quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Guerrilha do Araguaia, a história que não acabou


Guerrilha do Araguaia, a história que não acabou
Por Romualdo Pessoa Campos Filho*

Em 1975 a Guerrilha do Araguaia chegava ao fim. Mas sua história ainda não acabou – falta a versão militar do conflito, que só agora começa a ser aclarada

Em janeiro de 1975, as Forças Armadas davam por encerrado um dos mais importantes conflitos armados do século passado – a Guerrilha do Araguaia – que, à exceção da mobilização de tropas para a Segunda Guerra Mundial, foi aquele que exigiu maior número de soldados, envolvendo as três armas e as polícias militares dos estados de Goiás, Mato Grosso e Pará, totalizando mais de 10 mil homens em três anos de conflito aberto na região.

No final da década de 1960, sufocadas pela falta de liberdade e por uma repressão violenta que impedia que cada cidadão pudesse exercer seus plenos direitos políticos, as organizações de esquerda, com raras exceções, optaram pelo caminho da luta armada, acreditando ser a única forma de pôr fim à ditadura militar implantada em 1º de abril de 1964. A explosão social, contida por um conjunto de medidas (atos institucionais, leis complementares, cassações políticas, e acusações infundadas sobre intelectuais, trabalhadores e estudantes) que expulsou do solo pátrio milhares de brasileiros, ameaçou se irromper com a ação de grupos guerrilheiros, inspirados nas revoluções chinesa e cubana e, em certa medida, na guerra do Vietnã e na luta de libertação da Argélia.

O movimento comunista mundial vivia, na década de 1960, uma grande crise, causada pelas denúncias de Kruschev contra Stalin. Isso gerou uma divisão entre os partidos comunistas de todo o mundo. A política implementada pela União Soviética, a partir de então, privilegiava uma ação conciliatória, em detrimento do caminho revolucionário. Kruschev iniciou uma série de negociações e acordos com os Estados Unidos, acreditando que a crise vivida pelo mundo capitalista deixaria inevitavelmente a União Soviética livre para exercer o domínio mundial.

Essa opção “reformista”, seguida no Brasil pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), provocou descontentamento em vários dirigentes e militantes. Iniciou-se, assim, um processo de cisão no PCB, que motivou o surgimento de várias organizações políticas e da reorganização do Partido Comunista do Brasil. Apesar das discordâncias quanto à estratégia a se adotar, todas elas acreditavam que somente através da luta armada seria possível derrotar a ditadura militar e instalar um governo popular e revolucionário.

Os caminhos utilizados foram diferentes. Parte dessas organizações, principalmente a ALN (Ação Libertadora Nacional) e a VAR-Palmares, optou por seguir uma linha inspirada no modelo de revolução implementado em Cuba, por Fidel Castro e Che Guevara, e posteriormente na Bolívia. Inspirados na guerra popular prolongada de Mao Tsé-Tung, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) e a Ação Popular Marxista-Leninista (AP-ML) entenderam que o “elo mais frágil” do regime militar encontrava-se no interior, portanto, a guerrilha rural teria maior eficácia na luta contra a ditadura.

O cenário
Fruto de um estudo sistemático que levou em consideração as distorções regionais, o Partido Comunista do Brasil (PCdoB) escolheu o sul do Pará e o norte de Goiás (atualmente Tocantins) como uma das regiões ideais para a implantação de núcleos guerrilheiros e, a partir de 1966, iniciou o deslocamento de quadros para aquela região. Eram militantes possuidores de noções militares, como Osvaldo Orlando da Costa, o famoso Osvaldão, com passagem pelo CPOR (Centro de Formação de Oficiais da Reserva), e Ângelo Arroio, estudioso do assunto.

