domingo, 24 de outubro de 2010

Cadastro positivo e privacidade


São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2010

Principal questão do cadastro positivo é a da privacidade
 
MARIA ELISA NOVAIS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Não é de hoje que a polêmica sobre o cadastro positivo permeia a opinião pública. A medida é anunciada como mecanismo de facilitação do crédito ao consumidor, inclusive com a tão almejada redução de juros, ainda que nos países que a adotem essa justificativa não seja apresentada e o reflexo na taxa de juros não se mostre significativo a ponto de motivar a sua adoção.

O fato é que a pretensão com o cadastro positivo não é outra senão saber mais sobre os hábitos dos consumidores. É ter informação sobre a nossa vida econômica, financeira e social, sem qualquer contrapartida.
O interessante é que há muitos anos os consumidores lutam pelo nível mínimo de informação exigida das empresas pelo Código de Defesa do Consumidor, em especial no setor financeiro, com pouco sucesso.

Agora, numa única cartada, elas poderão ter todas as informações a nosso respeito, compartilhá-las e avaliar o grau de confiabilidade em relação à nossa capacidade de adimplir crédito em determinado prazo.
Ainda não aprovada a regulamentação, grandes e conhecidos bancos de dados já não se constrangem em ofertar às empresas análises de crédito de seus clientes, atribuindo-lhes uma nota, cruzando e ponderando informações que nos deixam perplexos por não sabermos como tais dados chegaram ao conhecimento de uma ou outra empresa.

Quem nunca se surpreendeu ao receber diversas formas de publicidade de empresas com as quais nunca mantiveram contato?
Essa é a principal questão: a violação da privacidade. As disposições do PLC 85/2009 têm grande potencial de ferir direitos da personalidade e a garantia da dignidade do consumidor, porque ele fica sem controle sobre os dados que são passados, a quem são e com qual finalidade.

Além disso, o cadastro positivo causa falta de isonomia até mesmo entre os "bons pagadores". Ainda que raro, há aqueles consumidores que não se valem de qualquer forma de crédito, nem utilizam outra forma de pagamento senão em dinheiro, porém não deixam de ser bons pagadores. Como serão avaliados como tal?

O cadastro positivo merece uma análise mais detida, sob pena de trazer privilégios apenas para um setor específico em detrimento de toda a sociedade. Quando olhamos mais de perto para o PL 85, o adágio "parece mais não é" ganha peculiar sentido.


MARIA ELISA NOVAIS, mestranda em Direito Processual Civil pela USP, é gerente jurídica do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor).

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