domingo, 24 de outubro de 2010

Kurosawa - Homenagens aos seus 100 anos

O Estado de São Paulo OnLine, 23 de outubro de 2010 | 7h 00

 

Akira Kurosawa, homenagem em livro e exposição

Luiz Zanin Oricchio - O Estado de S. Paulo
 
À Espera do Tempo - Filmando com Kurosawa, de Teruyo Nogami, é uma bela homenagem prestada ao centenário do mestre japonês. Nogami trabalhou junto ao cineasta de Rashomon (1950) a Madadayo (1993) - quer dizer acompanhou sua carreira desde o filme que o consagrou no Ocidente ao vencer o Festival de Veneza até a sua última obra. É, portanto, uma visão privilegiada, íntima, do método de criação de um dos mais importantes diretores do século 20.
Divulgação
Akira Kurosawa, durante as filmagens de 'Kagemusha',1980
 
No entanto, que ninguém espere de Nogami altas teorizações a respeito das propostas estéticas de Kurosawa. O maior encanto deste livro está em outra parte, em sua grande simplicidade, no olhar despojado de alguém que sempre considerou ter tirado a sorte grande ao conhecer e ganhar a confiança de um homem excepcional como Kurosawa.
Esse despojamento se expressa já no título. Ao vê-lo, ficamos imaginando que se trata de uma elucubração oriental sobre o devir, sobre essa matéria da qual somos feitos e com a qual lidamos tão mal. Matéria vital, pois, como dizia Borges, "o tempo é o mais urgente dos problemas". Contudo, Nogami, ao falar na espera do tempo, quer apenas evocar as horas mortas que aparecem no período de filmagem, quando se esperam pelas condições ideais para a captação de imagens. Enquanto elas não chegam, a equipe pode relaxar, descansar ou jogar conversa fora. Intervalo raro nessa luta contra o relógio que é uma produção profissional, quando cada minuto perdido significa custo extra no orçamento do filme.
Mas que ninguém se iluda também com esse despojamento. Afinal, ser simples é bem diferente de ser simplório. Nogami, de maneira sutil, evoca uma época ainda artesanal do métier cinematográfico, quando um diretor era capaz de aguardar um dia inteiro, junto com toda a sua equipe, à espera que a luz do dia fosse do seu agrado, ou que a formação de nuvens apresentasse a composição julgada ideal para expressar determinado estado de espírito.
O próprio Kurosawa havia aprendido essa arte da paciência de outros cineastas. Em 1936, foi visitar o set de um filme de Sadao Yamanaka. O tempo estava perfeito. A luz, impecável. E nada de a filmagem começar. Perguntou qual era o problema. Responderam que o diretor aguardava a passagem de uma nuvem para dar volume ao céu. Hoje, ela seria feita por computação digital e pau na máquina, porque não se pode jogar dinheiro fora. Outros tempos.
Não que as razões de ordem econômica não importassem. Nada disso. Cinema é (também) uma indústria, em qualquer parte. Porém, esse realismo econômico não impede que Nogami olhe com suave ironia as contingências de ordem material. Em páginas engraçadas, ela descreve as condições de filmagem de Dersu Uzala, em 1973, uma coprodução com a então União Soviética. Aliás, a URSS tinha prevalência no projeto, que seria intitulado "uma produção soviética", embora garantissem que o processo criativo de Kurosawa seria plenamente respeitado.
Ao que tudo indica, essa obra-prima saiu mesmo do jeito que o cineasta queria, mas isso não impediu que tentassem submetê-lo ao sistema soviético de filmagem. Eles tinham como norma um cronograma rígido, prevendo uma quantidade determinada de metros de filme realizados por dia, segundo alguns parâmetros variáveis: filmagens internas, 55 metros; externas no verão, 35 metros; no inverno, 25. Cenas com participação de animais, entre 16 e 21 metros. O sistema baseava-se na programação leninista da produção planejada, aplicada a uma fábrica de salsichas ou a uma filmagem.
É claro que o cinema não funciona assim de maneira linear. E boa parte do encanto de Esperar o Tempo se deve à descrição dos contratempos e dificuldades de filmagem, que se tornavam ainda mais agudos diante do perfeccionismo de Kurosawa.
