quinta-feira, 31 de março de 2016

Impeachment pode ser golpe, sim

 
Paulo Henrique Amorim: Crise moral? Não! É reacionarismo mesmo!  





http://www1.folha.uol.com.br/colunas/janiodefreitas/2016/03/1755816-olhares.shtml



Folha.com, 31/03/16



Olhares

 
Por Janio de Freitas




Se a Justiça fosse cega, não precisaria de venda nos olhos.
 
Cada magistrado, cada advogado, promotor e procurador vê o que quer, como qualquer de nós outros, nas fatias de realidade ante os seus olhos. Mas têm à sua disposição uma vantagem decisiva: no Direito há bases teóricas para todos os gostos e todos os lados. E a escolha entre elas, por mais que os seus usuários apregoem um caráter científico do Direito, sempre traz a marca indelével do critério pessoal. Nele incluída a dose individual de ética.

Tudo na atual crise tem envolvimento jurídico, seja ou não predominante. A divergência manifesta-se em cada ponto, decorrendo tanto da variedade de conceitos como das influência íntimas ao adotá-los, tantas delas bem conhecidas. Mas às vezes a influência tem sido mais forte do que os conceitos. Ou assim parece. E o resultado não é bom para o que importa à Justiça com ou sem venda.

Vários ministros do Supremo, por exemplo, como Celso de Mello, Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia e Luís Roberto Barroso, pronunciaram-se sobre impeachment de modo muito semelhante. As palavras do último representam muito bem as dos demais: "Impeachment não é golpe. É um mecanismo previsto na Constituição para afastamento de um presidente da República. Mas com respeito à Constituição e às normas". E, dirigindo-se a parlamentares: "O que os senhores decidirem vai prevalecer. O Supremo não tem pretensão de fazer juízo de mérito nessa matéria".
 
Logo, impeachment pode ser golpe, sim. O que determinará se é ou não será o processo que a ele conduza. Collor deu muitos motivos para ser pretendido o seu impeachment, mas o adotado foi o mais simplório por ser o que, até àquela altura, menos suscitava questionamentos de adequação "às normas e à Constituição": o uso doméstico de um modesto Fiat Elba presenteado pela fábrica.

No caso atual, todo ministro do Supremo conhece as manobras e os vícios do processo de impeachment. Entre eles, nada menos do que sua instauração na Câmara como represália pessoal aos votos governistas, no Conselho de Ética da Casa, para o processo contra o deputado denunciado ao próprio Supremo por delinquências várias. Tudo fora das "normas e da Constituição".
 
O pedido de impeachment ora discutido não é documento jurídico, é ataque raivoso. O novo pedido, da OAB, foi dado pelos signatários como "técnico". Na forma, admite-se. Mas se valer, e tanto, de uma delação premiada (ainda) não submetida a investigação alguma, de um acusado que se desastrou exatamente por prática de mentiras e fantasias, e agora ansioso por transbordar acusações como Roberto Jefferson para embrulhar sua situação – a OAB não encontrou nada melhor do que a delação premiada de Delcídio do Amaral?

A menos que possa assegurar que os votos do novo ministro Marcelo Navarro no STJ, pela libertação de Marcelo Odebrecht e Otávio de Azevedo, presos há nove meses por que não fizeram delação premiada, não foram votos por convicção, mas por má-fé. Disso, porém, o documento da OAB não dá sequer indício aceitável, baseando-se na mesma delação de Delcídio.

Nas explicações cobradas pelo ministro Teori Zavascki, o juiz Sergio Moro dá o seu motivo para liberar as gravações telefônicas de Lula, Dilma e outros: "Era a melhor maneira de prevenir novas condutas ou tentativas de obstrução ou intimidação da Justiça". Mudou. A explicação que deu no dia era "o direito dos governados de saberem como agem os governantes". Mudou, mas não para melhor. Porque a ideia de Justiça intimidada já é extravagante, quanto mais por um telefonema privado de pessoas sitiadas.
As oftalmologias têm avançado muito.


​​
IHU, ​30/03/2016


Processo de impeachment é artifício para dar ares de legalidade a golpe parlamentar


Por Patricia Fachin ​



Luiz Moreira é graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará — UFC, mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Minas Gerais — UFMG e doutor em Direito pela UFMG. É Diretor Acadêmico da Faculdade de Direito de Contagem. Na avaliação do advogado e professor de Direito Constitucional da Faculdade de Direito de Contagem, MG, “é clara a tentativa de se dar forma jurídica a um golpe parlamentar”.

 
Como o senhor está acompanhando as investigações da Operação Lava Jato?
 
Lava Jato transformou o combate à corrupção em mote para estabelecer um vale tudo, em que o combate à corrupção é utilizado para legitimar o desapego à Constituição e ao devido processo legal. Entre nós não há mais quem esteja a salvo das investidas da jurisdição de Curitiba.
 