A região apresentava as características essenciais para que se pudesse preparar uma guerra de guerrilhas

Hoje, vinte anos depois, a região que serviu de cenário à guerrilha permanece no abandono, vítima de desmatamentos descontrolados, motivados pela explosão de madeira e pelas coivaras que antecipam o cultivo do solo. Entre Araguaína, no Tocantins, e São Geraldo, no Pará, ou entre Imperatriz, no Maranhão, e Marabá, no Pará, povoados pequenos e miseráveis permanecem quase isolados, devido às estradas mal-cuidadas, sem asfalto, que se transformam em atoleiro durante as chuvas e formam névoas de poeira vermelha no período da seca.

Os casebres de adobes ou barro batido demonstram que nem mesmo o clima de guerra foi suficiente para motivar o interesse dos governos em desenvolver a região. Apenas num curto período posterior à guerrilha, ainda sob o controle do Exército, a região mereceu alguns cuidados do governo, que temia o surgimento de novos núcleos guerrilheiros.

A região apresentava as características essenciais para que se pudesse preparar uma guerra de guerrilhas. Abandonada pelos governos, sem contato com o desenvolvimento que se acelerava nas grandes cidades e desconhecendo todo o processo político que o país vivia, tinha a vantagem de contar com uma densa floresta, capaz de garantir os alimentos necessários para a sobrevivência.

Esse foi o cenário onde ocorreu a Guerrilha do Araguaia, dirigida pelo PCdoB. Enquanto nas cidades a repressão abatia-se cada vez mais ferozmente sobre os militantes de organizações de esquerda – de 1968 a 1970, principalmente –, a região do Araguaia, no Bico do Papagaio, começava a receber novos moradores, diferentes dos que ali já viviam.

Os personagens
Aos poucos foram se constituindo os núcleos guerrilheiros. O primeiro militante a chegar foi Osvaldão. Negro, alto, simpático no falar e no trato com a população, tornou-se famoso, a ponto de criar lendas a seu respeito. O camponês Antônio Veloso, que foi guia do Exército, conta que os militares já vinham sabendo que Osvaldão “era o elemento mais temido”. Osvaldão atuou como garimpeiro, em Itamirim, no Pará, como mariscador (caçador de peles), e depois adquiriu uma posse ao lado do rio Gameleira. Ali seria estruturado o Destacamento B.

Em 1967, chegou o médico João Carlos Haas Sobrinho, o Juca. Gaúcho, estabeleceu-se em Porto Franco, no Maranhão, onde montou um pequeno hospital que servia também à cidade de Tocantinópolis. Acusado de subversão, João Carlos teve de se retirar para uma roça próxima a São Geraldo, no Pará, devido aos cartazes distribuídos nessas cidades, que mostravam sua foto com a expressão PROCURADO. Foi um dos membros da comissão militar da guerrilha.

Ainda em 1967 chegaram Elza Monnerat (dona Maria), Libero Giancarlo Castiglia (Joca) e Maurício Grabois (Mário ou velho). Grabois fora deputado federal constituinte em 1946, pelo Partido Comunista do Brasil (PCB). Em 1968, chegaram João Amazonas (Velho Cid) e Ângelo Arroio (Joaquim). Esse era o núcleo dirigente, responsável pelo estudo da região, distribuição do pessoal entre as localidades onde se constituíram as bases guerrilheiras, preparação política e ideológica e treinamentos militares.
Entre 1970 e 1972, chegaram aos poucos mais militantes do PCdoB, até totalizar 69 guerrilheiros. Jovens, a maioria, pertenciam ao mesmo partido e estavam marcados pela repressão que se abatia nas grandes cidades. Entre eles, encontrava-se um ex-operário, Francisco Chaves, sexagenário, que participara da insurreição de 1935, nas fileiras da Aliança Nacional Libertadora.

Dina e Osvaldão, mitos do Araguaia tidos pelo exército como os mais perigosos guerrilheiros

Assim como Osvaldão, uma outra figura se destacou e tornou-se mito: Dinalva Oliveira Teixeira, a Dina. Vários moradores da região contam que “Dina era muito mística”. Devido a essas lendas, ela e Osvaldão eram tidos pelo exército como os guerrilheiros mais perigosos.

