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Folha.com, 18/03/16
O suicídio da Lava Jato
Por Vladimir Safatle
O juiz Sergio Moro conseguiu o inacreditável: tornar-se tão indefensável quanto aqueles que ele procura julgar. Contrariamente ao que muito defenderam nos últimos dias, suas últimas ações são simplesmente uma afronta a qualquer ideia mínima de Estado democrático. Não se luta contra bandidos utilizando atos de banditismo.
A divulgação das conversas de Lula com seu advogado constitui uma quebra de sigilo e um crime grave em qualquer parte do mundo. Não há absolutamente nada que justifique o desrespeito à inviolabilidade da comunicação entre cliente e advogado, independente de quem seja o cliente. Ainda mais absurdo é a divulgação de um grampo envolvendo a presidenta da República por um juiz de primeira instância tendo em vista simplesmente o acirramento de uma crise política.
Alguns acham que os fins justificam os meios. No entanto, há de se lembrar que quem se serve de meios espúrios destrói a correção dos fins.
Pois deveríamos começar por nos perguntar que país será este no qual um juiz de primeira instância acredita ter o direito de divulgar à imprensa nacional a gravação de uma conversa da presidenta da República na qual, é sempre bom lembrar, não há nada que possa ser considerado ilegal ou criminoso.
Afinal, o argumento de obstrução de Justiça não para em pé. Dilma tem o direito de nomear quem quiser e Lula não é réu em processo algum. Se as provas contra ele se mostrarem substanciais, Lula será julgado pelo mesmo tribunal que colocou vários membros de seu partido na cadeia, como foi no caso do mensalão.
Lembremos que "obstrução de Justiça" é uma situação na qual o indivíduo, de má-fé e intencionalmente, coloca obstáculos à ação da Justiça para inibir o cumprimento de uma ordem judicial ou diligência policial. Nomear alguém ministro, levando-o a ser julgado pelo STF, só pode ser "obstrução" se entendermos que o Supremo Tribunal não faz parte da "Justiça".
A fragilidade do argumento é patente, assim como é frágil a intenção de usar um grampo ilegal cuja interpretação fornecida pelo sr. Moro é, no mínimo, passível de questionamento.
Na verdade, há muitas pessoas no país que temem que o sr. Moro tenha deixado sua função de juiz responsável pela condução de processo sobre as relações incestuosas entre a classe política e as mega construtoras para se tornar um mero incitador da derrubada de um governo.
A Operação Lava Jato já tinha sido criticada não por aqueles que temiam sua extensão, mas por aqueles que queriam vê-la ir mais longe. Há tempos, ela mais parece uma operação mãos limpas maneta.
Mesmo com denúncias se avolumando, uma parte da classe política até agora sempre passa ilesa. Não há "vazamentos" contra a oposição, embora todos soubessem de nomes e esquemas ligados ao governo FHC e a seu partido. Só agora eles começaram a aparecer, como Aécio Neves e Pedro Malan.
Reitero o que escrevi nesta mesma coluna, na semana passada: não devemos ter solidariedade alguma com um governo envolvido até o pescoço em casos de corrupção. Mas não se trata aqui de solidariedade a governos. Trata-se de recusar naturalizar práticas espúrias, que não seriam aceitas em nenhum Estado minimamente democrático.
Não quero viver em um país que permite a um juiz se sentir autorizado a desrespeitar os direitos elementares de seus cidadãos por ter sido incitado por um circo midiático composto de revistas e jornais que apoiaram, até o fim, ditaduras e por canais de televisão que pagaram salários fictícios para ex-amantes de presidentes da República a fim de protegê-los de escândalos.
O Ministério Público ganhou independência em relação ao poder executivo e legislativo, mas parece que ganhou também uma dependência viciosa em relação aos humores peculiares e à moralidade seletiva de setores hegemônicos da imprensa.
Passam-se os dias e fica cada dia mais claro que a comoção criada pela Lava Jato tem como alvo único o governo federal.
Por isso, é muito provável que, derrubado o governo e posto Lula na cadeia, a Lava Jato sumirá paulatinamente do noticiário, a imprensa será só sorrisos para os dias vindouros, o dólar cairá, a bolsa subirá e voltarão ao comando os mesmos corruptos de sempre, já que eles foram poupados de maneira sistemática durante toda a fase quente da operação.
