quinta-feira, 10 de março de 2016

Lula deve morrer


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Sul21, 10 de março de 2016


Lula deve morrer



Por Ayrton Centeno
, jornalista




Lula já deveria ter morrido. Cedo, quando nasceu. Quando veio ao mundo em 1945, a mortalidade infantil no Brasil era de 146 x 1000. Quase 150 óbitos antes do primeiro ano de vida em cada mil crianças. Isto na média nacional que, hoje, a propósito, é dez vezes menor. Mas naquele tempo, para quem vinha aumentar família pobre, da área rural e do Nordeste, os números eram ainda mais atrozes.
Um dos 12 filhos de dona Lindu — quatro não sobreviveram — Lula nasceu em Caetés, então zona rural de Garanhuns/PE. Casa de taipa, erguida em barro e madeira, um quarto, uma mesa, cinco redes. Água? Amarela, das poças de chuva, dividida com o gado e povoada por girinos. Comida? Feijão, arroz e farinha, carne rara, às vezes de preá ou passarinho. Proteína animal acessível era a da içá, nome da tanajura no Agreste pernambucano.

Talvez por isso prosperou na região a prática não registrar os bebês logo após o parto. Aguardava-se o segundo aniversário. Era preciso que a criança “vingasse”. Aquelas que sucumbiam antes dos dois anos eram sepultadas sem nome nem história. Agitava-se então um sininho. Na tradição de vidas tão ásperas, era o sinal para informar que mais um anjinho subira ao céu.
Quem sabe a dieta de formiga frita tenha salvado Lula de virar estatística. É bem provável que aqueles que o odeiam passem a odiar também o inseto providencial que matou sua fome e o ajudou a sobreviver. E o sininho não bateu.

Vendedor de tapioca aos sete anos, depois tintureiro, engraxate, metalúrgico e presidente de sindicato, Lula poderia ter morrido naquele sábado, 19 de abril de 1980, quando seis agentes do Dops empunhando metralhadoras foram prendê-lo em casa às 5h30 de uma manhã nevoenta. Uma “condução coercitiva” em São Bernardo – com produção, cenografia, figurinos e efeitos especiais muito mais humildes que os atuais — cinco anos antes da ditadura exalar seu último suspiro. Temeu, como diria depois, aparecer morto num “acidente” na via Anchieta. Afinal, sob o regime civil-militar muita gente buscada em casa para “prestar esclarecimentos” nunca mais foi vista. Virou preso político mas, outra vez, não morreu.

Lula deveria morrer quando um câncer atacou sua laringe em 2011. Tão logo correu a notícia, as alcatéias, nutridas com o lixo tóxico da mídia, uivaram em regozijo nas redes sociais e caixas de comentários. “Tenho dó do câncer ter que comer carniça petralha”, lamentou um piedoso internauta. Outras vozes se juntaram para chamar o presidente adoentado — que batera sucessivos recordes de popularidade atingindo índice de 83% de aprovação, o maior da história do país — de “verme”, “crápula”, “desprezível”, “nove dedos” e “imundo”. Mas Lula os decepcionou. E, novamente, não morreu.

Lula deveria morrer muitas vezes. Antes de fundar a CUT em 1983, a quinta maior central sindical do mundo. Antes de conceber o Partido dos Trabalhadores em 1980 que conquistaria no voto, quatro mandatos de presidente da república. Antes do Bolsa-Família, do Prouni, de retirar 27 milhões de brasileiros da pobreza extrema, do reajuste anual do salário-mínimo acima da inflação, do PAC, da ampliação da distribuição da renda, de implantar 14 novas universidades federais (contra nenhuma de seu antecessor), de criar mais de 200 escolas técnicas, da descoberta do pré-sal, da política externa independente…

Lula deveria morrer quando emergiu da plebe rude para reivindicar a Presidência da República. E conquistar um posto que, até então, era reservado por direito divino aos nhonhôs da Casa Grande. E este foi um pecado imperdoável. Mortal.

Lula deve morrer porque morto o querem os donatários das capitanias hereditárias da mídia. Os mesmos que, agora, estertoam em lenta agonia na senda da descartabilidade e da obsolescência. E se aferram ao golpe por razões políticas, partidárias e ideológicas mas, acima de tudo, mirando os cofres do Banco do Brasil e do BNDES como última esperança de sobrevida. Aqueles mesmos que, em 1954, revolutavam com as “aves de rapina” a que Getúlio aludiu na sua carta-testamento: “A campanha subterrânea dos grupos internacionais aliou-se à dos grupos nacionais revoltados contra o regime de garantia do trabalho. A lei de lucros extraordinários foi detida no Congresso. Contra a Justiça da revisão do salário mínimo se desencadearam os ódios” – como se vê, ódio já era o combustível que ardia para conduzir o líder trabalhista ao holocausto. Aqueles mesmos para quem Jango, dez anos depois, apontaria no discurso da Central do Brasil: “A democracia que eles desejam impingir-nos é a democracia antipovo, do anti-sindicato, da anti-reforma (…) A democracia que eles querem é a democracia para liquidar com a Petrobrás; é a democracia dos monopólios privados, nacionais e internacionais, é a democracia que luta contra os governos populares e que levou Getúlio Vargas ao supremo sacrifício”.