A preparação
Os guerrilheiros não possuíam nenhuma experiência em roça, mas procuraram adaptar-se ao estilo de vida rural – tornaram-se comerciantes, farmacêuticos, castanheiros, camponeses, prestavam assistência médica e davam aulas à população. Mantinham uma vida normal, estabelecendo relações de amizade, mas sem divulgarem os verdadeiros motivos de sua presença. Temiam que toda aquela preparação fosse descoberta, antecipando uma resistência que poderia vir antes que estivessem completados todos os treinamentos. Na prática, foi o que ocorreu.

Três bases foram constituídas: o Destacamento A, próximo a São João do Araguaia; o Destacamento B, às margens do rio Gameleira, entre Palestina do Pará e São Geraldo; e o Destacamento C, pouco abaixo de São Geraldo. Além dos três destacamentos (o objetivo inicial era que cada um contasse com 23 guerrilheiros), havia ainda a Comissão Militar, que se estabeleceu próximo a Metade, povoado do município de São Domingos, acima da aldeia dos índios suruís.

Ao todo, essa área abrangia as seguintes localidades: Marabá, São João do Araguaia, Itamirim, Apinagés, Araguatins (esses do lado esquerdo da Transamazônica, na direção Marabá-Imperatriz), São Domingos, Metade, Brejo Grande, Bacaba, Palestina, Santa Isabel, Santa Cruz, Pau Preto, São Geraldo, e ainda uma parte do município de Conceição do Araguaia, todos no Pará; e Xambioá, Araguanã e Araguaína, atualmente no estado de Tocantins.

A “Operação Presença”

Em 1970, o exército realizou um exercício antiguerrilha denominado “Operação Presença”, que se baseou em Imperatriz, após suspeitas de que a ALN pretendia organizar focos guerrilheiros na região. Isso apressou o deslocamento dos militantes para os pontos de apoio e a intensificação dos treinamentos militares e de adaptação à mata. Como ainda não havia sido feito um trabalho político, a população não tinha conhecimento desses preparativos. Depois de deflagrada a guerrilha, foi feita a distribuição de um conjunto de reivindicações da população, por intermédio de núcleos, denominados União pela Liberdade e pelo Direito do Povo (ULDP).

O combate

Em 12 de abril de 1972 as Forças Armadas iniciaram o combate ao movimento guerrilheiro, entrando por São Geraldo e atacando o Destacamento C. As bases militares foram instaladas em Marabá, Bacaba, Araguatins e Xambioá. Além dos acampamentos militares instalados na região, os postos policiais na Transamazônica fiscalizavam todas as pessoas que por ali passavam. Apesar de todo o sigilo, os núcleos foram descobertos antes que se completasse a fase de preparação. A politização da guerrilha e a aquisição de armamentos ficaram prejudicadas.
Algumas pessoas deixaram os núcleos guerrilheiros por motivo de doença, gravidez ou questões pessoais. Uma delas foi responsável pela denúncia do movimento. As evidências apontam para Lúcia Regina de Souza Martins, cujos pais possuíam boas relações com os militares, e que saíra da região para fazer tratamento contra hepatite e brucelose. Levada para Anápolis, deixou o hotel em que ficou hospedada e viajou para São Paulo, sem dar nenhuma satisfação.

A suspeita de que ela tenha denunciado o movimento foi reforçada em depoimentos de Elza Monnerat, dirigente do PCdoB, José Genoíno, atualmente deputado federal pelo PT, e Dower Cavalcante, professor universitário que morreu de infarto em 1993, todos eles participantes da guerrilha em seu período preparatório.

A princípio, o exército subestimou o grau de preparação da guerrilha. Na primeira campanha, o grosso do efetivo era composto por oficiais e soldados do exército, apoiado por uma maioria de recrutas e soldados inexperientes em combater guerrilhas.