O projeto é claro: há em curso um projeto que estabelece supremacia do sistema de justiça criminal sobre a democracia. Essa supremacia consiste no estabelecimento da pauta política pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pela polícia. O roteiro é por todos conhecido: foi estabelecida aliança entre eles e a mídia, com o propósito de obter apoio de parcelas da população às chamadas fases da operação Lava Jato. Assim, a ordem constitucional é afrontada e as autoridades judiciárias, submetidas aos caprichos da jurisdição de Curitiba.

Recentemente o juiz Sérgio Moro chegou a divulgar diálogo envolvendo a presidente da República e fez comentários sobre Ministros do STF, sobre a honorabilidade deles etc., em clara demonstração que ele se vê como o demiurgo desta República.



De que modo a Lava Jato está "legitimando o desapego à Constituição"? A que especificamente o senhor se refere?


Os procedimentos na Lava Jato não são corretos, não há distinção entre os que investigam, os que acusam e o que julga. A ampla defesa é desrespeitada, os advogados são criminalizados, a presunção de inocência inexiste, há um desprezo aos direitos fundamentais dos acusados, cuja imagem e cujas intimidades são enxovalhadas, além da utilização deliberada da mídia para blindar suas condutas.

Enfim, as normas constitucionais e a legislação de regência foram substituídas por um desejo utilitário de sucesso na empreitada e pela busca de notoriedade, em que prepondera um vale-tudo judicial.



Qual deve ser o papel do STF em relação à Operação Lava Jato?


O Supremo Tribunal Federal tem-se mostrado incapaz de entender seu papel como tribunal dos direitos fundamentais, como tribunal contramajoritário. Também não entendeu o papel da mídia e da opinião pública nas sociedades complexas e como cabe aos seus ministros, justamente, funcionar como anteparo aos caprichos da maioria.

É constrangedor verificar que o STF adota papel relevante na afirmação dos direitos atinentes à personalidade, de cunho comportamental, e tenha, ao mesmo tempo, incentivado a adoção no Brasil do direito penal do inimigo, consubstanciado no discurso da lei e da ordem, atribuindo ao aprisionamento e ao cumprimento da pena, em regime fechado, um papel civilizatório.
 
Analisando as decisões do STF, é fácil verificar a substituição de uma argumentação sólida em termos jurídicos por uma argumentação senso comum, em que a constitucionalidade cede lugar ao moralismo e ao decisionismo. Portanto, o STF está muito aquém do que dele se espera.


O que o senhor entende por “judicialização da política” e como esse fenômeno se deu, por exemplo, no Mensalão e está ocorrendo no desenvolvimento da Operação Lava Jato?


judicialização consiste na intervenção judicial em todos os aspectos da vida. No Brasil, isso se constitui como tentativa de o Judiciário se imiscuir em todas as áreas, substituindo-se ao Legislativo e ao Executivo. Todos os dias temos notícias de liminares afastando aplicação da lei ou de decisões judiciais que passam a valer no lugar de políticas públicas.

No Mensalão houve quem dissesse que o STF tomou decisões constrangido pela mídia, com a “faca no pescoço”. Tanto no Mensalão quanto na Lava Jato é óbvia a utilização da mídia para alcançar-se um determinado fim, cujo propósito é o contorno às garantias constitucionais dos acusados e a substituição do direito pela vontade do juiz, assim como a troca de papéis entre ministério público e magistrado, de modo que o juiz passa a ser também o acusador.



Entre as discussões dos últimos dias, destaca-se a da atuação do governo e do PT como tentativa de obstruir as investigações da Operação Lava Jato. Houve ou não tentativa do governo e do PT de obstruir as investigações?


Obstrução? Muito ao contrário. O Ministério da Justiça foi absolutamente leniente na condução das infrações à ordem constitucional promovidas pela Polícia Federal. Há notícias de escutas ilegais, de vazamentos e de quebra das rotinas policiais que seguem sem apuração.
 
Espera-se que o Ministro da Justiça não permita que a Polícia Federal se transforme em polícia política e que o governo tenha um projeto claro para a Polícia Federal, pois não é possível que a agenda dos delegados federais, cujo mote é sua autonomia e o combate à corrupção, continue a desestabilizar os poderes constituídos.



O Ministério Público tem recebido tanto críticas como apoio pela condução da Operação Lava Jato. Como, na sua avaliação, ele tem agido e como deveria agir à luz da Constituição? Pode pontuar quais são os erros e acertos da Operação até o momento?


Acertos? Cumprir obrigação funcional é dever dos membros do Ministério Público. Vejo com pesar que o Ministério Público Federal tenha perdido seu caráter de vanguarda e que tenha tão facilmente adotado o corporativismo como mote à sua atuação. Um exemplo é a campanha patrocinada por eles de combate à corrupção.
 
​Qualquer um com um mínimo de senso crítico perceberá que o Ministério Público Federal não adota para si as regras que prega para os outros. Exemplo disso é o apego às normas de seu processo disciplinar, que impedem qualquer punição às infrações cometidas por procuradores da República, ou ainda as diversas vantagens que percebem sem previsão legal.


