Folha.com,
15/06/17
Gilmar Mendes promove demolição progressiva do respeito pela Justiça
Por
Janio de Freitas
Está na ausência de alguma saída ao menos razoável entre as presumíveis para a situação a que se chegou. A intuição desse embaraço esteve expressa, até há pouco, no desejo de "fora, Temer" em convívio com o "e pôr quem?". Ganhou forma e consciência: avançou para um desalento disseminado, com ares de unanimidade fora do arraial de políticos. Esse misto de desânimo e desesperança foi o resultado verdadeiro do julgamento em que o TSE jogou no lixo as provas e o que restava de bom conceito nos tribunais superiores.
É provável que o desalento e suas razões resultem em algum amadurecimento político para parcelas tanto da esquerda como da direita. Assim como a "decepção" de que se queixam ex-admiradores de Aécio Neves. (A reação de ex-petistas é diferente, mais se manifesta como ressentimento algo raivoso). Não se espere, porém, que tal amadurecimento se dê onde mais falta: entre políticos e empresários perceptíveis, dois segmentos sociais que se igualam e se associam na mesma recusa a ver e agir além do próprio interesse material.
Se o julgamento no TSE deu em alguma coisa, deve-se a Gilmar Mendes. Sua obra de demolição progressiva do respeito público pela Justiça não inovou no seu método –o escárnio agressivo, como arma do facciosismo. Mas criou ali um risco para os seus colegas no Supremo Tribunal Federal. O novo pedido de impeachment de Gilmar Mendes foi preparado para dirigir-se, desta vez, ao STF. O primeiro foi dirigido, como devia ser, ao Senado, onde Renan Calheiros representou a covardia da Casa e o engavetou. A nova destinação é uma beira de abismo para os colegas de Gilmar Mendes.
Os autores do pedido são Cláudio Fontelles e Marcelo Neves. Este, professor de direito da Universidade de Brasília. O primeiro é o ex-procurador-geral da República que reinaugurou a decência na Procuradoria Geral, seguindo-se a Geraldo Brindeiro, o "engavetador-geral" nomeado e mantido por Fernando Henrique.
Fontelles, que recusou a reeleição porque no passado defendera o rodízio rígido, desfruta de alto prestígio na classe jurídica por sua honorabilidade e pelo saber. É notório que não está se lançando em leviandade.
Um processo de impeachment não é, porém, coisa esperável no Supremo dos nossos dias. Até para a mera admissão do pedido, considerada a proximidade intelectual da presidente Cármen Lúcia a Gilmar Mendes. Além disso, a índole dominante no conjunto de ministros é a de pessoas acima de qualquer restrição, por mais que um ou outro dos juízes derrube, em visões externas, a autoconsagração.
Se aceitar o processo de impeachment seria um despropósito para os colegas de Gilmar Mendes, repeli-lo, a priori ou por decisão final, seria desastroso. Do ponto de vista mais objetivo, são inúmeras as provas de conduta imprópria desse ministro que se considera acima de todo regramento. E das maneiras pessoais civilizadas –sobretudo se recomendadas pela ética da magistratura.
A par daquele cadastro factual, prevalece na opinião pública, por iniciativa do próprio Gilmar Mendes, a convicção de sua incompatibilidade com a função. E não se vislumbra defesa possível para as atitudes que formaram tal convicção e, muito menos, para convencer a opinião pública. Admitir o processo será um martírio; recusá-lo leva ao risco de estender ao Supremo o conceito hoje ostentado pelo TSE.
O Supremo está à porta do seu momento mais difícil. Seus últimos presidentes quiseram assim, preferindo curvar-se, omissos, aos desafios de Gilmar Mendes.
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