terça-feira, 26 de outubro de 2010

AIDS: Programa verdadeiramente criado por Lair Guerra e Adib Jatene

Neste texto, devidamente desmascarada uma das grandes mentiras de José Serra que é suportada pela grande mídia.



AIDS: Serra assume como dele programa criado por Lair Guerra e Adib Jatene

 

por Conceição Lemes

 

Nas três últimas eleições que disputou e nos programas do PSDB, o ex-ministro da Saúde e atual governador de São Paulo, José Serra, é exaustivamente apresentado como a pessoa que:

- Criou um programa de combate de aids, que é exemplo no mundo todo.
- Trabalhou e criou o melhor programa de combate à aids do mundo.

Em março de 2004, num vídeo de 30 segundos, o próprio José Serra, então presidente do PSDB, garante: Cumprir o que se promete. Colocar as pessoas em primeiro lugar. Trabalhar muito e falar pouco. Honestidade. Estas são marcas do PSDB, o partido que tem história. O PSDB fez metrô, portos, estradas, hospitais, casas, implantou os genéricos e o melhor programa de combate à aids do mundo…
O programa de aids em pauta é o Programa Nacional de Doenças Sexuais Transmissíveis e Aids. Serra se refere evidentemente à época em que esteve à frente do Ministério da Saúde ao qual o PN-DST/Aids é subordinado. Conseqüentemente, segundo a campanha publicitária, é o seu “criador”. Só que esses slogans e as variações dos mesmos, criados por marqueteiros e assumidos por José Serra, são propaganda enganosa. Por desinformação, conivência, sabujice ou má-fé, a mídia corporativa nunca os questionou nesses oito anos.
 ”Essa história do Serra não corresponde à verdade dos fatos. Discordo também profundamente de que este ou aquele partido criou o programa”, põe os pingos nos is a médica sanitarista Mariângela Simão, desde 2004 diretora do PN-DST/Aids.
“O Brasil reagiu muito precocemente à epidemia de aids e vários atores foram importantíssimos na sua história, entre elas a doutora Lair Guerra de Macedo Rodrigues* e o professor Adib Jatene. O grande diferencial é que, no Brasil, o Programa Nacional de Aids deixou de ser uma política de governo para ser uma política de Estado.”
“DNA” DESMENTE SERRA E MARQUETEIROS
Realmente, estes fatos derrubam uma das bandeiras-chave de Serra na área de saúde.
1983. É implantado no Estado de São Paulo o primeiro programa de controle da aids no Brasil.  O seu coordenador era o dermatologista Paulo Roberto Teixeira Leite. Na seqüência, é criado o programa no Estado do Rio de Janeiro. Começa também a organização do embrião do Programa de Aids do Ministério da Saúde.
1984. O Programa de Aids do Ministério da Saúde surge no âmbito da Divisão de Dermatologia Sanitária, que tinha como chefe a dermatologista Maria Leide de Santana. José Sarney era o presidente da República e Carlos Santana, ministro da Saúde. Nessa época, chegam ao programa Lair Guerra de Macedo Rodrigues (bióloga), Pedro Chequer (médico epidemiologista e sanitarista), Euclides Castilho (médico epidemiologista), Luís  Loures (clínico geral, na época), Celso Ferreira Ramos-Filho (infectologista), entre outros grandes nomes.
1986. O ministro da Saúde, Roberto Santos, cria oficialmente o PN-DST/Aids no governo do presidente José Sarney.  Em 1985, porém, alguns dos seus núcleos já funcionavam.
1991. Começa a distribuição gratuita do AZT (único anti-retroviral disponível) e de alguns medicamentos para infecções oportunistas. Foi Lair Guerra de Macedo que, numa das viagens ao exterior, trouxe escondidas na bagagem as primeiras caixas de AZT que chegaram ao Brasil.
1992. O atendimento é ampliado. O Ministério da Saúde inclui os procedimentos para tratamento da aids na tabela do SUS (Sistema Único de Saúde).  O cardiologista e professor Adib Jatene, considerado um dos maiores cirurgiões cardíacos do país, assume o Ministério da Saúde, colocando Lair na coordenação-geral do PN-DST/Aids. Fernando Collor de Mello era o presidente da República.
