no discurso do escondido FHC.
Porque as privatizações seriam a prova última de que o que é estatal não funciona e quando passa a mãos privadas, ganharia dinamismo, eficácia, transparência. Idéia que deixou definitivamente de existir desde os maiores escândalos globais protagonizados por grandes empresas multinacionais, levando de roldão grande quantidade de executivos até ali promovidos como exemplos de competência. E, como contrapartida, o funcionamento da Petrobrás, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica – para tomar três casos exemplares – terminou de configurar como, quando bem administradas, no interesse publico, as empresas estatais aparecem como as de melhor desempenho econômico e com orientações de caráter profundamente social.
Daí o desespero de tentar desqualificar os governos, o Estado, Lula, Dilma, como envolvidos em corrupção, na utilização do Estado para fins privados e partidários, etc., etc. É o tema central da velha mídia, incapaz de provar ao povo brasileiro de que o governo Lula – com apenas 3% de rejeição – teve desempenho ruim. E como a maioria dos cidadãos não se deixa influenciar por essas campanhas, tentam passar a idéia de que o povo foi comprado por políticas assistencialistas, ao invés de aceitar que defendem causas antipopulares e perderam capacidade de influencia política.
Vai terminando a campanha eleitoral de forma melancólica para as forças opositoras – tanto suas vertentes partidárias como midiáticas – que, de confirmarem-se as projeções atuais, entrarão em uma gigantesca crise de identidade. Pela primeira vez perdem três eleições presidenciais seguidas, saem com sua debilidade irreversivelmente afetada, derrotadas política e moralmente.
Deixou de ser um trunfo vitorioso desqualificar o Estado e os governos, porque temos um Estado recuperado no seu prestigio e um governo de aceitação popular recorde. Deixou de ser argumento eleitoral de valia, dizer que se vai baixar os impostos – porque se pagaria e o Estado não devolveria serviços à população – porque se estenderam como nunca os direitos sociais com políticas governamentais do tamanho da pobreza que os governos anteriores tinham produzido. Deixou de valer o argumento da incompetência estatal, porque temos o governo mais competente do ponto de vista do crescimento econômico e da gestão de políticas sociais.
O Estado esteve sempre no centro dos debates, como referência diferenciadora dos que luta contra o reino do dinheiro e da mercantilização e dos que trataram de fazer da sociedade o jogo do vale tudo em que tudo tem preço, em que tudo se compra e tudo se vende, na contramão dos direitos universalizados e de um país para todos.
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