Jornal GGN, 10/06/17
Por Fernando Horta
No momento que escrevo estas linhas o julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE está empatado em 3 a 3 e Gilmar Mendes terá o voto final. Em março de 2015, a relatora Maria Thereza de Assis Moura havia arquivado a “coisa para encher o saco” que Aécio e o PSDB haviam entrado contra Dilma. Naquele momento Gilmar Mendes lutou para que se reconhecessem os “fatos” sobre “irregularidades de pagamento, por parte da campanha, a empresas supostamente fantasmas”. Gilmar parecia convencido de algo, de forma muito forte. O que era, entretanto, podemos apenas sondar.
A filosofia básica nos ensina a diferença entre moral e ética. Ética vem do termo grego “éthos” que significa comportamento, costumes. O “éthos” é a forma como nos portamos na vida, na nossa materialidade cotidiana. Existem “éthos” coletivos, próprios de determinados tempos, regiões, populações, grupos específicos e etc. A ética, portanto, é a parte visível do comportamento das pessoas, grupos ou instituições no tempo.
Podemos falar de uma “ética da máfia”, uma “ética do PCC” assim como a “ética judaico-cristã”. Cada termo significa um determinado conjunto de valores. A máfia, por exemplo, não aceitava que se matassem mulheres e crianças. O PCC não aceita conviver com estupradores, agressores de mulheres ou crianças. A ética “judaico cristã” é formada essencialmente por dez mandamentos recebidos, segundo a tradição, pelo profeta Moisés no monte Sinai.
A moral é a parte invisível do comportamento de cada ser humano. Se na minha ética está estabelecido que “não matarás”, então eu serei ético se não matar. A moral é a razão de eu não matar. Eu posso não matar porque acredito na singularidade de qualquer forma de vida e, assim, as respeito de pleno. Por outro lado, posso não matar porque tenho medo do castigo do Deus em que acredito, uma vez que estarei a desobedecê-lo. Posso não matar por medo da vingança dos familiares de quem eu matei ou do Estado. Diversos balizamentos morais podem desembocar num mesmo comportamento ético. Saber por que se faz ou não se faz algo é tão ou mais importante do que fazê-lo ou não.
Eu escolho não comer carne, este é um comportamento que faz parte do conjunto de normas pelas quais eu me rejo. É minha ética. Mas minha moral pode dizer para que eu não coma carne porque o ferro e outros nutrientes farão o processo de envelhecimento se tornar mais rápido. Uma moral individualista egocêntrica. No mesmo caso, posso não comer carne porque acredito que a vida dos animais é tão importante quanto qualquer outra no planeta. Uma moral altruísta e voltada para a ideia de ecossistema. Assim, não existe ninguém que seja “antiético”. Esta pessoa pode simplesmente ter um conjunto de valores diferente dos meus. Apenas isto. Diferente.
Posso ter o comportamento ético de seguir as leis do meu país, mas o faço somente e enquanto estas leis me propiciam algum tipo de posição de superioridade frente ao todo. Escolho reconhecer como de máxima importância o direito à propriedade (comportamento advindo da minha ética), mas tão somente porque eu tenho propriedades e, portanto, me é interessante que outros respeitem-nas. Posso não reconhecer, por exemplo, o direito à vida como algo “efetivamente” importante, porque aponho qualquer adjetivação neste direito. “Direitos humanos para humanos direitos” e eu nego que todos tenham direito à vida. Faço isto porque entendo que é importante que o Estado tenha liberdade para matar indivíduos caracterizados por mim como “desnecessários”. A moral é, pois, muitas vezes, utilitarista. Ela surge de uma racionalização a respeito de um comportamento ético e pode ser fruto de cálculo de custo-benefício. A pessoa pode ser ética e, ao mesmo tempo, totalmente perversa desde que perceba que “ser ético” implica em ganho efetivo para si. É a moral que condiciona a ética.
Gilmar Mendes disse no julgamento do TSE, em 2017, que há um “princípio supraconstitucional (...) não escrito em lugar algum” pelo qual “as instituições têm que se conter” afinal “o Estado de Direito não comporta soberanos”. E reclama da “mistura de delatores e infratores” a “contaminar” o comportamento do MP. Gilmar parece ter um comportamento ético seguindo as leis brasileiras e criticando “vazamentos”, “delações sem provas” e, acima de tudo, acredito que ele absolverá a chapa Dilma-Temer. Vemos uma ética em Gilmar Mendes, sua moral, entretanto é nebulosa.