A eficiência com que Lair comandou o setor trouxe as primeiras perspectivas otimistas sobre o controle da doença”, observa Jatene. “Foi sua capacidade de propor, sua coragem de defender e sua eficiência em executar que nos colocaram na direção correta, consolidada por tantos que, com competência e dedicação,mantiveram as ações em crescendo, garantindo, em área tão sensível, o reconhecimento de uma liderança que partiu de Lair.”
Mariângela Simão faz coro: “A doutora Lair foi a pioneira. Foi quem colocou – e com sucesso! — a aids na agenda política do governo”.
Mário Scheffer, presidente do Grupo Pela Vida de São Paulo, acrescenta: “O professor Jatene também foi fundamental. Se ele não tivesse a visão estratégica de que o Brasil tinha que produzir os próprios anti-retrovirais, não se teria garantido o acesso universal ao tratamento antiaids. Foi dele a decisão política de fabricar no País o AZT e o ddI [didanosina, outro anti-retroviral] ”.
1993. O AZT começa a ser produzido no Brasil.
 1995.  Em janeiro, o professor Adib Jatene assume o Ministério da Saúde pela segunda vez. Moderniza o PN-DST/Aids, dando-lhe novo rumo e capacidade econômico-gerencial. Permanece até novembro de 1996. Nesse período, são dados três passos vitais: apoio aos projetos das ONGs ligadas à área de prevenção e tratamento de HIV/aids; as primeiras recomendações para utilização dos “coquetéis” anti-retrovirais; decisão de comprar os inibidores da protease, a nova família de drogas anti-HIV, que começava a ser comercializada.
“Em março de 1995, editamos a portaria ministerial regulamentando a compra e a distribuição de medicamentos para HIV/aids, para garantir acesso gratuito ao tratamento”, relembra Jatene.  “Em 1996, convocamos uma reunião em Brasília com 60 infectologistas para debater qual seria a atitude mais adequada do Ministério da Saúde em relação ao ‘coquetel’. Ele já existia, era capaz de controlar os sintomas e permitir sobrevida longa aos pacientes com aids...  A recomendação foi de que fornecêssemos os anti-retrovirais a todos os pacientes com aids.”
Pela primeira vez no mundo, essa proposta era apresentada. Sensibilizado com o problema, o senador José Sarney, então presidente do Senado, apresentou e conseguiu aprovar contra a opinião de alguns setores do governo (do presidente Fernando Henrique Cardoso), a Lei 9313 de 1996.
“Com a Lei Sarney, o Ministério da Saúde ficou legalmente autorizado a disponibilizar gratuitamente os anti-retrovirais”, continua Jatene. “O Brasil se tornou o primeiro país a abordar a aids não apenas nos aspectos educativo e preventivo, mas também ao oferecer o tratamento mais eficaz de forma universal e gratuita.”
Mário Scheffer reforça: “Sem a Lei Sarney a distribuição gratuita e universal dos anti-retrovirais não teria se tornado política de Estado, realidade até hoje”.
1998. Em 31 de março, José Serra assume o Ministério da Saúde. O PN-DST/Aids existia, o acesso universal ao tratamento antiaids era real e alguns anti-retrovirais já estavam sendo fabricados no Brasil.
“Realmente, o Serra deu muita força ao programa”, salienta Mariângela Simão. “O Serra enfrentou os laboratórios internacionais, ameaçando com a quebra de patentes para adequar o custo dos medicamentos”, observa a Jatene. “Quando os programas de saúde se instalam e são consistentes, debatidos com a sociedade, as entidades científicas, eles se tornam definitivos, viram políticas de saúde. Aí, são incorporados e aprimorados pelos ministros que se seguem. Foi o que fizeram o Serra, o Humberto Costa e, agora, o Temporão. Essa é a grande força do Ministério da Saúde”.
