Jornal GGN, 13/06/17
Como fabricar uma denúncia contra Lula, segundo a Lava Jato
Por
Cíntia Alves
O Estadão
divulgou nesta terça (13) que a Polícia
Federal, sem finalizar a investigação,
encaminhou o inquérito contra a LILS - empresa de palestras de Lula - para o
Ministério Público Federal, em Curitiba (PR). A apuração deve ensejar a
quarta denúncia que a equipe de Deltan Dallagnol pode
apresentar a Sergio
Moro contra o ex-presidente.
O GGN aproveitou a notícia para
revisitar o que a Lava Jato levantou até agora sobre as palestras de Lula,
tendo em vista que o inquérito da PF,
iniciado há quase 2 anos, é inconclusivo e, além disso, em delação premiada, Alexandrino Alencar apontou que não houve nenhum ato
de corrupção nos contratos entre a Odebrecht e a LILS.
A partir
de informações extraídas dos pedidos de quebra de sigilo de dados da empresa de
Lula, e da decisão de Sergio Moro autorizando as ações que deram origem à
operação Aletheia, é possível traçar o roteiro do que já foi realizado. Ou,
olhando de outro ângulo, um tutorial de
como fabricar mais uma denúncia contra o ex-presidente - que já acumula 3
só nas mãos de Moro.
PASSO 1 -
ENCONTRANDO A JANELA
Foi
investigando o chamado clube das empreiteiras e os pagamentos de propina
relacionados a contratos da Petrobras que a Lava Jato achou uma brecha para
arrastar Lula para Curitiba.
A partir
da quebra de sigilo fiscal das empresas Camargo Corrêa, UTC, OAS, Odebrecht,
Queiroz Galvão e Andrade Gutierrez, a força-tarefa detectou o pagamento de
pouco mais de R$ 9 milhões à LILS, entre 2011 e 2014.
A Lava
Jato visualizou "fortes indícios de que Lula tem relação próxima com os
executivos das empreiteiras envolvidas nas condutas delitivas."
Em
setembro de 2015, Moro concordou com o primeiro pedido de quebra de sigilo dos
dados da LILS, feito pelo MPF, em cima de 4 motivos:
(1) eram "altos" os valores
que Lula recebeu das "empreiteiras participantes do cartel" da
Petrobras para fazer palestras;
(2) era "reduzido o quadro de
empregados da entidade, a indicar a vinculação dos recursos transferidos pelas
empreiteiras com a pessoa que melhor personifica a empresa;
(3) os pagamentos por empresas são
"contemporâneos" da "possibilidade de influência [de Lula] nas
indicações de diretores da Petrobras envolvidos no esquema de corrupção";
(4) existia a "possibilidade de
utilização de pessoa jurídica para transferir recursos espúrios entre os
corruptores e os corrompidos, como já visto em relação a outros beneficiários
do estratagema delituoso sob investigação."
PASSO 2 -
ACHANDO UM ELO ENTRE PETROBRAS E EMPRESAS DE LULA
No 4º
tópico para defender a quebra de sigilo da LILS, o MPF basicamente usou José de Filippi
Junior como o elo entre eventual pagamento de propina na Petrobras
em favor do PT e o ex-presidente Lula.
O
argumento consiste no fato de que Filippi ocupou a tesouraria do partido em
2006, ano em que Lula buscou a reeleição e, segundo delatores da Lava Jato,
teria recebido R$ 2,4 mihões em caixa 2 para sua campanha.
Um das
informações usadas para sustentar essa tese foi o pagamento de R$ 400 mil pela
QUIP à LILS, em 2013. A empresa era integrada pela Queiroz Galvão, UTC e
IESA.
Como
Fillipi, além de tesoureiro do PT, veio a ocupar a presidência do Instituto
Lula por alguns meses em 2011, a Lava
Jato forjou uma ponte entre os negócios
pessoais do ex-presidente e a propina na Petrobras.
PASSO 3 -
PERGUNTANDO ÀS PESSOAS ERRADAS
Aquela
primeira quebra de sigilo da LILS, autorizada por Moro em 2015, revelou que a
empresa "recebeu pagamentos de cerca de R$ 21.080.216,67 entre 2011 e
2014, sendo que R$ 9.920.898,56 foram provenientes das empresas Camargo Correa,
OAS, Odebrecht, Andrade Gutierrez, UTC e Queiroz Galvão, todas envolvidas no
esquema criminoso da Petrobras."
