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Folha.com, 15/06/16
Dopar, no Brasil, pode. O que não pode é descobrir o doping
Por Juca Kfouri
ABCD é a sigla da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem.
Criada em 2011 para o país se habilitar na área durante a Copa do Mundo de 2014 e para Rio-2016.
O Ladetec, o laboratório até então usado, teve problemas de conformidade e foi suspenso pela Wada, a organização mundial antidopagem, em 2013.
Em maio de 2015, depois de um investimento de mais de 180 milhões de reais, o Brasil recebeu o credenciamento e fez os exames na Olimpíada.
Mas, no fim de 2016, aconteceu nova suspensão.
A ABCD nunca teve vida fácil entre a cartolagem nacional, avessa aos exames de surpresa, prática internacional.
Basta dizer que o nadador Michael Phelps, cinco ouros no Rio, fez nada menos de 30 exames fora de competições nos dois anos anteriores à Olimpíada e, em 2013, a ABCD fez levantamento entre 4.995 participantes do Bolsa Atleta, os melhores do país: 83% jamais haviam sido testados no país.
No último sábado (10), a TV alemã ARD,
a mesma que denunciou amplo esquema de dopagem na Rússia e que redundou na
exclusão dos atletas russos na Rio-2016, levou
ao ar uma reportagem de 42 minutos que revela como o doping corre solto no
Brasil. Reaparece porque, em 2013, em reportagem de Roberto Salim, a ESPN Brasil já o havia apresentado ao país, quando ele denunciou a hipocrisia das autoridades esportivas nacionais no trato do tema, algumas delas assalariadas de federações e confederações, expediente proibido pela Wada e um dos motivos para os descredenciamentos.
Para não falar da permanente influência política, em assunto que deveria ser apenas técnico, de cartolas como o médico gaúcho Eduardo de Rose, desligado do Wada.
Em 2015, a ABCD apresentou relatório ao Ministério Público paulista onde, com confissões de atletas clientes de Alves, fica evidente a prática irregular. Nada aconteceu.
A reportagem da TV alemã mostra como são feitos os exames em nosso futebol ao filmar a presença de estranhos na sala de antidopagem, com a sigla da CBF, depois do jogo Palmeiras e Novorizontino, no Pacaembu. Até pizza é servida no recinto.
Ouve ainda o especialista português, ex-consultor da ONU e durante dois anos a serviço da ABCD, Luís Horta, que diz, textualmente: "O COB se preocupa em ganhar medalhas, medalhas e mais medalhas e não se interessa se elas serão medalhas limpas".
A TV alemã suspeita até da lisura do pentacampeonato de futebol porque, segundo o médico Alves, o então lateral-esquerdo Roberto Carlos, foi seu cliente, coisa que o ex-atleta nega com veemência, embora haja ao menos uma testemunha que diga tê-lo visto no consultório.
Tanto ele, como o COB, a CBF e o Ministério do Esporte se recusaram a falar com a equipe de reportagem germânica.
Ficará por isso mesmo?
Folha.com, 15/06/17
Áudio levanta suspeita sobre atuação de órgão antidoping brasileiro
Por Paulo Roberto Conde
A Wada (Agência Mundial Antidoping) tem em seu poder uma gravação telefônica que levanta suspeitas sobre a relação entre a ABCD (Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem) e uma empresa que há até pouco tempo pertencia ao diretor de operações da entidade, Alexandre Velly Nunes. No áudio, representantes da companhia oferecem serviços que vão contra as regras da agência.
A empresa é a A&A Nunes, cujo nome fantasia é No Doping, da qual Alexandre Nunes era sócio até as vésperas de ser indicado para o seu atual cargo, em agosto. Atualmente, ela é gerida por seus filhos, Alexandra e Rodrigo.
A firma é especializada na coleta de testes antidoping e antes da criação da ABCD, em novembro de 2011, detinha significativa fatia do mercado de coleta e encaminhamento de resultados.
No áudio, alvo de investigação do departamento de inteligência da Wada, Alexandra oferece a um contratante serviços e resultados sigilosos de testes antidoping, aos quais apenas funcionários da ABCD teriam acesso.´
A Folha revelou que entre os dias 13 e 19 de maio, uma delegação da Wada esteve na sede da ABCD, em Brasília, para interrogar funcionários.
Além da atuação em Brasília, os investigadores fizeram averiguações em São Paulo, Rio e Porto Alegre. Denúncias contra a autoridade brasileira, entre elas a gravação, motivaram a ação do órgão.