Em português claro. O PN-DST/Aids é um “filho” bonito, bem-sucedido, famoso e reconhecido internacionalmente. Serra não quis desempenhar apenas o importante papel de tê-lo ajudado ir adiante. Fez e faz de conta que é seu criador.  O que, além de inverídico, é injusto. Os marqueteiros podem até tentar maquiar a história do PN-DST/Aids, mas é impossível alterar o seu “DNA”.  Todos os que, desde o começo da década de 1980, acompanham a luta antiaids no Brasil são testemunhas, inclusive esta repórter.
SERRA AMEAÇOU QUEBRAR, MAS FOI LULA QUE QUEBROU AS PATENTES
O Programa Nacional de DST e Aids não começou nem terminou na gestão Serra. É mérito de vários governos, a partir de 1985.
Em 2001, Serra ameaçou quebrar as patentes de dois remédios do “coquetel” antiaids: nelfinavir, da Roche, e efavirenz, da Merck, Sharp & Dhome. Argumento: abuso do poder econômico.  Após negociações, chegou-se a um acordo.
Em 2005, a queda de braço foi com a Abbott, e o lopinavir/ritonavir, o alvo. O ministro da Saúde era Humberto Costa. De novo, se negociou e se chegou a um acordo.
Em 2007, o ministro da Saúde já era José Gomes Temporão e, na berlinda, mais uma vez, o efavirenz, o remédio importado mais usado. A maior parte dos pacientes começa com o “coquetel” que associa AZT (zidovudina), 3TC (lamivudina) e efavirenz. É a combinação de primeira linha. Na época, o Brasil pagava  à Merck US$1,56 por comprimido. O que se pretendia era adquiri-lo pelo mesmo preço vendido à Tailândia — US$ 0,65. O Ministério da Saúde negociou exaustivamente. Apesar do volume — tratamento para 75 mil pacientes! –, a multinacional não cedeu.
Em conseqüência, o ministro Temporão e o presidente Luis Inácio Lula da Silva decretaram o primeiro licenciamento compulsório de um remédio no Brasil.
 “PROGRAMA NACIONAL DE AIDS NÃO TEM DONO”
O Ministério da Saúde fornece gratuitamente o “coquetel” a 185 mil pessoas. A cada ano, novas 15 mil a 17 mil passam a utilizá-lo. A “cesta” atual compõe-se de 18 anti-retrovirais**.
Detalhe: como os pacientes tratados por muito tempo, tornam-se resistentes a várias drogas, são necessários novos anti-retrovirais. De 2005 para cá, foram introduzidos três. Em 2008, um da própria Merck, que, em 2007, teve a patente quebrada do efavirenz. E, ao contrário do que alardeavam e até torciam os opositores do governo Lula, a farmacêutica não retaliou. “O Brasil é um dos grandes mercados do mundo”, alfineta Mariângela. “E o governo federal é o único comprador brasileiro.”
Maior programa de aids do mundo? Melhor do mundo?  Exemplo para mundo?
Mariângela tem ojeriza a carimbos triunfalistas, megalomaníacos ou personalistas. Para essas perguntas, tem uma resposta na ponta da língua: “Somos um programa com grandes feitos, mas também com muitas coisas a fazer, já que o Brasil é tremendamente desigual”.
O programa é resultado de uma construção coletiva e contínua, que fez e faz diferença até hoje: os movimentos sociais, as ONGs de prevenção e tratamento da aids, os conselhos e profissionais de saúde”, orgulha-se a sua diretora. “Na verdade, o Programa Nacional de Aids não tem dono. Foi criado e consolidado por mil e uma mãos.”
 * Em 1996, Lair Guerra de Macedo Rodrigues sofreu um acidente de carro em Recife, onde se encontrava para um congresso de aids. Ficou vários dias entre a vida e a morte. Recuperou-se lentamente, mas não pode  reassumir as suas funções devido às sequelas.
 ** Dos 18 anti-retrovirais, 7 são nacionais: zidovudina (AZT), lamivudina (3TC), indinavir, estavudina, nevirapina, saquinavir e efavirenz. Os 11 importados são: abacavir, atazanavir, darunavir, didanosina, enfuvirtida, fosamprenavir, lopinavir/ritonavir, ritonavir, tenofovir, raltegravir e amprenavir.
 Publicado originalmente em 12 de junho de 2009
Disponível em < http://www.viomundo.com.br/denuncias/aids-serra-assume-como-dele-programa-de-lair-guerra-e-adib-jatene.html >

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