O que poderia ter sido a exposição de como a democracia brasileira só funcionou até agora sob corrupção, precisando ser radicalmente mudada, terá sido apenas uma farsa grotesca.
http://www.maurosantayana.com/
Blog do Santayana, 17 de março de 2016
O fim da picada
Por Mauro Santayana
Se não
falham os estudiosos, a expressão “o fim da picada”, deriva da situação em que se
encontra, de repente, o sujeito que vinha seguindo uma trilha, no meio da
floresta, e, subitamente, se vê perdido, quando essa trilha, ou “picada”,
aberta à medida que se corta, ou se “pica” o mato à frente, termina
abruptamente, obrigando o viajante a seguir às cegas, ou a voltar para um
distante, e muitas vezes, inalcançável, ponto de partida.
O grampo contra a Presidenta da República, com sua imediata divulgação, para uma empresa de comunicação escolhida para escancarar seu conteúdo ao país, operado por um juiz de primeira instância, depois da desnecessária e arbitrária condução coercitiva e do pedido de prisão de um ex-presidente da República – em um país em que bandidos com dezenas de milhões de dólares em contas na Suíça, procurados pela Interpol e condenados à prisão em outros países circulam, soltos, tranquilamente - representa isso.
O fim da picada de uma Nação em que as instituições se recusam a funcionar, e estão, virtualmente, sob o sequestro de meia dúzia de malucos concursados - apoiados corporativamente por toda uma geração de funcionários de carreira de Estado comprometidos ideologicamente, com a razoável exceção de organizações como a associação de Juízes para a Democracia - que atuam como ponta de lança de uma plutocracia estatal, que, embalada por uma imprensa parcial e irresponsável, pretende tutelar a República, colocando-se acima dos poderes constituídos.
Perguntado o que achava do pedido de prisão do Ministério Público de São Paulo, há poucos dias, o líder do PSDB na Câmara Alta, o senador Cássio Cunha Lima, disse que não via motivos para tanto e recomendou cautela neste momento.
Agradece-se a sua coragem e bom-senso – Cássio Cunha Lima foi violentamente atacado por isso pela malta radical fascista nos portais e redes sociais – mas agora é tarde.
A oposição deveria ter pensado nisso quando ainda não ocupava – tão hipócrita e injustamente quanto outros acusados - as manchetes da coluna de delações “premiadas”, e abandonou o calendário político normal para fazer política nos tribunais, por meio da criminalização da atividade, entregando o país a um grupo de procuradores e a um juiz de primeira instância que age - como se viu pelo vazamento imediato do grampo do Palácio do Planalto - como um fio desencapado, não se importando – assim como os procuradores que o cercam ou nele se inspiram - em incendiar o país para dizer que é ele quem está no comando, independente da atitude da Presidenta da República de trocar o Ministro da Justiça, ou nomear para a Casa Civil um ex-presidente da República, ou da preocupação de alguns ministros e ministras do STF – pelo menos aqueles que parecem ter conservado um mínimo de dignidade e de razão neste momento.
Iludem-se aqueles que acham que a Operação Lava-Jato vai livrar o país da corrupção.
Os resultados políticos da Operação Mani Pulite – a operação Mãos Limpas, à qual o Juiz Sérgio Moro se refere a todo instante como seu farol e fonte de “inspiração”, foram a condução de Berlusconi, um bufão pseudo fascista ao poder na Itália, por 12 anos eivados de escândalos, seguida da entrega do submundo do Estado a uma máfia comandada por ex-terroristas de extrema-direita, responsáveis por mega-escândalos como o da Máfia Capitale, que envolve desvios e comissões em obras públicas em Roma, da ordem de bilhões de euros, cujo julgamento começou no último mês de novembro.
Da mesma forma, iludem-se, também, aqueles que acham que,
com a queda do governo, por meio de impeachment, ou de manobra no TSE ou no
TCU, ou de uma Guerra Civil, que se desenha como
cada vez mais provável, o Brasil irá voltar à normalidade.
A verdadeira batalha, neste momento e a perder de vista – e há uma grande proporção de parvos que
ainda não entenderam isso – não é entre o governo e a oposição, mas
entre o poder político, alcançado por meio do voto soberano da população, e a
burocracia estatal, principalmente aquela que tem a possibilidade – pela
natureza de seu cargo - de pressionar, coagir, chantagear, a seu
bel-prazer, a Presidência da República, o Congresso e o grande empresariado.