Em que consistia o caráter de vanguarda do MP, o qual está se perdendo, conforme o senhor aponta?

A vanguarda no MP consistiu na tutela dos direitos difusos e coletivos, dos direitos sociais, do direito ambiental. Hoje prepondera a busca por causas que resultem em notoriedade e forte repercussão.
 
Hoje, muitos analistas falam em “golpe”. Que tipos de ações caracterizariam um golpe hoje? Estamos caminhando para esse cenário ou não?

É clara a tentativa de se dar forma jurídica a um golpe parlamentar. No Presidencialismo só se admite interrupção do mandato presidencial se houver crime de responsabilidade. Não havendo crime de responsabilidade, não há condições de falar em impeachment, ou seja, para haver impeachment é preciso que a presidente da República tenha praticado ato tipificado como crime de responsabilidade. Assim, é absolutamente imprescindível que a infração presidencial esteja descrita como crime na lei que define quais são os crimes de responsabilidade.
 
Se não houver conduta tipificada como crime de responsabilidade, não há impeachment, mas golpe. Não se admite que mera insatisfação com o governo ou com a pessoa da presidente seja motivo para interromper seu mandato. Tampouco a aprovação presidencial em pesquisas de opinião podem levar ao impeachment. Portanto, o processo de impeachment hoje em curso na Câmara dos Deputados é claramente um artifício para dar ares de legalidade a um golpe parlamentar.

 
Há ou não razões para o impeachment da presidente Dilma?

Não, não há. Dilma Rousseff não cometeu qualquer crime de responsabilidade
. Eventuais fragilidades de seu governo na área econômica, ou eventuais atropelos na condução dos arranjos políticos ou ainda eventual falta de carisma pessoal não autorizam a interrupção de seu mandato. O que se tem em marcha é um golpe parlamentar que não pode ser confundido com impeachment.

 
Esse momento de crise política também coloca em pauta a necessidade de discutir uma reforma no Judiciário? Está clara qual é a função do Judiciário? Dado que os ministros do STF são escolhidos pela presidência, isso também não interfere na autonomia para julgarem?

Aos governos eleitos compete legitimar a atuação do Estado. Por quê? Porque o Estado não tem legitimidade. Essa legitimidade é obtida nas eleições, com o voto. Desse modo, cabe aos governos eleitos ditar a pauta de atuação do Estado. É exatamente por isso que existem eleições periódicas, para que haja renovação da legitimidade das decisões governamentais. Então, é tarefa do governante indicar determinados postos do Estado, como embaixadores e membros do Judiciário. Essa questão é absolutamente normal nas democracias constitucionais.
É necessária uma reforma ampla que permita ao eleito governar, uma engenharia constitucional que permita protagonismo da política, que está subordinada aos órgãos de controle. Além disso, o Judiciário não pode ser tido como poder moderador, como poder que está acima dos poderes políticos.

 
Como avalia a decisão do ministro Teori Zavasck, que atendeu ao pedido da AGU e determinou que as investigações da Operação Lava Jato sobre o ex-presidente Lula sejam enviadas ao STF? Qual é o significado dessa decisão?


Sérgio Moro adotou contra o ex-presidente Lula medidas que flagrantemente violam o direito brasileiro. Conduziu-se de modo arbitrário e ilegal. Nesse sentido, tendo constatado as violações à ordem jurídica perpetradas por Sérgio Moro, o ministro Teori Zavascki conduziu o processo à normalidade constitucional. Além de discreto e prudente, o ministro Teori Zavascki assegurará ao ex-presidente Lula a oportunidade de defender-se ante um juízo imparcial, que não se utiliza da técnica jurídica para fazer justiciamento.

 
Na última quarta-feira (23/03), o juiz Sérgio Moro decretou o sigilo da lista de políticos beneficiados pela Odebrecht, mas a lista vazou. Qual é o impacto disso, considerando as investigações? Como avaliar esse tipo de vazamento? É possível responsabilizar alguém por ações como essa?

A decretação do sigilo foi ato posterior à divulgação da lista. Quer dizer, após a lista ser amplamente noticiada, a partir do levantamento do sigilo determinado por Sérgio Moro, ele voltou atrás e decretou o sigilo da lista. Esse fenômeno torna claro que, na Lava Jato, os vazamentos são reiteradamente utilizados como método judicial de constrangimento de cidadãos.

É evidente também que esse "voltar atrás" é medida adotada para que haja adequação ao despacho do ministro Teori Zavascki, em que houve rigorosa censura à conduta de Sérgio Moro. No entanto, a decretação do sigilo veio tarde demais, uma vez que a lista obteve grande repercussão. Embora muitos dos que são citados tenham prerrogativa de função (foro privilegiado), Sérgio Moro não viu problemas em retirar da lista seu sigilo legal. Com isso, mais uma vez, contrariou a Constituição e a legislação de regência, além de usurpar competência do STF.

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