quarta-feira, 21 de junho de 2017

JBS: outra catástrofe de terra arrasada?

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Jornal GGN, 21/06/17



JBS: outra catástrofe de terra arrasada?



Por Boeotorum Brasiliensis



Ontem, 20 de junho de 2017, a Globonews mostrou uma reportagem sobre a JBS, a cadeia industrial da carne e a pecuária nacional. Destacou, além da participação da JBS em esquemas de corrupção, outros fatos sobre o grupo, sua atuação e sua situação. Menciona um quase monopólio da carne bovina nas mãos da JBS, o consequente desaparecimento de inúmeros pequenos frigoríficos e a decorrente dependência das fazendas de bovinocultura de corte em relação a um comprador principal, principalmente, mas não só, no Mato Grosso.
 
Descreve a preocupação desses produtores com tal dependência, o que, segundo relatado, implica na deterioração dos preços da arroba do boi vivo. Preocupam-se ainda por um eventual risco de inadimplência da JBS face aos efeitos das penas pecuniárias a que está submetida e, também, por possível aplicação de outras penalidades que possam seguir-se, tanto no Brasil quanto no exterior. Passa, também, pela menção a uma política governamental, ou melhor dizendo, a uma prática espúria de favorecimento via “crédito subsidiado” à JBS que a levou à posição de maior processadora mundial de proteína animal. Em seguida se refere à concentração da pecuária em grandes propriedades, à destruição consequente dos biomas onde ocorre e se instala, da precarização das pastagens dadas como, em sua maioria, degradadas e, também, ao abate de animais não certificados quando à origem. 
 
A produção pecuária na bovinocultura de corte adquiriu relevância e protagonismo, deixando de ser uma atividade de baixa tecnologia, pouca significância e com baixa qualidade de produto para se transformar em uma estrutura eficiente o bastante e levar o Brasil a ter o maior rebanho comercial do mundo (215 milhões de cabeças) e ser o maior player mundial no mercado da carne bovina. O segmento industrial, de processamento e comercialização de carnes, também evoluiu em termos empresariais, na qualificação de gestão, na sofisticação das formas de organizar e operar o negócio, bem como, na tecnologia de produtos e processos.
 
O desempenho econômico da cadeia de carne bovina, em números redondos de 2015 (dados mais atualizados que dispomos), mostra a relação de grandeza entre a pecuária de corte, o agronegócio e a economia nacional, como, também, a relação com o porte da JBS no segmento.  Em 2015 o PIB brasileiro foi de R$5,9 trilhões e o PIB do agronegócio foi de R$1,3 trilhão ou 21% do total.  
 
O PIB da pecuária, considerando toda a cadeia produtiva, foi de R$ 480 bilhões ou 30% do agronegócio mais de 6% do PIB total. A receita da indústria montou a R$ 138 bilhões, sendo R$ 94 bilhões de venda ao mercado interno, R$ 19 bilhões de vendas de exportação e R$ 25 bilhões pela venda de couros e de outros produtos da pecuária. Sem considerar o pessoal ocupado na produção de insumos, na distribuição e na comercialização no varejo, a produção de carne bovina no Brasil, nas fazendas e nos frigoríficos, emprega diretamente cerca de 2,5 milhões de pessoas.
 
A pecuária brasileira, sem dúvidas, ainda tem desafios a enfrentar e problemas a resolver. No campo, com maior incidência nas zonas de fronteira agrícola, há problemas de ocupação irregular de áreas de preservação, desmatamento para formação de pastagens, substituição de pastagem nativas por pastagens semeadas, manejo deficiente causando degradação das pastagens e problemas sanitários e de rastreabilidade do rebanho.
 
Entretanto, há ações em curso que tem melhorado o quadro geral e apontam tendências positivas. A aplicação de tecnologia vem evoluindo dentro e fora das propriedades. As previsões do setor para 2025 indicam que, em decorrência, a produção será da ordem de 11 milhões de toneladas e a área ocupada com pastagens passará dos atuais 167 milhões para 158 milhões de hectares. O preço da arroba entre 2004 e meados de 2016 subiu 149%. Nos últimos meses por uma combinação de fatores que vão da variação no câmbio, ao aumento da oferta e à retração da demanda interna os preços médios caíram cerca de 5%.
 
No que se refere à JBS, a empresa respondeu, em 2015, pelo abate de cerca de 8 milhões das 22 milhões de cabeças de gado bovino abatidas no Brasil sob inspeção (SIF). Com uma participação de pouco mais de 34% é, de longe, o líder do setor, porém, não pode ser apontado como um monopólio.
 