Em palestra recente, para empresários – quando, com
suas multas e sanções, ele está arrebentando com metade do capitalismo
brasileiro – o Juiz Sérgio Moro afirmou que a operação Lava-Jato não tem
consequências econômicas.
Sua Excelência poderia explicar isso ao BTG,
cujas ações diminuíram pela metade seu valor, quebrando milhares de acionistas,
ou que perdeu quase 20 bilhões de reais em ativos desde a prisão de
André Esteves.
Ou à Mendes Júnior que teve de demitir metade dos
seus funcionários e está entrando em recuperação judicial esta semana.
Ou, ainda, aos 128.000 trabalhadores terceirizados
da Petrobras que perderam o emprego no ano passado.
Ou às famílias dos 60.000 trabalhadores da
Odebrecht, que também foram demitidos, ou aos funcionários restantes que
aguardam o efeito da multa de 7 bilhões de reais – mais de 15 vezes o lucro do Grupo
em 2014 – que se pretende impor “civilmente” à companhia.
Ou aos funcionários da Odebrecht que estão
envolvidos com projetos de extrema importância para a defesa nacional, como a
construção de nossos submarinos convencionais e atômicos e nosso míssil ar-ar
A-Darter, concebido para armar nosso futuros caças Gripen NG-BR, que terão de
ser interrompidos caso essa multa venha a ser cobrada.
Ou, ainda, aos “analistas” entre os quais é consenso que a Operação Lava Jato foi responsável por 2%, ou mais de 50%, da queda do PIB - de 3,8% - no ultimo ano.
Ou, ainda, aos “analistas” entre os quais é consenso que a Operação Lava Jato foi responsável por 2%, ou mais de 50%, da queda do PIB - de 3,8% - no ultimo ano.
Na mesma ocasião, o Sr. Sérgio Moro - como se fôssemos ingênuos de acreditar que juízes não têm suas
próprias opiniões, ideologia e idiossincrasias políticas – afirmou não
ter “partido”.
Ora, ele tem, sim, o seu partido.
Ora, ele tem, sim, o seu partido.
E ele se chama PSM, o Partido do Sérgio Moro.
Um “partido” em que não cabem os interesses do país, nem os do governo, nem os da oposição, a não ser que eles se coloquem sob a sua tutela.
Um “partido” em que não cabem os interesses do país, nem os do governo, nem os da oposição, a não ser que eles se coloquem sob a sua tutela.
Assim como não dá para acreditar, com sua relativamente longa experiência, depois
dos episódios de Maringá e do Banestado, que ele esteja agindo como age por ter
sido picado pelo messianismo que distrai e embala a alma de outros “salvadores
da pátria” da Operação Lava-Jato.
O que - seguindo a lógica do
raciocínio - só pode nos levar a pensar que ele está fazendo o que faz porque talvez pretenda meter-se a comandar o
país diretamente – achando, quem sabe, que as Forças Armadas vão permitir
que venha a adentrar o Palácio do Planalto carregado por manifestantes
convocados pelo Whats UP, em uma alegre noite de buzinaço, como um
moderno Salazar ou Mussolini – ou quando eventualmente se cansar, lá pela
milésima-primeira fase da Operação Lava-Jato - de exercitar seu ego e – até
agora - seu incontestável poder de manter o país em suspense, paralisado
política e economicamente, independentemente do ocupante de turno – quem grampeia
um presidente grampeia qualquer presidente
- que estiver sentado na principal poltrona do Palácio do Planalto.
A alternativa a essa República da “Destrói a
Jato”, de um país mergulhado permanentemente na chantagem, na
manipulação, no caos e na paralisia, é alguém ter coragem, nos órgãos de
controle e fiscalização, de enfrentar o falso
“clamor”, pretensamente “popular”, de um senso comum ditado pela
ignorância e a mediocridade, e pendurar o guizo no pescoço do gato – ou desse
tigre (de papel) - impondo ao mito construído em torno dessa operação, e
aos seus “filhotes”, o império da Lei e o respeito ao Estado de Direito e à
Constituição Federal.
Mas para isso falta peito e consciência de História a
quem pode fazê-lo.
E sobra – talvez pelo medo das tampas de
panela dos vizinhos - hesitação e covardia.
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