Folha.com, 08/06/17
Blogueiros: pobres mendigos
ricos
Por
Mariliz Pereira Jorge
Imediatamente, antes que ela possa coçar a bunda na nuca, seu celular é invadido por dezenas, talvez centenas, de dicas de como matar a fome. Seguidor de blogueira é um ser devoto. Sábado à noite e os pobres ficam no celular resolvendo os "problema" das divindades, vivendo por tabela uma vida que não podem ter nem em sonho.
Mas, olha que dó, o delivery que ela mais quer não entrega depois do túnel. Ela lamenta, como se fosse uma tragédia. Mais rápidos do que os reflexos da Mulher-Maravilha, o restaurante manda comida suficiente para alimentar umas cinco famílias da favela da Rocinha, que fica do outro lado da estrada. A blogueira registra tudo, e a amiga que me narrou a epopeia torce para que a comida não consumida não tenha ido parar na lata de lixo.
Tudo isso documentado por meio de fotos e minivídeos, para que o investimento do restaurante que fez o delivery tenha valido a pena. Liguei no estabelecimento e pedi uma entrega no mesmo bairro, apesar de não morar lá. Nada feito. Insisti, disse que a blogueirinha tinha sido agraciada. A atendente quase riu da minha cara. Entendi o recado. Mana, se enxerga.
No mesmo dia, a mesma blogueira diz, assim como não quer nada, que "não sabia que tinha capa de Kindle, gente! Onde compra uma assim?" Dou uma paçoca para quem adivinhar o que aconteceu. Dias depois a moça recebe em São Paulo, local em que reside, um carregamento de capas para o gadget. O marido não se contém. "Oh! Ela pediu uma capa e mandam 55".
Pessoal nem disfarça. Ele assume que ela "pediu".
Cada vez que uma blogueira com esse modus operandi demonstra o desejo por algo em suas redes sociais é atendida como num passe de mágica. Só vi coisa parecida quando era criança assistindo à série ‘Jeannie é um Gênio’. Hoje, a moça esfrega o celular e seus desejos se materializam. De graça, quase sempre, segundo uma pessoa do meio.
Desde que blogueiros surgiram na face da terra sabe-se que a coisa funciona numa base do toma-lá-dá-cá. Não há nada de errado nisso. Eles usam suas redes de relacionamento para catapultar produtos e serviços. Às vezes, em troca de mercadoria, em outras com base em acordos financeiros vantajosos. É um negócio e há dezenas de exemplos de blogueiros que fazem isso de forma bastante profissional.
Os mais famosos ganham toneladas de presentes e eventualmente acabam mostrando esse ou aquele apenas porque gostaram. Quanto mais fazem isso, mais mimos chegam às suas portas. Dão festas, viajam de primeira classe, se hospedam em hotéis de luxo, decoram a casa toda, fazem o enxoval do bebê até a criança completar 18 anos. Tudo sem ter que parcelar em 12 vezes, apenas pela divulgação das marcas e empresas envolvidas.
É preciso que essa relação fique clara para os seguidores, tanto que alguns já foram notificados e multados por publicidade velada. Obviamente quando mostram, melhor ainda quando usam, alguma coisa de forma espontânea é muito mais vantajoso para a outra parte. Como já disse, nada errado até aí.
Mas alguns parecem ter perdido o controle, os limites, os escrúpulos. É possível perceber que apesar de ser presenteada diuturnamente, de ter contratos de publicidade polpudos, ser convidada para festas e viagens, e ter engordado sua conta bancária, essa gente ficou muito mal-acostumada a não colocar a mão no bolso nem mesmo para pagar um jantar, comprar uma roupa ou uma capa para um tablet. Pior, fingem um interesse desinteressado. Capricham na dissimulação da real intenção que é ser atendido de graça. Se colar, colou.
O resultado, para quem não se deu conta, inclusive os próprios blogueiros, é que muitas vezes o que eles fazem é esmolar, como pedintes. Pobres mendigos ricos, mas mendigos.
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