Folha.com, 15/06/17
O gato subiu no telhado
Por Laura Carvalho
O Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, achou por bem esclarecer na terça-feira (13) que "os efeitos de uma recessão tão forte quanto a dos últimos anos não desaparecem do dia para a noite".
Embora tenha chamado a atenção para o crescimento de 1% nas vendas do varejo em abril, que boa parte dos analistas atribuiu ao efeito temporário dos saques de contas inativas do FGTS, o conselho acaciano de Meirelles soou um pouco como "o gato subiu no telhado".
De fato, dados preliminares apontam para uma nova queda na arrecadação bruta de tributos federais em maio. A frustração de receitas, que já somava R$ 19,6 bilhões nos primeiros quatro meses do ano, foi de R$ 3 bilhões em relação à previsão do governo para o mês.
O resultado reforça aquilo que já sabíamos: apesar da contenção de gastos, o cumprimento da meta fiscal de 2017 só será possível pela obtenção de receitas extraordinárias.
A partir da exclusão dos efeitos da contabilidade criativa e de outras mudanças metodológicas nas estatísticas fiscais brasileiras, Sergio Gobetti e Rodrigo Orair mostraram no "Texto para Discussão" nº 2.288, do Ipea, que a falta de receitas é o que explica um aparente paradoxo: a deterioração fiscal no país coincide justamente com o período de menor crescimento de despesas e investimentos da União.
O total de despesas primárias federais cresceu, em média, 5,2% ao ano no primeiro governo Dilma, ou seja, menos do que os 5,6% no segundo governo FHC e os 7,2% anuais nos dois governos Lula. No biênio 2015-2016, a queda acumulada foi de 2,7%.
A evolução dos investimentos públicos federais chama ainda mais a atenção: cresceram apenas 0,3% ao ano no período 2011-2014 e caíram 32,5% no biênio 2015-2016. A expansão de investimentos havia sido de 10,7% anuais durante os dois governos Lula e 7,2% anuais no segundo governo FHC.
O problema é que as receitas cresceram apenas 2,9% ao ano no primeiro governo Dilma — pelo efeito das vultosas desonerações e da própria desaceleração econômica —, ante 6,1% nos dois governos Lula e 8,4% no segundo governo FHC. A queda acumulada de receitas no biênio 2015-2016, que marcou a maior recessão de nossa história, foi de 12,2%.
O que surpreende é que os sucessivos choques de realidade não tenham desmoralizado de vez a tese da "contração fiscal expansionista".
A ideia de que fazer ajuste fiscal eleva a confiança dos investidores e permite uma redução da taxa de juros ao ponto de estimular o crescimento econômico já vem perdendo seguidores há tempos, mundo afora.
No meio acadêmico, a hipótese ainda encontrava respaldo em um estudo econométrico de Alberto Alesina e Silvia Ardagna, de 2010. Sete anos depois, um novo estudo de Alesina e coautores refutou o resultado anterior.
Ao examinar os efeitos de episódios de ajuste fiscal anunciados e implementados em 16 países da OCDE entre 1978 e 2014, os economistas chegam à conclusão de que, pasmem, contrações fiscais são contracionistas, ou seja, têm efeito negativo sobre o crescimento.
Se o correto arranjo da política macroeconômica fosse tarefa simples, estaríamos diante de um quadro mundial de crescimento sustentável, redução de desigualdades e contas públicas em ordem. Mas o que está sendo vendido por aqui como correção de rota pode ser na verdade um aprofundamento do modelo equivocado adotado há vários anos.
No Brasil, o gato subiu no telhado em 2011 e parece já ter perdido umas seis vidas desde então.
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