Com esses
números em mãos, os procuradores perguntaram a executivos da OAS
Empreendimentos sobre as palestras de Lula. Mas os interrogados "afirmaram
que não se recordam de ter sido noticiada palestra do ex-presidente Lula dentro
da OAS ou custeada pela mesma" e "a partir de tais depoimentos,
reforça-se a hipótese de que a LILS possa ter sido usada para dissimular o
recebimento de vantagens indevidas."
O curioso
é que a OAS Empreendimentos está envolvida na Lava Jato por ter sido
responsável por executar o empreendimento da Bancoop, no Guarujá (SP), onde
Lula é acusado de ter um triplex reformado pela mesma empresa. A OAS
Construtora é outro braço do grupo, liderada por Léo Pinheiro, e teria muito mais
dados sobre as palestras de Lula ou seu Instituto.
Quem veio
a falar à Lava Jato sobre as palestras de Lula foi Alexandrino Alencar, da Odebrecht,
de maneira muito taxativa. Ele disse que
os serviços foram contratados de forma "lícita e transparente". O
vídeo foi divulgado no início de 2017, mas
sem que a versão de isenção da LILS tivesse destaque na mídia. (Leia mais)
O GGN já mostrou, em outra reportagem,
que o expediente de selecionar as testemunhas de acordo com as conveniências
foi muito explorado pelos procuradores de Curitiba no caso triplex. Há
vídeo de membros da força-tarefa perguntando até a um montador de armários se
ele "achava" que o apartamento era do petista. A resposta carregou o
"plim, plim" da Globo. (Leia mais)
PASSO 4 -
ATIRANDO PARA TODOS OS LADOS
Em
fevereiro de 2016, cinco meses após autorizar a devassa na LILS, Moro atendeu
outro pedido da Lava Jato e ampliou as investigações sobre Instituto Lula e
pessoas relacionadas ao ex-presidente na operação Aletheia, conhecida pelo episódio da condução coercitiva.
Naquele
momento, Moro, diante das informações apresentar pelo MPF até então sobre a
LILS, apontou a escassez de provas: "Não se pode concluir pela ilicitude
dessas transferências [das empreiteiras a Lula], mas é forçoso reconhecer que
tratam-se de valores vultosos para doações e palestras, o que, no contexto do
esquema criminoso da Petrobras, gera dúvidas sobre a generosidade das aludidas
empresas e autoriza pelo menos o aprofundamento das investigações."
Mas para
levar adiante as suspeitas sobre possíveis crimes praticados por Lula com a
empresa de palestras, Moro decidiu
considerar as demais denúncias da Lava Jato contra o ex-presidente para
fabricar um contexto mais amplo de "aparente ocultação e dissimulação de
patrimônio", com "apartamento e o sítio, as reformas e aquisições
de bens e serviços", que justificariam, então, a necessidade de investigar
"a fundo" a LILS.
Foi nesse
mesmo despacho que Moro escreveu a frase que roubou os holofotes:
"Embora o ex-Presidente mereça todo o respeito, isso não significa que
está imune à investigação, já que presentes justificativas para tanto."
PASSO 5 -
APELANDO PARA A DELAÇÃO
Como faz
mais de um ano desde a Aletheia e o inquérito da PF sobre a LILS ainda assim terminou sendo inconclusivo, o
jeito foi recorrer à delação premiada.
Chama
atenção, na reportagem do Estadão, que o
antigo delegado que presidia o inquérito da LILS, Márcio
Anselmo, passou o bastão adiante observando que era preciso anexar delações para dar sustança ao caso.
Até a
famosa delação de Marcelo Odebrecht falando
que criou uma conta chamada "Amigo" e depositou nela milhões de reais
que teriam ficado "à disposição de Lula" - objeto de outra ação penal
nas mãos de Moro - é oferecida como sugestão de anexo pelo delegado Anselmo.
Além
disso, ele pede para inserir no inquérito notícias de jornais, do final de
2016, sobre a palestra que Lula fez no Nordeste contratado pela Cervejaria
Petrópolis.
O
despacho de Anselmo é de março de 2017, mais de 18 meses após a Polícia Federal
iniciar a devassa na LILS.
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