Quem vê um filme no conforto da sala de cinema, não imagina a quantidade de desafios - e desconfortos - que custou. Para ficar em Dersu Uzala: a equipe deslocou-se para a Sibéria, onde encontrou um verão insuportável, cheio de mosquitos e carrapatos. Entretanto, com o passar do tempo, e a chegada do inverno, os inconvenientes do verão passaram a ser vistos com saudade, sob uma temperatura que podia chegar a 40 graus negativos após o cair do sol.
Pouco antes do início das filmagens, Kurosawa havia tido uma crise de depressão e tentara o suicídio. Durante o trabalho na Sibéria, tomava uma garrafa de vodca por dia, caso contrário não conseguia dormir. Sob pressão, na fase final do trabalho aumentou a dose diária para duas garrafas.
Nada disso transparece na bela história de amizade entre um capitão russo Vladimir Arseniev (Yuri Solomin) e o caçador Dersu Uzala (Maksim Munzuk), num dos filmes mais envolventes e tocantes da carreira de Kurosawa. Nem em qualquer cena transpira o péssimo humor do diretor que, numa crise, chegou a jogar um prato de mingau na pobre assistente. Ofendida, ela deixou de falar com Kurosawa até que este se desculpasse. Mas, hoje, ao escrever, Nogami se penitencia: "Na época em que filmamos Dersu Uzala, Kurosawa estava esgotado física e mentalmente. Até hoje me arrependo por não ter entendido o sofrimento porque passava".
Essas histórias de bastidores - ora ternas, dramáticas ou engraçadas - passam de um longa a outro ao longo das páginas de À Espera do Tempo. Nogami fala de Rashomon, de Os Sete Samurais, de Kagemusha, Ran, enfim, dos grandes filmes desse artista notável. Kurosawa por certo vivia imerso em cogitações sobre cada um desses trabalhos que continuam a nos desafiar. Nogami, no entanto, observa as contingências práticas das filmagens.
Há um abismo entre aquilo que um cineasta imagina e aquilo que consegue colocar em prática. Ela lembra, por exemplo, que em Os Sete Samurais tiveram necessidade de muitos cavalos para compor as cenas de ação - "cerca de 50 animais", conseguidos com os camponeses da região onde o filme foi feito. Contudo, em Kagemusha, precisavam de três vezes mais. Conta como Kurosawa teve enorme dificuldade em conseguir emprestados 150 puros sangues de um criador e então tiveram de se virar com cavalos em fim de linha, a caminho do matadouro para servir de alimento. Segundo outro assistente, Hirai, essa comutação de pena, no corredor da morte, faria os cavalos trabalharem com alegria. Parece que funcionou. Mesmo assim, tiveram grandes problemas para conter os animais nas cenas de batalhas, com as quais obviamente não estavam acostumados.
Há muito que aprender também dos bastidores de Ran, inspirado em Rei Lear, de Shakespeare. Nogami conta que Kurosawa estudava a planta das filmagens como um general que medita sobre a batalha a travar no dia seguinte. Discutia a posição dos atores e figurantes à exaustão, o que é compreensível em um diretor tão plástico. O problema maior em Ran foi a construção de um castelo que deveria ser destruído por um incêndio. A dificuldade eram as paredes de pedra, de mais de 15 metros de altura. O truque era fotografar pedras de um castelo de verdade e colar as imagens sobre peças de isopor. Acontece que isopor pega fogo como papel. Como fazer para não tornar a cena ridícula? O jeito foi colocar camadas de cimento no isopor e depois pintar as "pedras" de modo a parecerem envelhecidas. "Um trabalho sobre-humano", que consumiu meses e um milhão de dólares, conta Nogami. Tudo para que fossem produzidos os dois minutos da cena do incêndio na tela. Assim é o cinema.
Muito nos é revelado desse pano de fundo das filmagens. Porém o mistério da grande arte permanece. A própria Nogami sabe disso. Nas últimas páginas, confessa: "Mesmo concedendo que o Kurosawa que conheço pode representar apenas a ponta do rabo do elefante, pareceu-me uma boa ideia deixar um relato do que realmente sei dele, por pouco que isso possa ser". Na verdade, esse pouco é muito. O possível para roçar a personalidade de um dos grandes criadores de imagens do século do cinema.
Livro: À Espera do Tempo
Autora: Teruyo Nogami
Tradução: Diogo Kaupatez
Editora: CosacNaify/Mostra
(320 págs., R$ 69)

