quinta-feira, 10 de março de 2016

O plano obscuro


http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2016/03/1748254-o-plano-obscuro.shtml



​Folha.com, 10/03/16



O plano obscuro


Por Janio de Freitas




Em condições normais, ou em país que já se livrou do autoritarismo, haveria uma investigação para esclarecer o que o juiz Sergio Moro e os procuradores da Lava Jato intentavam de fato, quando mandaram recolher o ex-presidente Lula e o levaram para o Aeroporto de Congonhas. E apurar o que de fato se passou aí, entre a Aeronáutica, que zela por aquela área de segurança, e o contingente de policiais superarmados que pretenderam assenhorear-se de parte das instalações.

Mas quem poderia fazer uma investigação isenta? A Polícia Federal investigando a Polícia Federal, a Procuradoria Geral da República investigando procuradores da Lava Jato por ela designados?

É certo que não esteve distante uma reação da Aeronáutica, se os legionários da Lava Jato não contivessem seu ímpeto. Que ordens de Moro levavam? Um cameramen teve a boa ideia, depois do que viu e de algo que ouviu, de fotografar um jato estacionado, porta aberta, com um carro da PF ao lado, ambos bem próximos da sala de embarque VIP transformada em seção de interrogatório.

É compreensível, portanto, a proliferação das versões de que o Plano Moro era levar Lula preso para Curitiba. O que foi evitado, ou pela Aeronáutica, à falta de um mandado de prisão e contrária ao uso de dependências suas para tal operação; ou foi sustado por uma ordem curitibana de recuo, à vista dos tumultos de protesto logo iniciados em Congonhas mesmo, em São Bernardo, em São Paulo, no Rio, em Salvador. As versões variam, mas a convicção e os indícios do propósito frustrado não se alteram.

O grau de confiabilidade das informações prestadas a respeito da Operação Bandeirantes, perdão, operação 24 da Lava Jato, pôde ser constatado já no decorrer das ações. Nesse mesmo tempo, uma entrevista coletiva reunia, alegadamente para explicar os fatos, o procurador Carlos Eduardo dos Santos Lima e o delegado Igor de Paula, além de outros. (Operação Bandeirantes, ora veja, de onde me veio esta lembrança extemporânea da ditadura?)
 
Uma pergunta era inevitável. Quando os policiais chegaram à casa de Lula às 6h, repórteres já os esperavam. Quando chegaram com Lula ao aeroporto, repórteres os antecederam. "Houve vazamento?" O procurador, sempre prestativo para dizer qualquer coisa, fez uma confirmação enfática: "Vamos investigar esse vazamento agora!". Acreditamos, sim. E até colaboramos: só a cúpula da Lava Jato sabia dos dois destinos, logo, como sabe também o procurador, foi dali que saiu a informação – pela qual os jornalistas agradecem. Saiu dali como todas as outras, para exibição posterior do show de humilhações. E por isso, como os outros, mais esse vazamento não será apurado, porque é feito com origem conhecida e finalidade desejada pela Lava Jato.

A informação de que Lula dava um depoimento, naquela mesma hora, foi intercalada por uma contribuição, veloz e não pedida, do delegado Igor Romário de Paula: "Espontâneo!". Não era verdade e o delegado sabia. Mas não resistiu.

Figura inabalável, este expoente policial da Lava Jato. Difundiu insultos a Lula e a Dilma pelas redes de internet, durante a campanha eleitoral. Nada aconteceu. Dedicou-se a exaltar Aécio, também pela rede. Nada lhe aconteceu. Foi um dos envolvidos quando Alberto Youssef, já prisioneiro da Lava Jato, descobriu um gravador clandestino em sua cela na Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Nada aconteceu, embora todos os policiais ali lotados devessem ser afastados de lá. E os envolvidos, afastados da própria PF.

Se descobrir por que a inoportuna lembrança do nome Operação Bandeirantes, e for útil, digo mais tarde.







​Folha.com, 10/03/16



O que quer Sergio Moro?


​Por Guilherme Boulos​




​ O espetáculo da condução coercitiva do ex-presidente Lula na semana passada expôs a nu as motivações políticas do juiz federal Sergio Moro. Criticada por ministros do STF (Supremo Tribunal Federal) e por juristas de todos os matizes (incluindo um ex-ministro de FHC), a operação não tem outra explicação que não o linchamento público de Lula.