No dia 17 de março de 2016 Gilmar Mendes dava entrevista a uma conhecida rádio e dizia que “achava correto o vazamento” das conversas entre a presidenta Dilma e Lula e que o “tribunal (STF) vem cumprindo bem seu papel e não se tornou uma corte bolivariana”. Com base no vazamento ilegal, Mendes tomou ainda a inacreditável decisão de barrar nomeação de Lula como ministro. Com base numa ilegalidade Mendes comete outra e mostra que não, “as instituições” não “precisam se conter”.
Vemos que a ética de Gilmar Mendes parece ser bastante sinuosa. Adaptando-se às situações políticas em cada momento. O “ethos” do ministro em 2016 era um e agora em 2017 é, flagrantemente, outro. Em 2016 ele acusava a chapa Dilma-Temer de ter cometido abuso de poder político, econômico e fraude de campanha. Em 2017, ele absolve a chapa Temer-Dilma, vocifera contra o Ministério Público e defende “limites à atuação das instituições”. Se a ética mudou completamente, qual será a moral de Gilmar Mendes?
Blog do Marcelo Euler, 10/06/17
Não era à vera: Gilmar Mendes brincou com a Nação!
Por Marcelo Euler
Foi tudo brincadeira do ministro Gilmar Mendes. Mas, o pior, é que na brincadeira, ele
ajudou a levar o país à bancarrota. Após verificar que o trabalho levado a sério pelo
ministro Herman
Benjamin provou que valores ilegais
sustentaram a campanha presidencial de 2014, o presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), ao dar o voto de desempate para a permanência do presidente
ilegítimo Michel
Temer, confessou:
“Não se substitui um
presidente da República a toda hora, ainda que se queira. (…) É muito
relevante. A cassação de mandatos deve ocorrer em situações inequívocas.
(…) Eu disse aos ministros (NR em 2015), eu defendo a abertura
deste processo por conta dos fatos graves que estão sendo imputados e estão
sendo confirmaram, mas não é para cassar mandatos. Porque eu tenho a exata
noção da responsabilidade que envolve o Judiciário".
Ou seja,
ou era tudo brincadeira. Justamente de quem, na noite de sexta-feira, usou uma
frase de efeito para tentar justificar o voto injustificável depois de tudo o
que fez e disse nos últimos anos:
“Temos que ter muito cuidado com
as instituições. Não devemos aprender a brincar de aprendiz de feiticeiro".
Quem brincou com a Nação, foi ele. Tanto que, 48 horas antes deste
voto o discurso dele era outro. Na abertura da sessão de julgamento desta Ação
de Investigação Judicial Eleitoral (Aije) 194.358, ele se vangloriou de
ser o responsável pela mesma e disse que ela beneficiava ao ministro relator,
Herman Benjamin:
“Esta ação só existe graças ao
meu empenho, modesta às favas. Vossa Excelência só está brilhando no Brasil
todo, na TV, graças a isso”.
Na
verdade, Benjamin, goste-se ou não de seu voto, brilhou na TV e diante do país
por ter levado a sério sua função de relator. Cumpriu seu papel, inclusive,
sacrificando sua saúde como se viu durante todo o julgamento.
Já
Mendes, como ficou demonstrado claramente no julgamento destes últimos
três dias no TSE, apenas mostrou o que muitos já falavam: trata-se de um magistrado de oportunidade.
Suas posições variam de acordo com o atingido, isto é, o réu.
O pior é
que na brincadeira, ele acabou
contribuindo e muito, para o impeachment de uma presidente legitimamente
eleita, a ascensão ao poder de um grupo de bucaneiros que adora navegar nas
marolas criadas por crises políticas, como a que impuseram a todos nós com
falsas acusações a Dilma Rousseff.
Afinal, embora na noite de sexta-feira ele tenha afirmado que “Lógica de amigo e inimigo outros utilizam, não eu”, ao que parece, prevaleceu sim a velha amizade, de mais de três décadas, na qual o ministro do Poder Judiciário tornou-se uma espécie de “conselheiro político” do chefe do Executivo. Isto ficou claro em dois momentos distintos. Em 10 de janeiro, quando pegou uma “carona” no avião presidencial para retornar às férias que passava com a família em Lisboa, tal como mostramos em Carona para Portugal é “presente”? .
E, duas semanas depois, no domingo, 22 de janeiro, quando foi jantar, fora de agenda e em trajes esportes, com Temer e o seu ministro Moreira Franco, no Palácio do Jaburu, noticiado em Quem se habilita?. Nelas já questionávamos se a amizade não seria motivo de impedimento ou suspeição de Mendes como juiz em casos envolvendo Temer.