Cidades como Marabá e Xambioá tiveram suas rotinas radicalmente modificadas devido à presença numerosa de milhares de soldados. Xambioá abrigou o contingente militar e uma parte do comando da operação. A base militar funcionava sob a fachada de uma mineradora e uma agropecuária.

Cerco aos “paulistas”
Do outro lado do Araguaia, onde só se pode chegar por intermédio de barca, localiza-se São Geraldo; por ali o exército penetrou em direção ao Destacamento C, Base dos Caianos, e atacou o local denominado Pau Preto, um ponto de apoio, empurrando os guerrilheiros em direção à mata. Era 14 de abril de 1972.

Quando entraram na região, os militares destruíram as plantações dos “paulistas” (assim eram chamados os guerrilheiros), queimando casas e espalhando para a população que eles eram “terroristas”, “subversivos” e “assaltantes de bancos”. A reação imediata aos militares, além do espanto, foi de antipatia. Primeiro, aquelas expressões não eram entendidas pelo povo; depois, havia uma relação de amizade, principalmente pelo atendimento que os “paulistas” prestavam à população. O despreparo das tropas do exército não se limitava à estratégia militar – também se fazia sentir no convívio com a população. Os insucessos e as perdas iniciais tornaram brutal a reação do exército contra a população, suspeita de ajudar o inimigo, ou silenciar, omitindo informações. Em pouco tempo a desconfiança da população cedeu lugar ao medo e ao terror, toda a área começou a ser vasculhada. Procuraram guerrilheiros por todos os lados, todas as estradas foram vigiadas, ninguém podia ficar afastado de casa sem informar para onde ia, e ao escurecer todos deviam se recolher.

Em 22 de maio, o camponês Lourival de Souza Paulino apareceu enforcado numa cela em Xambioá. Ele era acusado de fazer parte do movimento. Em junho foi a vez dos religiosos, também suspeitos de ajudarem e até mesmo de serem guerrilheiros. O padre Roberto de Vallicourt, hoje vigário na cidade de Marabá, conta que foi brutalmente torturado durante meia hora. Deram socos em seu rosto, nos ossos do corpo, nos rins, na barriga, pisaram em seu corpo, bateram sua cabeça na parede. Juntamente com uma freira, Maria das Graças, e um homem que trabalhava num circo, o padre foi amarrado e levado em um jipe para Araguatins, onde funcionava uma base militar.

“Moralmente derrotadas, sem apoio do povo, as Forças Armadas retiram-se e preparam nova tática”

A tática utilizada pelos guerrilheiros foi a de recuar para as áreas de refúgios, evitando o enfrentamento imediato com as tropas federais e realizando ações de fustigamento e emboscada. Houve baixas dos dois lados. Segundo o relatório elaborado por Ângelo Arroio, foram presos seis guerrilheiros e mortos cinco. Entre os militares as mortes eram cercadas por um sigilo absoluto.

Em junho de 1972, as Forças Armadas retiraram-se da área deixando o policiamento ostensivo por conta de policiais militares. Saíram moralmente derrotadas, pois, mesmo mobilizando um grande efetivo, não conseguiram sufocar o movimento guerrilheiro, que possuía um número de combatentes bem inferior, além de armamentos de baixa qualidade. Houve casos de debandada de tropas dentro da mata, causadas pelo desespero de recrutas inexperientes que não conseguiram forçar a população a dar-lhes todas as informações necessárias para que pudessem minar as bases de apoio dos guerrilheiros.

Nova tática
Em setembro de 1972, as Forças Armadas retornaram à região com número maior de soldados – uma tática diferente, principalmente para conquistar a população – e um apoio mais ostensivo do “pessoal especializado”. Embora o grosso da tropa continuasse sendo do exército, aumentou a presença da Força Aérea e da Marinha.