O argumento de que a medida extrema foi para a proteção do ex-presidente não convence nem as carolas do Country Club de Maringá, frequentado pelo juiz. O ministro Marco Aurélio Mello, que não é exatamente um petista, afirmou que "não gostaria de ser 'protegido' dessa maneira".

A Lava Jato ganhou popularidade por ter pegado peixes graúdos do empresariado. Os donos do Brasil foram em cana e não saíram no mesmo dia. Assim Moro elevou-se com a fama de justiceiro, o Falcone das Araucárias. No entanto, com o passar do tempo, a Lava Jato e seu principal condutor foram revelando vícios comprometedores.
 
O primeiro foi o dos pesos da balança. A décima quarta fase da operação, quando foram presos Marcelo Odebrecht [presidente da Odebrecht] e Otávio Marques de Azevedo [presidente da Andrade Gutierrez], recebeu o nome de "Erga Omnes", em latim "Vale para todos". Vale mesmo?

Presidente do PSDB, o senador Aécio Neves (MG) foi citado em mais de uma delação –numa delas como detentor de um terço das propinas de Furnas e... nada. A campanha tucana foi beneficiária de doações das mesmas empresas que financiaram Dilma, por vezes com valores iguais ou maiores. Mas num caso as doações foram criminosas e noutro não? O Instituto FHC recebeu contribuições de várias das empresas investigadas, tal como o Instituto Lula. Mas não consta ter havido busca e apreensão por lá.
 
Visivelmente a Lava Jato escolheu alvos e excluiu outros. Optou por atacar Lula e o PT e por preservar o PSDB. Além disso, há os incríveis vazamentos das operações e de depoimentos sob "sigilo". O editor da revista "Época" – do Grupo Globo – anunciou a operação no Twitter com horas de antecedência. Há algo de podre aí. Resta saber o que une Moro, Globo e a PF numa sintonia tão fina...
Por muito menos, o ministro Gilmar Mendes falou em "estado policial" e Paulo Lacerda foi defenestrado da direção da PF em 2007. Aliás, não deixa de ser curioso o silêncio de Gilmar, tão preocupado com as garantias constitucionais, em relação aos procedimentos "heterodoxos" do juiz Moro e da Lava Jato.

Abuso das prisões preventivas, negociações pouco claras em relação às delações premiadas e agora a condução coercitiva (condução compulsória por agentes policiais) sem intimação prévia. Para atingir seus propósitos, Moro abre precedentes perigosos. Com a mente messiânica de um justiceiro, parece estabelecer para si o objetivo de "moralização" do país. Há, porém, sérios motivos para se desconfiar do que ele entende por isso.

Num evento com empresários no ano passado, Moro disse que "a iniciativa privada tem melhores condições de liderar um movimento contra a corrupção". Hein? A mesma iniciativa privada que sonega R$ 500 bilhões de impostos todos os anos e tem 30% do PIB em paraísos fiscais? Aquela que desviou no esquema do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) mais de três vezes o valor das propinas da Petrobras? Ora, dizer um disparate desses revela ou ingenuidade ou cinismo.

Moro é também admirador confesso da Operação Mãos Limpas, conduzida pela procuradoria de Milão nos anos 1990. A Mãos Limpas prendeu 2.993 pessoas durante quatro anos e investigou 872 empresários, 438 parlamentares e 4 primeiros-ministros. Liquidou com os quatro maiores partidos políticos do país.
 
O resultado de tudo isso não foi a "moralização" da Itália. Foi a ascensão de Silvio Berlusconi como primeiro-ministro, estabelecendo um reinado corrupto e depravado que durou 12 anos. A Mãos Limpas não acabou com a corrupção porque nenhum justiçamento acaba. É evidente que as investigações sobre corrupção são importantes e devem ser aprofundadas, mas sem as arbitrariedades, achincalhamentos e a seletividade de nenhum justiceiro de toga.
 
Enfrentar a corrupção no Brasil implica enfrentar um sistema político em que os interesses públicos e privados historicamente se amalgamam. Mas isso não está pautado no horizonte do juiz Sergio Moro. Para ele, trata-se de prender Lula e contribuir com a derrubada do governo petista. Definitivamente não parece ingenuidade.​

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