Dúvida que aumenta a cada dia na cabeça dos eleitores/cidadãos de bem. Não só com relação a Mendes, mas também atingindo outros magistrados, em outros casos. Como, por exemplo, o próprio ministro Luiz Fux, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.393, que ele mantém em seu gabinete graças a um pedido de vistas, desde 17 de maio de 2012, como noticiamos em O impedimento que Fux esqueceu de reconhecer.
Não existe muito consenso em torno do voto do ministro Herman Benjamin. Há, na esquerda e na direita, quem o abomine ou quem o elogie. Mas, houve momentos brilhantes, que demonstrou o caráter do relator, como a belíssima lição de moral desferida logo no início do julgamento em resposta à provocação do presidente do TSE (cujo vídeo pode ser visto no JornalGGN):
“processo em que se discute condenação, em qualquer natureza, não tem e não deve ter nenhum glamour pessoal”.
Além disso, Benjamin teve alguns méritos ao proferir o seu voto. O principal deles foi levar Mendes às cordas, como em um ringue de luta. Ou, para quem preferir, usando o comentário do subprocurador-geral da República aposentado, Eugênio Aragão, obrigou-o a “dar um cavalo de pau às 17h00 na Avenida Brasil (ou Marginal do Tiete)”.
Bastou usar o próprio voto que Mendes proferiu, em outubro de 2015, para convencer os demais membros do TSE a abrir exatamente a Aije julgada nestes três últimos dias. Há dois anos, ao propor essa ação de investigação, Mendes mirava em Dilma, na expectativa de provocar novas eleições e abrir uma segunda chance de o tucano Aécio Neves, ainda longe de ser ferido politicamente pelas delações recentes do Joesley Batista, da JBS, chegar à presidência.
Só não imaginava que a instrução da ação, inicialmente nas mãos da ex-corregedora, ministra Maria Thereza Assis de Moura, demorasse mais do que a metade do mandato como ocorreu. Agora, já não estando mais Dilma na cadeira de presidente, mas seu amigo de longa data Temer, restou ao atual presidente do TSE dar o “cavalo de pau às 17H00 na Avenida Brasil (ou Marginal do Tiete)”, como definiu Aragão. Afinal, já nem mesmo em eleições indiretas os tucanos têm chance de reconquistarem a Presidência da República.
Com a mudança do presidente da República, os próprios advogados que impetraram a ação em nome do PSDB, como revelou o ministro Fux, arrefeceram no caso. O partido vem apoiando o presidente ilegítimo. Coube então ao relator, Benjamin, a partir dos próprios argumentos usados por Mendes em 2015, correr atrás das provas, que justificassem a cassação da chapa. Neste ponto, o trabalho dele foi detalhista.
Independentemente
do resultado – que muitos anunciaram que o
placar de 4 a três já estava definido, a favor não da chapa, porque não
havia no tribunal interesse em preservar Dilma, mas de Temer, para mantê-lo no
cargo – este julgamento teve um papel histórico.
Tudo o
que se viu e ouviu mostrou a podridão e todo o esquema corrupto que há anos
alimenta e move o processo eleitoral, além do próprio processo legislativo.
Afinal, como Benjamin lembrou, depoimentos falam dos acertos por empresários e endinheirados para conseguirem a aprovação de
leis e Medidas Provisórias que lhes interessam, ainda que em detrimento da
Nação. As ditas reformas previdenciária e trabalhistas são exemplos mais do que
claros.
Levar
Mendes às cordas e fazê-lo assumir que não queria a cassação desse governo,
porém, não foi o único mérito do relator. Houve vários outros para os quais a
grande mídia não se interessou, e a esquerda, que começou a criticá-lo, não
percebeu.
Em momento algum Benjamin
utilizou as delações dos presos da Lava jato como prova. Fez, como deve ser
feito e como Sérgio Moro acaba de ser acusado
por um desembargador do Tribunal Regional Federal do Sul (TRF-4), de não ter feito ao condenar João
Vacari Neto: usou a delação como guia para
buscar provas que as confirmassem. E mostrou-as todas, até de forma
cansativa, com tabelas e slides e muita insistência.
Outro
mérito foi sua honestidade de, embora estar julgando contas da coligação do PT
com o PMDB, ressaltar, por várias vezes, que todos os partido – todos, insistiu, até cometendo possivelmente
injustiças na generalização – cometem os mesmos erros e praticam as mesmas
irregularidades constatadas na prestação da campanha eleitoral que analisou
como relator.
Não usou,
como o próprio Mendes recorreu há dois anos, o noticiário tendencioso dos
jornais e da grande mídia, completamente parcial durante e após a campanha
eleitoral de 2014.