As tropas estabeleceram um novo relacionamento com a população local, ao mesmo tempo em que realizavam emboscadas nas estradas, grotas, roças e capoeiras, chegando a ocupar a aldeia dos índios suruís, obrigando-os a servirem de guias. Espalharam bases militares por toda a região; distribuíram panfletos; e até cartas em nome daqueles que haviam sido presos, conclamando os demais a se entregarem. Várias “picadas” foram abertas na mata com o apoio de “bate-paus”; aviões e helicópteros passaram a bombardear locais suspeitos de ser refúgios dos guerrilheiros. Essa operação foi denominada “manobrão” e tinha no comando os generais Vianna Moog, Antônio Bandeira e Hugo Abreu. Mas os recrutas ainda eram maioria.

Os militares criaram a Aciso (Ação Cívico-Social), e distribuíram remédios e vacinas em grandes quantidades e ofereceram atendimento médico e odontológico. Além disso, legalizaram posses, doaram terras através do Incra e perseguiram pistoleiros e grileiros.

Em contrapartida, os guerrilheiros, por intermédio da ULDP (União Pela Liberdade e pelos Direitos do Povo), basearam-se em um programa de 27 pontos para manter contato com a população, visando a um trabalho político para recrutar novos combatentes e expandir a base do movimento. Descobertos por acaso, alguns guerrilheiros foram mortos nessa segunda campanha. Mas também os militares cometeram erros. Um camponês que atuou como guia do exército contou que, em Brejo Grande, o exército chegou a trocar tiros com policiais militares. Morreram um sargento do exército e um soldado da PM. Outro soldado saiu ferido.
Em dois meses, depois da segunda campanha mal-sucedida, as Forças Armadas retiram-se da área, com o brio ferido por terem sido derrotados por apenas 69 guerrilheiros. Mas o recuo não representava uma desistência. Antes visava a uma contraofensiva, que tinha o objetivo de aniquilar os guerrilheiros. Os militares construíram estradas, quartéis, pontes e destruíram plantações, intimidaram moradores, prenderam e torturaram. Foi a terceira e a mais violenta campanha contra a Guerrilha do Araguaia.

Terror e aniquilamento
Alguns meses depois da retirada do exército, começaram a aparecer pessoas estranhas. “A área ficou repleta de secretas”, conta José Veloso. Eram agentes especializados que tinham como função ganhar a confiança dos moradores, obter informações necessárias e descobrir que pessoas tinham ligações com os guerrilheiros. Após listar ou “fichar” todos os suspeitos, teve início uma verdadeira caçada contra eles. Não foram poucas as pessoas perseguidas, já que os guerrilheiros conviviam bem com a população.

Com isso, a guerrilha entrou numa fase mais brutal. As Forças Armadas colocaram em ação uma estratégia de cerco e aniquilamento que, a exemplo do que ocorria na repressão urbana, utilizava torturas e assassinatos, desconsiderando tratados e convenções internacionais relativos aos direitos de guerra, principalmente os que se referiam à população civil de área em conflito.

Como afirmou o jornalista Everaldo Dias, do Jornal do Brasil, em depoimento prestado à Comissão Externa dos Desaparecidos Políticos, da Câmara dos Deputados, a Guerrilha do Araguaia foi um mini-Vietnã. Segundo ele, essa história nunca foi contada direito.

Em meados de 1973, toda área já estava minuciosamente mapeada pelo Centro de Informações do Exército e pelo SNI. Em outubro iniciou-se a terceira campanha, bastante diferente das anteriores, com as tropas ocupando ostensivamente todos os municípios e povoados no raio da ação da guerrilha. Destacava-se a Brigada de Pára-Quedistas do Exército do Rio de Janeiro, comandada pelo general Hugo Abreu, secundado pela Força Aérea, através do 1º EMRA (Esquadrão Misto de Reconhecimento e Ataque), sediado em Belém e subordinado operacionalmente ao Comando Geral do Ar (Comar).