Em termos de receita, o negócio de carne bovina e que incorpora, além da operação no Brasil, receitas provenientes de operações na Argentina, Paraguai e Uruguai, faturou R$ 28 bilhões, sendo R$ 15 bilhões em vendas locais e R$ 13 em exportações. Em 2016 repetiu performance semelhante.  
 
Sem dúvida há uma concentração no setor e há um grau elevado de oligopolização, com 4 empresas controlando mais de 50% do abate inspecionado. Todavia, em mercados globalizados e de commodities e quase commodities, como o mercado de carnes, as economias de escala são imprescindíveis.
 
Logo, concentração é um resultado natural e esperado nesse mercado. Afirmações que a empresa incentiva o uso impróprio do solo e o desmatamento, ao não controlar adequadamente a origem de parte dos animais que abate, leva à outra questão onde se verifica que o controle oficial existente ainda não cobre perfeitamente o sistema pecuário.
 
As reclamações dos produtores, veiculadas na reportagem, sobre práticas abusivas de formação de preço, principalmente no Mato Grosso, não são confirmadas pela série histórica dos preços médios pagos ao produtor, mas merecem um olhar mais atento sobre a questão.
 
Preocupações sobre o aumento do risco JBS, sem dúvida procedem. A JBS tem quase R$ 20 bilhões em operações de crédito vencendo em 2017 e, após a delação efetuada por Joesley Batista, não há certeza sobre a capacidade de rolagem, o que pode pressionar o caixa da empresa.
 
Analistas do mercado apontam que há necessidade de alienação de parte do portfólio dos negócios, o que pode não ser o bastante exigindo o encolhimento nas operações do negócio de carnes, bovina e de aves e suínos. Neste caso, uma perda de mercado de até 30% ´pelo negócio JBS Mercosul poderá se verificar.
 
Notam-se indícios do início de uma campanha midiática e de possível ações de perseguição contra a empresa. Não está claro se a Globo – e os demais veículos que a seguem – está agindo dentro de uma linha intencional ou se, simplesmente, está repercutindo um tema que prendeu a atenção do público e que, sem dúvida, é relevante em todos os seus aspectos.
 
Também, se noticia o uso das instituições públicas como ferramentas de punição, de revanche contra os controladores da JBS, agindo contra a empresa. Se estas ações fazem parte de planos e de objetivos específicos ou não, faz-se presente a questão primordial de se preservar parte significativa de uma das cadeias produtivas mais importantes do País.
 
Cuidar para que as ações de reparação dos prejuízos causados e a consequente punição dos atos que os causaram recaiam sobre os seus agentes, aqueles que os promoveram e não sobre as estruturas de produção, beneficiamento e comercialização da carne bovina.
 
Empresas são abstrações jurídicas, não cometem atos benéficos ou maléficos. Quem agem são as pessoas, os indivíduos, e são estes que devem responder pelos atos cometidos. As estruturas de negócio, sobre as quais repousam o interesse da sociedade na geração de renda, salários e tributos, devem ser cuidadas como patrimônio da economia nacional.
 
Enfim, não se trata de resguardar interesses dos controladores da empresa que detém 42% das ações enquanto o Governo Federal, através do BNDES e da CEF, possui 25%.  
 
Nem daqueles a quem as autoridades atribuam atos ilegais ou criminosos. Esses deverão ter tratamento como reza a Lei, revendo-se ou não os termos da colaboração premiada firmada com a PGR, apresentando-se ou não novas denúncias.
 
O que não deve ser feito ou permitido é que se destrua a empresa em nome se satisfazer interesses que não sejam o interesse da sociedade.
 
Não se pode confundir uma coisa com outra, sob pena de vermos a perda de mais empregos, mais renda e mais tributos com os efeitos deletérios inerentes. Acima de tudo não é recomendável, que mais um setor da economia que logrou internacionalização e capacidade de competir em escala mundial, ser abalado em um dos seus pilares, a exemplo do que houve no setor de engenharia e construção pesada, no setor de equipamentos para petróleo e gás e no setor naval.
 
Em que se pense e se aja para responsabilizar os acionistas controladores da empresa, se pense e se aja para preservar o negócio e toda uma estrutura social e empresarial que dela depende onde, além dos mais de 120 mil empregados da empresa, estão envolvidos cerca de 90 mil fornecedores, seus empregados e suas próprias redes de fornecimento.
 
As palavras de ordem devem ser: responsabilidade e cautela.

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