Também
reconheceu a omissão e a falha do próprio Tribunal Superior Eleitoral – e de
outros órgãos de controle – ao não enxergarem estas irregularidades ao longo de
todos os processos eleitorais. Aliás, não fosse uma candidatura do PT, os
ministros do TSE não teriam se debruçado sobre estas contas. Pois, como
dissemos acima, nitidamente a motivação
de Mendes ao propor esta Aije era atingir Dilma. Ou seja, fosse outro
resultado da eleição, eles deixariam toda esta podridão debaixo do tapete
onde, como ele disse, estava “provavelmente desde a fundação da Petrobras na
época de Getúlio”.
Um
possível escorregão, nada casual, diga-se, de Benjamin ocorreu ao creditar a
Lava Jato a possibilidade dessa descoberta. Na realidade, o TSE
não deveria depender de uma operação que usou e abusou de artifícios como
conduções coercitivas, excessivas prisões temporárias e preventivas para obter
delações.
Com os
instrumentos que tem à mão, havendo interesse, a Justiça Eleitoral poderia sim
superar a “Muralha da China” que Benjamin disse que existia dentro da Odebrecht
para esconder este lado obscuro e promíscuo da construtora e suas demais
empresas. O que se notou até hoje, na
verdade, foi a falta de interesse em desvendar tais fatos, pois na maioria das
vezes envolvia partidos e políticos ligados a governo.
Aliás, o
próprio Benjamin, em outro momento de sinceridade e honestidade, foi capaz de
reconhecer que estes “crimes
eleitorais”, notadamente envolvendo operações ligadas a Petrobras, são antigos.
Mas como ele admitiu, só passaram a ser investigados a
partir de 2003 – e aí, ele só não especificou que em um governo petista
– quando a Polícia Federal e Procuradoria da República passaram a ser equipadas
e a contar com liberdade de ação. Ou seja, ele próprio reconheceu que
não havia investigação anteriormente. Não
foi honesto ao extremo de mostrar que, na verdade, não
havia interesse político.
Benjamin
mostrou ainda, desde a tarde de quinta-feira (08/o6) ao final da manhã de sexta
(09/06), como o debate que seus pares travaram no início da sessão na
quinta-feira tornou-se estéril. Pior é que os jornais de sexta não demonstram
isso.
Realmente o placar de 4 a 3 anunciado se confirmou. Mas a
rejeição da cassação não foi por conta da presença da Odebrecht no processo,
mas por motivos meramente políticos. Vale aqui citar a abertura do artigo
de Vitor
Vogas , na Gazetaonline, na
sexta-feira, (09/06: Às
favas com os fatos: o suicídio do TSE. Tudo vale a pena, se o tribunal não
condena:
“Não se substitui um presidente da República a toda hora, ainda que se queira. A cassação de mandatos deveria ocorrer em situações inequívocas”
Não foi exatamente isso que se viu há um ano quando, diante do silêncio do Judiciário, a mídia e o parlamento protagonizaram um golpe, manipulando habilmente uma massa de desinformados e outros órfãos do poder, para destituírem uma presidenta legitimamente eleita. Não por cometer crime de responsabilidade, como alegaram, mas por não satisfazer mais à elite, que nos governos anteriores, inclusive do PT, se empanturrou.
Ainda assim, já que Mendes tinha, ou passou a ter, este convencimento, por que deixou rolar três cansativos dias de julgamento, como se o que estivesse sendo protagonizado naquele plenário fosse para valer?
O que fugiu ao seu controle foi o trabalho do relator. Por ele, ficou evidenciado que o processo eleitoral brasileiro é alimentado pela corrupção. Porém, ao contrário do que ele pretendia em 2015, ficou claro que isso não é privilégio de um partido, ou do PT, como muitos ainda insistem, mas de todos ou quase todos. Exceção, por exemplo, dos partidos mais à esquerda, ou daqueles políticos que sempre se recusaram a receber doações de pessoas jurídicas, mesmo quando isso era permitido. O que, diga-se de passagem, não exime nenhum partido – e, novamente, ressalte-se, o PT inclusive – de responsabilidades pelos feitos e aceitos.
Na verdade, outro mérito do voto de Benjamin, foi deixar claro que toda a classe política – com raríssimas exceções, destaque-se – está comprometida. Justamente o que reforça a tese que a saída da crise passa, inevitavelmente por eleições diretas.
Preferencialmente não só para substituir um presidente ilegítimo, mas um Congresso do qual grande parte foi eleita com métodos ilegais e ilegítimos, gerando o descrédito da classe política, a que se referiu Fux no seu voto e que foi muito bem abordado, ainda na quinta-feira, pelo senador Jorge Viana (PT-AC) na tribuna do Senado (https://www.youtube.com/
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