Caçada aos suspeitos
Vários agentes da comunidade de informação espalharam-se pela área, na caçada aos “suspeitos”. Atuavam secretamente, sob codinomes, comandados pelo major Sebastião de Moura “Curió”. Contra o major Curió, com o codinome de Doutor Luchini, pesam acusações de barbaridades praticadas contra guerrilheiros e moradores.
Em São Domingos, primeiro município a ser “invadido”, as pessoas ficaram assustadas, sem saber direito o que estava acontecendo. O farmacêutico Abdias, hoje presidente da Câmara Municipal de São Domingos do Araguaia e filiado ao PSDB, foi um dos que estavam na lista. O padre Roberto de Vallicourt, vítima na primeira campanha, também acompanhou de perto o desespero da população. Vallicourt conta que 300 pessoas desapareceram:

“As mães ficavam apavoradas. Conheci uma família que tinha um filho doente mental. Ele se assustou com um helicóptero e tentou fugir. Foi perseguido e, como não sabia explicar nada, ficou preso em Bacaba. Foi chutado até morrer e não apareceu mais. Em São Domingos, tive um vizinho que ficou louco”. Em seu livro 'A justiça do lobo' (Editora Vozes), Padre Ricardo Rezende fez referência ao terror que se abateu sobre a população:

“Seu Mariano, antigo comerciante em São Domingos, chegou a contar que sentiu tanta sede que bebeu urina de um dos companheiros. Disse que ainda defecavam e urinavam no chão. O cheiro era horrível. Mesmo assim, quando a porta foi aberta e os soldados jogaram água para lavar a sujeira houve quem, desesperado, abaixou-se para sorvê-la do próprio piso”.
Com base em fartos depoimentos, Fernando Portela conta em 'Guerra de guerrilhas' (Global Editora, 1979) que “a tortura foi sistemática”:

“Em Xambioá, cavaram-se buracos próximos ao acampamento e os homens foram pendurados de cabeça para baixo, amarrados com cordas em estacas enfiadas à beira dos buracos. Levaram empurrões, socos e choques elétricos. E havia um médico entre os ‘especializados’. Quando um homem desmaiava, recebia injeção para reanimar e sofrer bem consciente”.

Na mata os guerrilheiros resistem e preparam ofensivas, mas o poderio do exército é maior

O Vietnã
Os locais de prisão e torturas, pelo que se pôde constatar, foram o Incra, em Marabá, Bacaba e Xambioá. Em Xambioá, as pessoas ficaram presas em um imenso buraco, com uma grade por cima, chamado de Vietnã. Nus, ou apenas de calção, os prisioneiros enfrentavam sol escaldante e constantes chuvas. A água para beber era jogada poucas vezes e a alimentação, além de pouca, era quase sempre muito salgada, limitando-se, às vezes, à farinha e feijão. Os prisioneiros faziam ali mesmo suas necessidades fisiológicas.

Em Marabá as condições das celas eram semelhantes. Tratados como animais, os presos eram torturados sem nenhum motivo. Muitos moradores passaram a enxergar os militares como verdadeiros terroristas.

Além das prisões e torturas, o Exército promoveu um cerco na região, retirando todos os moradores – mateiros, lavradores, mariscadores. A meta era impedir o contato dos habitantes com os guerrilheiros. Foram destruídas plantações inteiras de mandioca, milho, banana e várias outras lavouras que poderiam servir de abastecimento para os guerrilheiros. Guiado por mateiros experientes, o exército penetrou na mata e instalou acampamentos militares.

