sexta-feira, 9 de junho de 2017

Juiz diz que Fernanda Young tem “reputação elástica”


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Jota,  09/06/17


Juiz diz que Fernanda Young tem “reputação elástica”



Por Kalleo Coura



A escritora, atriz e roteirista Fernanda Young foi alvo de um ataque de cunho sexual escrito por meio de um perfil falso no Instagram em março de 2015. Ofendida por uma pessoa que a chamou, dentre outros termos chulos, de “vadia lésbica”, resolveu entrar com um processo na Justiça pela primeira vez em sua vida com o objetivo maior de revelar a verdadeira identidade do agressor.

Mais de dois anos depois, finalmente, recebeu uma resposta da Justiça. O juiz Christopher Alexander Roisin, da 11ª Vara Cível de São Paulo, concordou que a intenção do administrador pernambucano Hugo Leonardo de Oliveira Correa, de 37 anos, “era a de insultar a autora” e condenou-o ao pagamento de uma indenização de R$ 5 mil por danos morais.

O valor não tão expressivo, argumentou o juiz, leva em conta “o fato da autora ter artisticamente posado nua, de modo que sua reputação é mais elástica, inclusive porque se sujeitou a publicar fotografia fazendo sinal obsceno, publicou fotografia exibindo os seios e não se limitou a defender-se, afirmando que terceiros seriam “burros”.

Uma mulher com tantos predicados como Fernanda Young “afirma possuir”, escreveu o magistrado, “deveria demonstrar, porque formadora de opinião, uma [sic] pouco mais de respeito. Há valores morais que devem governar a sociedade e que, no mais das vezes, nos dias que correm, são ignorados em prestígio a uma pretensa relatividade aplicada às ciências sociais, geradora do caos atual”.

A artista se diz “extremamente ofendida” com o teor da decisão. “Eu, que sou escritora, fico me indagando o que significa uma reputação elástica. Com um linguajar que parece adequado, ele colocou em questão valores que eu não admito que ninguém coloque”.

Tenho uma vida familiar discreta, sou casada há 24 anos, tenho quatro filhos. Essa “reputação elástica” não pode ser resultado de uma análise de assédio virtual ou verbal”, argumenta Fernanda.

A atriz é defendida pelo advogado Vinícius Tini Garcia, do Tini e Guimarães Advogados. “A gente vai recorrer”, afirma o profissional. “Fiquei um pouco chocado, um pouco assustado com a decisão.

Sabemos que o machismo está presente, que ainda temos uma parcela da sociedade muito conservadora, mas assusta um juiz opinar na sentença com uma conotação machista, um discurso misógino e normativo”.

Fernanda Young conta que chegou a cogitar não seguir adiante com o processo, mas que suas filhas também se indignaram com o teor da argumentação do juiz. “Elas disseram: que horror!”, conta a escritora. “Eu posei nua inúmeras vezes, não só na Playboy, e assim o farei independentemente de como esteja o meu corpo. É o óbvio ululante: essa argumentação é absurda. Fico constrangida, realmente triste com isso”.


​Na visão do advogado, foi quase como se o juiz dissesse “vou condenar, mas bem que você merecia. Então, se comporte melhor. Não cabe a ninguém fazer isso, muito menos a um juiz, que deve ser imparcial”.

A atriz concorda com a análise. “Foi como se o juiz dissesse para alguém que assediou uma mulher seja fisicamente ou verbalmente, que ele realmente está errado, mas, por outro lado, a vítima estava de biquíni…”.

Na decisão, o juiz cita, ainda, “as virtudes gregas” que “devem ser efusivamente enaltecidas. O equilíbrio entre o excesso e a escassez é a essência da virtude”.

Também diz que “disciplina, limites, ética, regras de convívio social devem retomar o posto de primazia na sociedade brasileira, relegando o desrespeito, o descaso, o egoísmo aos planos inferiores”.

Procurado pelo JOTA para comentar o caso, o juiz Christopher Alexander Roisin agradeceu a oportunidade, mas afirmou que a Lei Orgânica da Magistratura o impede de se manifestar sobre processos em curso.

“Não penso que isso seja apenas mais um dos deveres do magistrado, mas ao lado da imparcialidade, creio que seja um dos dois principais deveres do Juiz”, afirmou.

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