O Estado de São Paulo, 18/08/2010
A moda do cangaço
Livro revela o gosto apurado dos bandoleiros na vestimenta e nos instrumentos para a caatinga
Ubiratan Brasil - O Estado de S.Paulo
O cangaceiro era, antes de tudo, um orgulhoso - se os bandoleiros tradicionais vestiam trajes de cores escuras e se escondiam da polícia, homens como Lampião e Corisco, que impuseram sua vontade acima da lei no sertão nordestino no início do século 20, esmeravam no traje, com anéis e medalhas, lenços coloridos, bornais repletos de bordaduras, chapéus de couro enfeitados com estrelas e moedas. Uma estética rica, peculiar e original, que conferia uma blindagem mística ao cangaceiro, satisfeito com a beleza e ainda seguro em meio a uma suposta inviolabilidade.
Foi depois de analisar todos os detalhes da vestimenta no sertão que o historiador Frederico Pernambucano de Mello sentiu-se apto a escrever Estrelas de Couro - A Estética do Cangaço, minucioso estudo que detalha a importância de cada peça do vestuário. Chamado por Gilberto Freyre de "mestre de mestres em assuntos de cangaço", Pernambucano de Mello empreendeu o estudo a partir de 1997, baseando-se no acervo não apenas de diversas instituições como também em sua coleção particular, que conta com cerca de 160 objetos. Com isso, produziu a primeira história íntima sobre o maior fenômeno de insurgência popular do Brasil.
"O cangaceiro era um guerreiro extraviado no tempo, com sentimentos de honra e lealdade fora dos padrões normais, às vezes somente compreendidas no seio do seu próprio grupo", observa Ariano Suassuna, no prefácio. De fato, a origem do cangaço está em questões sociais e fundiárias do Nordeste, caracterizando-se por ações violentas de grupos ou indivíduos isolados: assaltavam fazendas, sequestravam coronéis (grandes fazendeiros) e saqueavam comboios e armazéns. Não tinham moradia fixa: viviam perambulando pelo sertão, praticando seus crimes, fugindo e se escondendo.
A origem, segundo Pernambucano de Mello, remonta ao período colonial, mais especificamente à crença brasileira do "viver sem lei nem rei e ser feliz". Ou seja, uma forma de blindagem contra os valores da colonização europeia. "São criminosos na epiderme e irredentos no mais fundo da carne, carregando por séculos, a ferro e a fogo, o mito primordial brasileiro de uma vida absoluta", descreve o pesquisador. "Por tudo isso, não é de se estranhar que o cangaço tenha sido uma forma de vida criminal orgulhosa, ostensiva, escancarada. Até mesmo carnavalesca, como no caso do traje, de muito apuro e muitas cores. Ou no da música, o xaxado, sincopado como um tiroteio."
Nesse momento, o historiador começa, em seu livro, a decifrar os códigos do cangaço. Como o uso do signo-do-salomão, estrela com meia dúzia de pontas que figurava nos chapéus conferindo poder, proteção e devolução das ofensas ao pretenso ofensor. A subsistência era a meta primordial do cangaceiro. Assim, diante das dificuldades impostas pelo clima árido, o cantil para água fresca era peça fundamental, o que explica o cuidado com a capa de tecido resistente, ornado com um ponto de bordado em policromia, sinal "do amor que dedicavam os donos a uma água difícil".
Na luva, de acordo com o pesquisador, chegou-se a ter requinte. Como estrutura, não diferia da utilizada pelos vaqueiros - a novidade estava no suporte (com várias camadas de brim) e na ornamentação, com um fino bordado. Já as alpercatas, assim como o chapéu de couro, além dos enfeites, traziam um detalhe fundamental para quem vivia em constante movimento: correias que os uniam ao tornozelo (caso do calçado) e no queixo. Apesar do ambiente rústico em que viviam, os cangaceiros preocupavam-se com sua estética, a ponto de Pernambucano de Mello lembrar que a virilidade não se sentia ameaçada quando os cabeludos do bando, que não eram poucos, prendiam os cabelos com marrafas, espécie de pente típico da toucadora feminina.
Havia, portanto, um exemplar cuidado estético. "O traje do cangaceiro é um dos exemplos demonstrativos do comportamento arcaico brasileiro", observa o também pesquisador Clarival Valladares, citado no livro. "Ao invés de procurar camuflagem para a proteção do combatente, é adornado de espelhos, moedas, metais, botões e recortes multicores, tornando-se alvo de fácil visibilidade até no escuro."
.......
Folha de São Paulo, 18/04/2010
Livro de Hobsbawm sobre banditismo social será relançado DA REDAÇÃO
Publicado originalmente em 1969, "Bandidos", de Eric Hobsbawm, será reeditado pela Paz e Terra (264 págs., R$ 45, tradução de Donaldson M. Garschagen, com lançamento previsto para o final do mês).
O livro em que o historiador marxista, nascido em Alexandria, no Egito, em 1917, analisa o cangaço brasileiro foi revisto pelo próprio autor.
Professor emérito de história social e econômica no Birkbeck College, da Universidade de Londres, e na New School for Social Research, em Nova York, Hosbsbawm foi educado na Áustria, na Alemanha e no Reino Unido.
Sua obra cobre, sobretudo, a formação do Ocidente desde o declínio do Antigo Regime, com a Revolução Francesa (1789), até a queda do Muro de Berlim (1989) e o colapso da União Soviética (1991).
Daí resulta a tetralogia composta por "A Era das Revoluções", "A Era do Capital", "A Era dos Impérios" (os três reeditados, no ano passado, pela Paz e Terra) e "Era dos Extremos" (Cia das Letras).
O historiador vive, atualmente, em Londres.
Publicado originalmente em 1969, "Bandidos", de Eric Hobsbawm, será reeditado pela Paz e Terra (264 págs., R$ 45, tradução de Donaldson M. Garschagen, com lançamento previsto para o final do mês).
O livro em que o historiador marxista, nascido em Alexandria, no Egito, em 1917, analisa o cangaço brasileiro foi revisto pelo próprio autor.
Professor emérito de história social e econômica no Birkbeck College, da Universidade de Londres, e na New School for Social Research, em Nova York, Hosbsbawm foi educado na Áustria, na Alemanha e no Reino Unido.
Sua obra cobre, sobretudo, a formação do Ocidente desde o declínio do Antigo Regime, com a Revolução Francesa (1789), até a queda do Muro de Berlim (1989) e o colapso da União Soviética (1991).
Daí resulta a tetralogia composta por "A Era das Revoluções", "A Era do Capital", "A Era dos Impérios" (os três reeditados, no ano passado, pela Paz e Terra) e "Era dos Extremos" (Cia das Letras).
O historiador vive, atualmente, em Londres.
Nenhum comentário:
Postar um comentário