Exposição: Kurosawa - criando imagens para cinema.
Paralelamente ao lançamento do livro, Teruyo Nogami inaugura uma mostra de desenhos de Akira Kurosawa, que serviram como base para seus filmes. Livro e mostra fazem parte da programação da 34.ª Mostra Internacional de Cinema.
Abertura: 22 de outubro, às 20h (convidados)
Até 28 de novembro, de 2010, de terça a domingo, das 11h às 20h
Instituto Tomie Ohtake (Av. Faria Lima, 201 - entrada pela Rua Coropés - Pinheiros)
Fone: 11.2245-1900
Entrada gratuita

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UOL, 22/03/2010

Mostra em São Paulo faz homenagem aos 100 anos do nascimento de Akira Kurosawa

Divulgação
Cena do filme "Rashomon", do cineasta japonês Akira Kurosawa
Para comemorar os 100 anos do nascimento do cineasta japonês Akira Kurosawa, a Cinemateca Brasileira recebe no mês de março uma mostra composta por seis longas-metragens, entre eles “Madadayo”, o último da carreira do diretor.
Nascido em 23 de março de 1910, em Tóquio, Kurosawa iniciou a carreira no cinema na década de 30, como assistente de direção. Em 1943, estreou como diretor com o filme “A saga do judô”. Com “Rashomon”, Kurosawa tornou-se conhecido mundialmente e recebeu o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1951.
A programação do evento conta com “Juventude sem arrependimento”, um drama que se passa durante a invasão da Manchúria, na China, pelo exército japonês; “A luta solitária”, com o consagrado ator Toshiro Mifune no papel principal; “Kagemusha – A sombra do samurai”, filme vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1981; e “Ran”, baseado na tragédia de Shakespeare, “Rei Lear”.
A mostra também conta com o longa “Dora-heita”, dirigido por Kon Ichikawa, com roteiro de Akira Kurosawa, realizado após a morte do consagrado cineasta em 1998. Para a programação completa, acesse http://www.cinemateca.com.br/
CINEMATECA BRASILEIRA
Onde: Largo Senador Raul Cardoso, 207 - próximo ao Metrô Vila Mariana. São Paulo.
Quando: de 23 a 28 de março
Quanto: grátis

Programação

KUROSAWA 100 ANOS
23 a 28 de março de 2010

A Cinemateca Brasileira celebra neste mês os 100 anos de nascimento de um mestre do cinema – Akira Kurosawa. Composta por 6 títulos, a homenagem exibe filmes realizados pelo diretor nos anos 40 e obras do final de sua carreira, incluindo seu último filme, Madadayo. Nascido em 23 de março de 1910, em Tóquio, Kurosawa iniciou sua carreira no cinema na década de 30, como assistente de direção. Estreou como diretor anos mais tarde, em 1943, com A saga do judô. Tornou-se mundialmente conhecido com Rashomon, pelo qual foi indicado ao Oscar e recebeu o Leão de Ouro no Festival de Veneza de 1951. O sucesso de  Rashomon no Ocidente foi responsável também por projetar internacionalmente não só a carreira de Kurosawa como toda cinematografia japonesa. Com um repertório de inúmeras obras-primas, dentre as quais destacam-se Os sete samurais, Dersu Uzala, Viver, Trono manchado de sangue, Ralé, entre muitas outras, Kurosawa influenciou gerações de cineastas e, entre seus admiradores, contam-se nomes como Martin Scorsese, George Lucas e Francis Ford Coppola. A programação organizada pela Cinemateca apresenta Juventude sem arrependimento, drama que evoca um capítulo obscuro da história do Japão – a invasão da Manchúria pelo exército japonês; A luta solitária, com o consagrado ator Toshiro Mifune no papel principal; Kagemusha – A sombra do samurai, marco na carreira de Kurosawa, filme vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1981; e Ran, baseado na tragédia de Shakespeare, Rei Lear. Fecha o ciclo Dora-heita, de Kon Ichikawa, filme de samurais com roteiro do mestre, realizado após sua morte.

