quinta-feira, 10 de março de 2016

É agora ou nunca


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CartaCapital, 10/03/2016



É agora ou nunca


Por Roberto Amaral


A garantia de que não somos derrotados está em nossas próprias mãos, porém a oportunidade de derrotar o inimigo é fornecido pelo próprio inimigo
Sun Tzu (A arte da guerra)


Não era previsível a brutalidade humana e política do espetáculo, mas a ninguém de juízo pode haver surpreendido a coação – sequestro é a definição preferida – e a ilegalidade ostensiva de que foi vítima o ex-presidente Lula no último dia 4. 

De há muito ele sabia, e a militância pressentia, que era a bola da vez, a pedra incômoda no meio do caminho, posto que pouco renderia à direita a deposição pura e simples da presidente Dilma Rousseff se permanecesse de pé (como de pé permanece) a possibilidade – ameaça para ela, direita – de o governo ser recuperado pelas forças progressistas mediante eventual eleição de Lula em 2018. 

Como evitá-la desde logo, fugindo à disputa eleitoral que tanto teme (e com fundadas razões, pois foi repelida pelo povo por quatro pleitos consecutivos)? Destruindo o adversário incômodo, não importando como.

A agressão da última sexta-feira, pensada, calculada, planejada meticulosamente e meticulosamente preparada pela grande mídia junto à opinião pública, obra de laboratório enfim, foi, em face desse objetivo, um movimento de risco calculado, tido como necessário para que a inteligência golpista medisse a reação popular ao espetáculo da humilhação de seu mais importante líder, desde Vargas.

E assim pudesse calcular, como calculados e planejados estão, os próximos passos. Lula que se prepare para o que está por vir.

O próximo teste está marcado para domingo.

O consórcio golpista que reúne os potentados privados, estão convocando para a marcha golpista do dia 13; a alta burocracia estatal (MPF, PF, JF) e os grandes meios de comunicação de massa, cartel empresarial e monopólio ideológico, têm objetivos claros, definidos, que vão para além da deposição da presidente Dilma e sua substituição por um Aécio da vez, ou por um Cunha, ou um Renan, ou um Michel Temer.

Substituição da governante e do governo que pode ser operada mediante as fórmulas em curso (impeachment ou cassação via TSE), ou pela via heterodoxa de emenda constitucional (lembremo-nos de 1961) construtora ou de um presidencialismo mitigado, ou de um parlamentarismo segundo o modelo francês.

Por todas essas evidências é fundamental destruir o ex-presidente Lula, destruir o PT e com ele todas as demais forças progressistas do País, para que a mudança, qualquer que seja ela, possa ser operada sem resistência popular. Porque as mudanças pretendidas não se conformam na pretendida troca de governantes, posto que, a partir dela, o objetivo é a alteração substantiva da natureza do novo Estado, apartando-o dos interesses nacionais e populares.  

O verdadeiro golpe de Estado, em marcha, prevê uma investida ainda mais acentuada, do ponto de vista ideológico, do que aquela lograda com o golpe de 1964, embora, desta feita, sem a necessidade dos tanques e das tropas nas ruas sem povo, sem precisar lançar mão da ruptura constitucional, porque será um golpe de Estado de novo tipo, operado dentro da ordem.

Não obstante, será uma ruptura profunda. Não havendo mais os comunistas para exorcizar, o objeto da razia será o que a grande imprensa chama de ‘lulopetismo’ e o que ele representou nesses quase 13 anos de governo, mas principalmente nos primeiros oito anos sob Lula.

A nova ordem significará mais do que a contenção da emergência das massas, pois significará também a renúncia a qualquer projeto de desenvolvimento nacional autônomo, qualquer sorte de política externa soberana.

Será o regresso aos tempos da política externa de FHC, de realinhamento automático aos interesses geopolíticos, econômicos, militares e ideológicos dos EUA, nos afastando da tentativa de integração regional e implicando nossa renúncia a qualquer papel político ou econômico nas relações com o Hemisfério Sul, onde já exercemos certo grau de liderança.

Será o tão desejado fim do Mercosul, concomitantemente com a retomada de opções como a Alca, instrumento de nossa virtual recolonização; será também nosso definitivo afastamento dos BRICS, nossa renúncia a qualquer participação ativa – e altiva – na política internacional.

Esse novo Estado, antissocial e antinacional, antidemocrático e antipopular, montado sem ferir a ordem institucional, reduzirá a remuneração e as garantias do trabalho – pois imperarão as leis do neoliberalismo, em benefício dos ganhos do capital (a nova ordem ainda não se instalou e já se fala  em redução do salário mínimo, e o Senado Federal trata de liquidar com o pré-sal).

O neoliberalismo, enfim implantado sem peias, aprofundará inevitavelmente a crise econômica e aumentará o desemprego – e a conjunção dessas pragas construirá o caos social, justificativa para a redução das franquias democráticas, dos direitos dos trabalhadores e da liberdade sindical.


A ponte para o passado

Esse novo regime, sem a necessidade de nova ordem constitucional, apoiar-se-á em uma institucionalidade autoritária, filha de um constitucionalismo maleável segundo a vontade dos donos do poder.

Já vimos como ele funciona, entre nós, com os ensaios do Poder Judiciário: a doutrina do domínio do fato, a revogação fática de cláusula pétrea da Constituição (o impedimento da prisão antes do trânsito em julgado de sentença condenatória), as operações sem freios da chamada Lava Jato, das quais a prisão-sequestro-coação de Lula (e de mais de uma centena de outros ‘acusados’) é apenas um de seus indicadores.

O macartismo, como é sabido, se impôs por décadas em um EUA democrático, e para impor a repressão não precisou nem de novas leis nem de emenda à Constituição, simplesmente porque atendia aos interesses do grupo político hegemônico. 

Mas do sequestro de Lula e de sua reação (de ‘incitamento à militância’ como condena a grande imprensa) é possível colher uma lição: às vezes, e não poucas vezes na política, é o adversário quem determina a estratégia do outro.

A arbitrariedade do juiz Moro teve o condão de despertar a militância e setores ponderáveis da sociedade, e assim revelar o caminho da mobilização popular como o principal indicador do que pode ser, deve ser, precisa ser a resistência à consumação do golpe de Estado em curso.

Frente à ameaça concreta, o discurso das forças populares deve privilegiar (1) a denúncia da natureza do golpe (articulação PF, JF, MPF e mídia, não necessariamente nesta ordem) mediante o qual a direita, sem eleição, visa a capturar o Estado para restabelecer o neoliberalismo (excludente dos pobres); (2) a questão nacional (de imediato a defesa do pré-sal ); e (3) a defesa de uma política econômica que não imponha sacrifícios aos trabalhadores, e o maior deles é o desemprego.

A resistência popular, por isso mesmo, cobra de Lula a liderança que lhe impõe a circunstância histórica. Não é mais possível assistir passivamente à escalada golpista que visa algemá-lo para sempre, como grita impunemente a direita hidrófoba. Que vá às ruas, que corra o País como prometeu, é o que o povo dele espera. O povo também cobra do governo nova postura, nova composição – à altura da crise. Cobra, enfim, de todos, novos rumos.

É agora ou nunca.

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