A denúncia é citada no documentário produzido pela TV alemã ARD sobre esquemas de doping no Brasil, levado ao ar no sábado (10).
No diálogo, a proprietária afirma que, depois de coletar amostras no referido evento e enviá-las a um laboratório credenciado pela Wada em Montréal, pode obter resultados diretamente com a ABCD.
Trata-se de um atalho ilegal. Sempre depois de processar os exames, um laboratório deve encaminhar os resultados a Wada, federações esportivas internacionais e as agências nacionais antidoping - no caso do Brasil, a ABCD. Ou seja, a No Doping não teria acesso nem poderia pedir os resultados ao órgão.
"A Autoridade Brasileira de Controle de Doping vai ter acesso aos resultados, a federação internacional vai ter acesso aos resultados. (...) Mas eu consigo através também da agência brasileira te passar o resultado, direto", diz Alexandra no áudio.
Ao ser indagada novamente se seria possível obtê-los, e a sócia reitera: "Sim".
Na conversa, ela chega a dizer que o contratante pode definir quais atletas quer testar na competição. Trata-se de outra irregularidade.
De acordo com as regras do Código Mundial Antidoping da Wada e com o Código Brasileiro Antidopagem, a definição de qual atleta será levado a controle cabe somente à autoridade de teste, no caso a ABCD – em eventos internacionais, fica a cargo das federações internacionais.
Ou seja, em nenhuma circunstância a decisão seria do organizador da competição.
Segundo lei federal que vigora desde 2016, a ABCD é a única autoridade de teste do país reconhecida pela Wada.
Ou seja, qualquer controle ou ação antidopagem deve ser planejada e executada pela agência nacional, que funciona como uma secretaria do Ministério do Esporte - ela nasceu como um compromisso do país para sediar os Jogos Olímpicos do Rio-2016.
Exceções só podem ocorrer com anuência da ABCD. Ela pode, por exemplo, permitir que a confederações organizem testes e contratem empresas para coleta.
A pessoa que se propôs a contratar o serviço no áudio deveria requisitá-lo para a ABCD, e ela decidiria se e como faria os controles.
NO DOPING
A No Doping tem prestado serviço a confederações esportivas há muitos anos.
Um responsável pela área médica da CBA (Confederação Brasileira de Automobilismo) confirmou à Folha que sua entidade contrata regularmente a empresa, fundada em 2008, em Porto Alegre.
De acordo com o Código Brasileiro Antidopagem, todas as entidades nacionais de prática ou administração desportiva estão sob jurisdição da ABCD no que diz respeito a "testes, autorização de uso terapêutico, gestão de resultados, sanções, investigações e outras atividades antidopagem no território brasileiro".
Em documento enviado à Federação Paranaense de Canoagem em setembro de 2014, por exemplo, Nunes escreve que a No Doping atendia "quotidianamente" clientes como as confederações de atletismo, ciclismo, judô, desportos aquáticos, automobilismo, basquete, lutas associadas, "entre outros".
Por meio de sua assessoria de imprensa, a Wada disse que não comenta as atividades do seu departamento de inteligência e investigação.
OUTRO LADO
Alexandra Nunes afirmou à Folha que o conteúdo da gravação é um "mal-entendido". "Não aconteceu desta forma", disse a sócia-proprietária da No Doping.
Ela confirmou que foi procurada pela equipe de investigação da Wada, e que fez "todos os esclarecimentos necessários" para a agência.
Uma equipe de inteligência do órgão, que é baseado em Montréal, no Canadá, esteve no Brasil em maio para averiguar denúncias, como por exemplo a oferta de serviços confidenciais tal como feito por Alexandra.
"Eu nunca faria uma declaração pejorativa nem nada que é errado [como mostra a gravação]", afirmou a proprietária, para depois complementar: "Eu estou muito tranquila a esse respeito."
Alexandra também afirmou que a abordagem da Folha foi "tendenciosa" e pediu que a reportagem recorresse à Wada por mais informação.
A Wada afirmou que não comenta investigações de seu núcleo de inteligência.
A reportagem entrou em contato com o Ministério do Esporte para saber se a pasta, a ABCD – que é atrelada ao ministério – ou Alexandre Velly Nunes falariam sobre o caso e foi informada pela assessoria de imprensa do órgão que, a pedido da Wada, não poderia comentar.
No link abaixo, reportagem estrangeira sobre o tema
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