CINEMATECA BRASILEIRA
Largo Senador Raul Cardoso, 207
próximo ao Metrô Vila Mariana
Outras informações: (11) 3512-6111 (ramal 215)


FICHAS TÉCNICAS E SINOPSES

Dora-heita, de Kon Ichikawa
Japão, 2000, 35mm, cor, 111' | Exibição em 16mm | Legendas em português
Kôji Yakusho, Yûko Asano, Tsurutarô Kataoka, Ryûdô Uzaki
Destemido samurai é contratado para dar fim a uma gangue de bandoleiros que semeia o pânico numa cidade dominada pela corrupção. Cartunista, Kon Ichikawa é celebrado por suas experimentações plásticas e pelos inúmeros filmes que dirigiu nos anos 1950 baseados em contos e romances japoneses. Incansável artista,sua carreira também se estendeu para a televisão, onde derrubou verdadeiros tabus de linguagem. Roteiro de Akira Kurosawa, filmado pelo colega após sua morte.
Classificação indicativa: 14 anos
qua 24 19h00 |  sáb 27 21h00

Juventude sem arrependimentos (Waga seishun ni kuinashi), de Akira Kurosawa
Japão, 1946, 35mm, pb, 110’ | Exibição em 16mm | Legendas em português
Setsuko Hara, Susumu Fujita, Denjirô Ôkôchi, Haruko Sugimura
Jovem estudante tem sua vida profundamente transformada quando seu pai, um professor universitário, é encarcerado pelo exército japonês em razão de seu passado de militância política. O filme se passa durante a invasão da Manchúria pelo Japão, episódio em que milhares de comunistas foram presos pelas forças japonesas. Kurosawa inspirou-se em dois incidentes reais para evocar um capítulo obscuro da história do país. O roteiro de Hisaita Hijiro, dramaturgo proletário que estava proibido de escrever durante a guerra, mostra como o exército japonês ocupa a Manchúria, reprimindo o povo e levando adiante seus projetos expansionistas.
Classificação indicativa: 10 anos
qua 24 21h00 | sex 26 18h00

Kagemusha – A sombra do samurai (Kagemusha), de Akira Kurosawa
Japão, 1980, 35mm, cor, 159’ | Exibição em DVD | Legendas em português
Tatsuya Nakadai, Tsutomu Yamazaki, Kenichi Hagiwara, Jinpachi Nezu
Lendário samurai é ferido numa batalha feroz. Á beira da morte, ordena a seu clã que encontre um sósia para substitui-lo, mantendo assim sua fama inabalada e os inimigos à distância. Seus discípulos saem à caça de um substituto e encontram num ladrão os traços físicos de seu chefe. Marco na carreira do mestre, Kagemusha foi indicado ao Oscar e venceu a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1981. Para a produção do filme, Kurosawa contou com a colaboração de George Lucas e Francis Ford Coppola, admiradores de sua obra, que o ajudaram nas negociações com os magnatas da Fox.
Classificação indicativa: 12 anos
sex 26 20h00 | dom 28 17h00

A luta solitária (Shizukanaru ketto), de Akira Kurosawa
Japão, 1949, 35mm, pb, 95' | Exibição em 16mm | Legendas em português
Toshiro Mifune, Takashi Shimura, Miki Sanjo, Kenjiro Uemura
Durante a Segunda Guerra, jovem cirurgião contrai sífilis depois de tratar um paciente contaminado. Encerrado o conflito, a enfermidade atormentará o médico e sua relação com a mulher que lhe foi prometida. Sucesso de público em sua época, A luta solitária foi usado pelas autoridades japonesas como peça de propaganda para aumentar a auto-estima do povo japonês, abalado pelas sequelas da guerra.
Classificação indicativa: 12 anos
ter 23 21h00 | sáb 27 19h00

Madadayo, de Akira Kurosawa
Japão, 1993, 35mm, cor, 134’ | Legendas em português
Tatsuo Matsumura, Kyôko Kagawa, Hisashi Igawa, Jôji Tokoro
Último filme de Akira Kurosawa. No início dos anos 40, professor de literatura alemã decide se aposentar. Seus alunos, a quem soube conquistar com humor e carisma, nutrem especial admiração por ele e organizam a cada ano uma festa para celebrá-lo.
Classificação indicativa: 10 anos
qui 25 18h00 | dom 28 20h00

Ran, de Akira Kurosawa
Japão, 1985, 35mm, cor, 162’ | Exibição em DVD | Legendas em português
Tatsuya Nakadai, Akira Terao, Jinpachi Nezu, Daisuke Ryû
No Japão do século XVI, poderoso chefe de clã decide dividir sua herança entre os filhos. Para tanto, impõe uma condição – que eles cedam seus castelos ao pai a fim de que ele possa manter sua tropa particular e seu status de Grão-Mestre. Um dos filhos, no entanto, temendo as consequências da resolução do pai, opõe-se à partilha. Baseado na tragédia Rei Lear, de William Shakespeare.
Classificação indicativa: 14 anos
qui 25 20h30

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