Jornal GGN, 02/06/17
JBS: o lado obscuro de uma história mal contada
Por Perpetua Almeida e Ronaldo Carmona
Perpetua Almeida foi Deputada Federal (PCdoB/AC) por 3
mandatos e presidiu a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional
da Câmara dos Deputados. Foi ainda Secretária de Políticas para a
Indústria de Defesa no Ministério da Defesa.
Ronaldo Carmona é cientista social e pesquisador da área de Geopolítica. Exerceu funções de planejamento estratégico junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e ao Ministério da Defesa.
Notas
(1) Ver notícias da época na grande impressa e depoimentos na CPI da Espionagem no Senado Federal.
(2) “Delcidio afirma a Moro que prestou depoimento ao DoJ” (Valor Econômico, 23/05/17, p.A11.
(3) Ver, por exemplo, de um ano atrás (maio de 2016), “JBS, campeão nacional da Irlanda, por André Araújo” em http://jornalggn.com.br/ noticia/jbs-campeao-nacional- da-irlanda-por-andre-araujo
(4) Ver “A JBS e as artimanhas fiscais”, por Mathias Alencastro. Folha de São Paulo, 29/05/2017, p.A15.
(5) Conforme o jornalista José Casado, em “Cresce pressão para uma intervenção na JBS” (O Globo, 25/05/2017).
JBS: o lado obscuro de uma história mal contada
Por Perpetua Almeida e Ronaldo Carmona
Os
episódios da delação da JBS, que feriram de morte o governo Temer,
apresentam um outro lado da moeda até agora pouco observado e de graves
repercussões estratégicas para o interesse nacional. Primeiro, de
natureza geopolítica. Segundo, relacionado a própria estratégia de
desenvolvimento do país.
Na história da ascensão das nações a condição de potência
mundial – desde a Companhia das Índias da Holanda no século XVII à atual
expansão chinesa neste século XXI –, grandes grupos empresariais
nacionais sempre constituíram vértebras de expressão do poder nacional e
instrumentos de adensamento da presença do país-sede destas empresas no
sistema internacional.
Via de regra, grupos empresariais formam-se a partir de uma
potencialidade instalada no país que promove sua internacionalização e
pelo Estado são fomentadas e incentivadas. As empresas norte-americanas
de tecnologia (como Apple, Google, Facebook ou Amazon) originaram-se a
partir da excelência do Vale do Silício. A Siemens alemã projetou-se
internacionalmente a partir da excelência de um parque industrial e
cientifico desta poderosa economia. Muitos outros exemplos seguem esta
regra.
O Brasil possui, como um dos setores de maior dinamismo de
sua economia, a agropecuária, produto do vasto território, da abundância
de água, clima tropical e da existência de instituições de excelência
cientifica como a Embrapa, que revolucionou a produtividade no campo.
A capacidade brasileira de fornecer alimentos ao mundo,
torna o agronegócio um dos fatores de dinamismo da economia nacional.
Dada as características de relativa escassez de alimentos em muitas
partes do mundo e de insegurança alimentar inclusive por parte de
potências, o fornecimento de alimento e sobretudo, proteína no mercado
internacional torna-se questão altamente estratégica. Veja, por exemplo,
a escassez de terras cultiváveis no território chinês e o desafio de
alimentar sua imensa população.
No bojo da decisão brasileira de adensar sua presença
global, tendo em vista criar condições mais favoráveis ao seu próprio
desenvolvimento, nosso país apostou no dinamismo de sua economia como
instrumento de projeção internacional, como é recorrente na história da
ascensão geopolítica da Nações. Assim, não apenas o agronegócio, mas
também o setor de engenharia nacional, outro setor em que o Brasil tem
grande expertise, foi incentivado a internacionalizar-se. Trata-se da
política conhecida como de criação de “campeões nacionais”.
Esta
prática internacional de sucesso na história da ascensão das potências,
que vinha sendo seguida até recentemente pelo Brasil, tem sido
obstaculizada no último ano, por interesses: i) ideológicos – a
ideia que tem sido vendida aos países em desenvolvimento pela corrente
principal do pensamento econômico condena o apoio a grupos nacionais
(ainda que as potências centrais e em ascensão o pratiquem fortemente
com suas empresas, num "faça o que eu digo, mas não faça o que faço") –;
ii) por interesses reais – por exemplo, na instrumentalização, pelos
países desenvolvidos, de acordos globais de combate a corrupção.
Disto vem resultando numa ofensiva contra a política de
formação de grandes grupos empresariais e mesmo na destruição das
empresas já estabelecidas. Os exemplos da Odebrecht e de outras empresas
nacionais da área de infraestrutura e petróleo e gás, dentre outros
eventos voltam-se contra nossa soberania e autonomia. Assim, o Brasil
assiste a uma criminalização dos instrumentos clássicos de política
industrial que vinham fortalecendo seu poder e projeção internacional.
Misturando o
joio com o trigo, condenáveis escândalos de corrupção e mecanismo de
financiamento ilícito do sistema político-eleitoral brasileiro, não vêm
sendo separados da necessidade do país desenvolver empresas fortes de
capital nacional que participem como elos do adensamento para a
participação de nosso país em cadeias produtivas globais.