Na mata os guerrilheiros se preparavam para o enfrentamento. Mantinham a resistência, com a moral elevada pelas vitórias obtidas nas primeiras campanhas e pelo avanço do trabalho político desenvolvido no período de tréguas. Procuraram desenvolver ações ofensivas, mas o poderio do exército era infinitamente maior. Os choques com as tropas geralmente deixavam vítimas ou prisioneiros. As baixas entre os soldados eram poucas, bem menores do que nas duas campanhas anteriores. Sem ter uma real dimensão do cerco em que estavam, os guerrilheiros imaginavam que o número de soldados não chegasse a 50.

Sem rastros
No final de 1973, a guerrilha sofreu perdas consideráveis. A Comissão Militar, num erro considerado fatal, decidiu juntar os três destacamentos sob o seu comando, formando uma única força. Rumaram para Palestina do Pará, onde ainda havia depósitos de mantimentos escondidos na mata. Mas, devido ao grande número de combatentes, o deslocamento deixou rastros, apesar da preocupação em apagá-los. No dia 25 de dezembro, o exército cercou o acampamento, apoiado por helicópteros e um avião. Desse ataque resultou a queda da Comissão Militar. Não se sabe o número de mortos ou prisioneiros, sabe-se apenas que havia cerca de 25 pessoas na área.

A luta continuou no ano de 1974. Restavam poucos guerrilheiros, mas não foi fácil “caçar” os últimos combatentes. A resistência, no entanto, praticamente inexistia. Entre os últimos guerrilheiros encontrava-se Osvaldo Orlando da Costa. Quando foi morto, o exército fez questão de passar com o corpo suspenso no ar por cima das cidades, içado por um helicóptero, deixando-o exposto em Xambioá, com o objetivo de pôr fim ao mito que se criara em torno dele.

Encerrava-se a guerrilha, mas permanecia um mistério: o que fora feito dos prisioneiros? Tudo indica que todos os guerrilheiros presos no decorrer da terceira campanha foram mortos – sob tortura ou fuzilados. A denúncia mais grave partiu de um militar da reserva, o coronel Pedro Corrêa Cabral, da Aeronáutica. Segundo ele, esses assassinatos foram perpetrados por membros da comunidade de informação. As ordens de Brasília eram para que não ficasse ninguém vivo.

Após arrancarem as informações que buscavam, os agentes levavam os guerrilheiros para a mata para que mostrassem os depósitos de mantimentos. Lá eram executados. No linguajar próprio, punham-nos para “viajar”. “Viajar significava execução”, afirma o coronel. Muitos depoimentos comprovam que vários guerrilheiros foram presos com vida nesta terceira campanha. Além do falso “chafurdo” – na expressão militar, “combate” –, em que os prisioneiros “viajavam”, vários deles podem ter sido eliminados após torturas no Pelotão de Investigação Criminal (PIC), em Brasília, para onde alguns foram levados.

Fase macabra
Ao encerrar a guerrilha, em 1975, o major Curió, que comandou a terceira campanha, permaneceu na região, com uma equipe de informantes. Ele impedia manifestações de simpatia aos guerrilheiros e chegou a proibir missa pelos mortos, acusando padres de subversivos.

A fase macabra da guerrilha ocorreu entre o final de 1974 e janeiro de 1975. A ordem de não deixar sobreviventes vinha acompanhada de outra determinação – a de não deixar vestígios. Segundo Pedro Cabral, os corpos ainda possíveis de ser localizados foram levados para a Serra das Andorinhas e queimados juntamente com pneus.

É difícil saber o número exato das baixas existentes entre as Forças Armadas. Até hoje, 35 anos depois, de forma irracional, elas se recusam a prestar qualquer informação a respeito. Principalmente o exército. Provavelmente devido à morbidez com que foi executada a Operação Araguaia e pelos erros cometidos, que levaram à morte dezenas de soldados, em grande parte recrutas, somando-se a isso o terror praticado contra a população.

* Pós-graduando em História das Sociedades Agrárias na Universidade Federal de Goiás. É autor da dissertação de mestrado A Esquerda em Armas: História da Guerrilha do Araguaia (1972-1975).

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