O fogo fátuo (Foto: Fernando M. Peixoto)
Jogo
fátuo (Jeu follet)
Por
Fernando Moura Peixoto
“Só há progresso, descoberta, na direção da morte.”
Jacques Rigaut (1898 – 1929)
Outro ano se passa
em nossa vida vazia,
improdutiva.
Mais velhos ficamos
na existência oca,
sem realizações.
Esvaindo-nos
vamos,
por entre os dedos,
sem nada reter.
Lutando contra a corrente,
nos debatemos,
levados pela enchente.
Nesse imenso caudal
inúteis, estéreis
soam os
esforços.
A angústia gradativa,
a instabilidade,
nos
dominam
no presente penoso,
no futuro incógnito
e no abandono.
O desemprego amoral,
da confusão reinante
aos paliativos do momento.
A impotência de sermos
na luta atroz
contra
nós mesmos.
A insegurança,
o definhamento,
físico e
mental,
a proximidade do fim.
A derrota,
a partida iminente.
Nada mais
nos resta,
tudo está perdido:
“Jogo feito!”
Fernando Moura Peixoto (1946-), ‘O Jogo Fátuo’ (‘Jeu Follet’), 1977.
Escrito em 1977 – quando tinha 31 anos incompletos –
o texto mereceu o Prêmio de Edição em concurso promovido em 1992 pelo jornal O
Povo na Rua e a Litteris Editora, sendo publicado em
1993 na antologia poética 'O Povo na Literatura'.
“Aqui, a marca bastante
clara e viva do que o POVO sente e vive no seu dia a dia”. São “histórias reais e fictícias que se fundem
de tal forma que talvez nem seus autores consigam discernir onde começa o real
e onde termina o irreal”.
Poema com a temática influenciada pelo clássico
filme ‘Trinta Anos Esta Noite’ (‘Le Feu Follet’ em francês, “Fogo-Fátuo”), do consagrado diretor
Louis Malle (1932
– 1995), realizado em 1963. E que foi adaptado do romance do mesmo nome, do
escritor e ensaísta Pierre Drieu la Rochelle (1893 – 1945).
Este último, por sua vez, inspirou-se na vida de Jacques Rigaut (1898
– 1929), poeta surrealista ligado ao dadaísmo, que cometeu suicídio com um
disparo no coração.
Densa, profunda, intimista, a película sintetiza as
reflexões principais do movimento existencialista e era a favorita do cineasta,
embalada por primorosa fotografia em preto e branco, a cargo de Ghislain Cloquet (1924 – 1981), e música de Erik Satie (1866 – 1925), interpretada
pelo pianista Claude
Helffer (1922 – 2004).
Um resumo do filme
São dois dias (os últimos) na vida de Alain Leroy,
um atormentado alcoólatra interpretado por Maurice Ronet (1927 – 1985), recém-saído de uma
clínica de saúde em Versalhes, e que empreende um périplo final entre os
amigos, em Paris, buscando em vão reconstituir o passado. “Estou partindo”, avisa, sem ser compreendido.
Ex-combatente na Guerra da Argélia (1954 – 1962), casamento em frangalhos e dinheiro
escasso, deprimido, angustiado e sem esperanças, Alain se recusa a aceitar a
chegada da meia idade, a fase adulta – os 30 anos do título em português –,
findando sua jornada com uma bala de nove milímetros no peito, em 23 de julho –
“a vida passa tão devagar para mim, então eu a acelero. Eu a corrijo...
Amanhã me matarei”.
“Eu sou paciente. Nunca fiz nada além de esperar”, diz, entediado. “Toda minha vida. Esperando... que algo acontecesse. O quê? Não sei”. E
ainda: “Não são sensações de ansiedade, é
uma ansiedade única, uma angústia perpétua”.
Mais adiante: “A questão é... não posso alcançar com
minhas mãos. Não consigo tocar as coisas. E quando eu consigo tocar, não sinto
nada”. E lamenta: “Partir, sem ter
tocado nada. Beleza. Bondade. Sempre mentiras... Eu sou bruto, inepto. A
sensibilidade estava em meu coração, não em minhas mãos.”
Maurice Ronet (Gaumont/internet)
“Eu não as amo; nunca pude amá-las. Não posso
tocar, não posso pegar, tem de vir do coração. Eu gostaria de ter cativado as
pessoas, retê-las, mantê-las próximas. Para que nada mais se movesse ao meu
redor, mas tudo deu sempre errado. Queria tanto ter sido amado por quem eu
amo.”
Alain Leroy (1933 –
1963), protagonista de ‘Le Feu Follet’.
Havia uma cópia perfeita de ‘Le Feu Follet’, no
idioma original e multi-legendada, no You Tube, exibida no ‘Wagner Sanford
Channel’, mas ela foi bloqueada “com base nos direitos autorais” de conteúdo da
Gaumont. Uma versão condensada e estilizada do filme pode ser vista em quatro
links no ‘Ira Musik Love’, titulada em espanhol e com trilha sonora diferente
da primitiva:
''Morrer é fácil, difícil é conviver com nossos fantasmas até o fim
da vida. ''
Carlos Lamarca (1937
– 1971)
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