A partir de uma obscura diplomacia
paralela, nominada de "cooperação internacional", estruturas de
Estado, que agem à margem dos sistemas de controle e fiscalização das
instituições da República, estão intercambiando informações com órgãos
de governos estrangeiros, como é o caso do DoJ (sigla em inglês do
Departamento de Justiça do governo norte-americano, equivalente ao
Ministério da Justiça no Brasil), que por sua vez vem sendo alimentado,
dentre outras agencias, pela NSA (sigla em inglês para Agência de
Segurança Nacional), que maneja notória rede de monitoramento das
comunicações globais, como se viu, aliás, no recente escândalo de
espionagem contra a Presidência da República (1).
O ativismo estrangeiro chegou ao ponto de um ex-senador da República ser interrogado em pleno território nacional a mando do DoJ
(2). Essas "trocas de informações" acabam por abalar e manchar a
projeção internacional do Brasil, particularmente em seu entorno
estratégico.
Por ingenuidade ou por outras razões obscuras, o Brasil vai
sabotando seu interesse nacional ao não separar a necessária apuração e
punição da corrupção com a preservação de seus interesses de maior
presença no mundo. Por certo, faz-se necessário incorporar as práticas
moderna das grandes empresas internacionais em separar questões de
gestão, propriedade do capital e o inestimável valor social, sem abrir
mão do desafio de organizar grandes grupos empresariais de capital
nacional.
No episódio mais recente, o da JBS, desde o ano passado
circulam informações da tentativa da família Batista, dona da empresa,
de mudar o domicilio fiscal do grupo para outro país,
desnacionalizando-a, a despeito de suas criação ser fruto de forte ação
do BNDES (3). Não fosse veto do BNDESPar – braço do BNDES que possui
21,3% da JBS -, a “maior empresa de proteína animal do mundo” já seria
irlandesa. Holanda e Luxemburgo foram outras praças para onde os irmãos
Batista também teriam tentado transferir a empresa (4)
As razões da açodada delação fast
track dos executivos da JBS e a posterior fuga de seus donos para Nova
Iorque, autorizada pela Procuradoria Geral da República, é um processo
que precisa ser investigado. Corretamente, o Congresso Nacional acaba de
criar uma CPI mista para investigar o assunto.
Há importantes indícios de que se trata de uma nova
tentativa dos irmãos Batista em desnacionalizar a “maior empresa de
proteína animal do mundo”.
Desde a primeira aquisição internacional – o maior frigorifico de carne na Argentina (Swift
Armour) –, até a compra da Pilgrim’s Pride norte-americana em 2009 –
que possibilitou a JBS controlar grande fatia daquele mercado –, a ação
do BNDES foi decisiva. Fruto dessa ação de órgão do estado brasileiro,
hoje, 68% da receita da JBS vem dos Estados Unidos, posição estratégica
para uma empresa brasileira.
Não estariam os Estados Unidos interessados em levar a sede
e o controle estratégico desta empresa para seu território? Obviamente
isso envolve uma questão chave de segurança alimentar de qualquer país.
Não teria a chamada "cooperação internacional" contribuído para esse
possível desfecho?
No âmbito da politica de fomento a grupos empresariais
nacionais, o Estado brasileiro deve instituir mecanismos de “golden
share” – a exemplo da que temos na Embraer e na Vale do Rio Doce. É um
erro de grandes proporções não termos cuidado ainda deste instrumento de
governança, amplamente utilizado em outros países.
Nesse momento, para impedir um processo de
desnacionalização e desperdício dos recursos públicos, o Brasil deve
afastar o atual comando do grupo JBS, preservando a função social desta
importante empresa, como aliás é previsto na lei das sociedades
anônimas, em seus artigos 115,117 e 123 (5).
A apropriação internacional da “maior empresa de proteína
animal do mundo” assim como de outras empresas estratégicas, não pode
ser admitida pela sociedade brasileira, tendo em vista os impactos
negativos sobre a competitividade e inserção externa do país, visto que,
um país sem grandes empresas, é um ator irrelevante
internacionalmente.
Por isso reafirmamos que a política exercida, num passado
recente, pelo BNDES de fomento a internacionalização das empresas
brasileira e de criação de “grandes grupos nacionais” – em áreas de
maior dinamismo da economia nacional e de maior intensidade tecnológica –
deve prosseguir, ainda que com ajustes necessários em relação e
correção de rumos. Mas, em nome de ajustes, não se pode “jogar a criança
com a água do banho” como estamos assistindo atualmente.
O Brasil não pode ir na contramão da tendência de
fortalecimento das instituições de fomento, sob pena de aprofundar um
processo de auto sabotagem, e tornar-se irrelevante no cenário
internacional.
Ronaldo Carmona é cientista social e pesquisador da área de Geopolítica. Exerceu funções de planejamento estratégico junto ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e ao Ministério da Defesa.
Notas
(1) Ver notícias da época na grande impressa e depoimentos na CPI da Espionagem no Senado Federal.
(2) “Delcidio afirma a Moro que prestou depoimento ao DoJ” (Valor Econômico, 23/05/17, p.A11.
(3) Ver, por exemplo, de um ano atrás (maio de 2016), “JBS, campeão nacional da Irlanda, por André Araújo” em http://jornalggn.com.br/
(4) Ver “A JBS e as artimanhas fiscais”, por Mathias Alencastro. Folha de São Paulo, 29/05/2017, p.A15.
(5) Conforme o jornalista José Casado, em “Cresce pressão para uma intervenção na JBS” (O Globo, 25/05/2017).
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