Folha de São Paulo, 09/05/2010
LENEIDE DUARTE-PLON
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
A luta de classes está de volta. O espectro de Marx reaparece para mostrar que a "ideia do comunismo" e sua utopia igualitária não morreram, apesar dos desvios e dos estragos feitos a elas pelo "socialismo real" e pelos totalitarismos que dele resultaram. Num momento em que o capitalismo triunfante parecia ter definitivamente enterrado Marx, 20 anos depois da queda do Muro de Berlim, 15 filósofos de horizontes distintos resolveram repensar o comunismo.
Esse "pequeno número de filósofos constitui, no mundo de hoje, o pequeno grupo dos que não se intimidam com a opinião dominante", escreve Alain Badiou na apresentação do novo livro "L'Idée du Communisme" (A Ideia do Comunismo, ed. Lignes). A obra traz as 15 exposições proferidas na Conferência de Londres, em maio do ano passado, por iniciativa de Alain Badiou e Slavoj Zizek.
Na apresentação, Badiou declara que tanto ele quando Zizek tinham certeza de que "repor em circulação esse velho vocábulo magnífico, não deixar os partidários do capitalismo liberal globalizado imporem um balanço pessoal de sua utilização, relançar a discussão sobre as etapas e os desvios inevitáveis da emancipação histórica da humanidade toda eram uma tarefa necessária para o que hoje se mostra dramaticamente ausente: uma independência total de pensamento diante do consenso ocidental "democrático" que apenas organiza universalmente sua própria e deletéria continuação desprovida de sentido".
O filósofo Jacques Rancière escreve: "A "crise" atual é de fato o freio da utopia capitalista que reinou sozinha durante os 20 anos que se seguiram à queda do império soviético: a utopia da autorregulação do mercado e da possibilidade de reorganizar o conjunto das instituições e das relações sociais, de reorganizar todas as formas de vida humana segundo a lógica do livre mercado".
Apresentadas em ordem alfabética, as conferências de Alain Badiou, Judith Balso, Bruno Bosteels, Susan Buck-Morss, Terry Eagleton, Peter Hallward, Michael Hardt, Minqi Li, Jean-Luc Nancy, Toni Negri, Jacques Rancière, Alessandro Russo, Alberto Toscano, Gianni Vattimo, Wang Hui e Slavoj Zizek abordam diferentes aspectos do pensamento comunista.
O filósofo e psicanalista esloveno Slavoj Zizek conta que, numa reunião de lacanianos em Buenos Aires, em 2008, encontrou um grupo de psicanalistas venezuelanos, ferrenhos opositores do regime de Hugo Chávez. Alegavam que o presidente venezuelano fosse "violento e criminoso".
Zizek escreve: "Eles esqueciam que o regime precedente, no qual milhões de pobres vivendo em favelas eram excluídos da riqueza gerada pelo petróleo, era, em todos os sentidos, mais violento e criminoso. Trata-se de um exemplo claro da maneira como a classe tangencia a visibilidade (invisível) da violência: a brutalidade policial cotidiana para com os pobres é invisível, enquanto a menor perturbação da rotina das classes médias é condenada como um ato de violência".
Polêmica
Inimigos de Badiou o acusaram, em fevereiro, de "terrorista de salão", "mestre perverso" e "velho perdedor", em texto no semanário francês "Marianne".
O filósofo francês mais lido e comentado no mundo enche mensalmente o enorme anfiteatro da École Normale Supérieure, em Paris. Pessoas de todas as idades se deslocam para ouvir seu seminário sobre Platão. Mas seus inimigos não perdoam o fato de fazer ressurgir o espectro de Marx. Ainda neste ano, uma conferência em Berlim prolongará a reflexão sobre a "ideia de comunismo".
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