Lula deve morrer porque é o desejo dos pets dos barões da mídia: muitos “comunicadores”, colunistas, articulistas, apresentadores de rádio e TV e caudatários avulsos. Há quem reproduza a retórica patronal por convicção. E como é benéfico ser abduzido por tais ideias! Sobretudo para preservar a saúde empregatícia, receber aquele tapinha nas costas e, por um átimo, deixar-se levar pelo devaneio de pertencer ao mesmo clube, a despeito do precipício de classe social, renda e poder que cinde mundos tão opostos. Outros o fazem por obrigação – entre as três, a mais compreensível e respeitável das escolhas. E existem aqueles que cedem calculadamente por submissão. Os que se agacham para subir. E não merecem o mínimo respeito. Neles, é tal a sofreguidão com que entregam suas almas à concupiscência do amo que não parece disparatado supor que lhe regalariam as polpas com a mesma faceirice caso houvesse algum interesse na oferta.

Lula deve morrer porque tal aparenta ser a aspiração de uma PF cujos delegados agem como agitadores da direita nas redes sociais, ultrajando seus superiores. A mesma PF que serviu de polícia política prestando relevantes serviços à ditadura de 1964 sem um só gesto de repulsa ou de contrariedade. E que, na democracia, age sem prestar contas à democracia. Não é outra a avidez do MPF. Que afigura desertar do Estado laico para se guiar por um grotesco salvacionismo de ocasião tornando-se, além disso, aríete do golpe em conchavo com as panzer division da imprensa corporativa. E o que dizer dos anseios de um tiranete de província que se porta como o senhor do universo? Tudo sob a contemplação pusilânime, os joelhos tiritantes e as mandíbulas chacoalhando como castanholas do STF que, após construir uma breve historia de avanços sociais, acocora-se na hora de travar os reiterados abusos contra o Estado Democrático de Direito.

Lula deve morrer porque sua morte é o que mais ambicionam as madames botocadas e seus maridos botocudos, a lúmpen burguesia boçal, egoísta e plastificada, clamando pelo golpe nas ruas com seus tênis, óculos escuros e abrigos de grife, seus poodles no colo e seus labradores na coleira. Os jovens odiadores, os que bombam os bíceps e matam o cérebro por inanição. O saudosismo de homens e mulheres brancos, de meia-idade e classe média de um regime assassino que se arrastou por duas décadas de infâmia. A ditadura que seus pais e mães engolidores de hóstias pediram nas Marchas da Família com Deus pela Liberdade empunhando rosários e rezando aves-marias contra “a ameaça vermelha”. Fé, rosário e orações viraram arcaísmos. Agora, o nome de Roma é Miami, o da igreja é shopping, o da reza é academia, o da hóstia é botox. Ontem como hoje, porém, o medo e o rancor reverberados com a ascensão da ralé é igual.

Lula deve morrer. Está definido. Mas há um problema: ele não quer. Humilhado e ofendido, até avisou que se queriam matar a jararaca, erraram a paulada. Pior: pela amostragem, muita gente também não quer que ele morra. Gente que acha que, se Lula morrer, morrerá igualmente um olhar horizontal e inédito que percebeu os deserdados e deles cuidou. Enxergou a maioria e não os dez por cento de sempre. Está dado o impasse. Para Lula morrer, terão que matá-lo. Não será tarefa fácil. Prova disso é que o desprezo fantasiado de negro com prepotência e metralhadoras recebeu uma resposta popular que não imaginava. Nem os autores, nem seus cúmplices. Os desafetos que tranquem as portas, ponham as fraldas e mordam o travesseiro. 2018 está logo ali e a jararaca vai fumar. Aquele que se recusa a morrer está novamente em campanha.




Brasil 247, 9 de Março de 2016



Vira ministro ou aguarda ordem de prisão



Por Tereza Cruvinel
 



Estão no ar os sinais de que em breve o juiz Sergio Moro vai pedir a prisão do ex-presidente Lula, que jamais aceitou a ideia de proteger-se contar exorbitâncias de instâncias inferiores do Judiciário assumindo um ministério no governo Dilma, o que lhe daria o foro especial do STF. Não tendo nada a temer, por que passaria a ideia de que burlava a Justiça? Mas esta decisão anterior de Lula baseava-se no pressuposto de que vivemos numa democracia em que as regras do Estado de Direito são observadas. Muito antes da violência de sexta-feira, entretanto, a Lava Jato já havia cruzado a fronteira. Recusando o cargo e o foro privilegiado, Lula estará na posição de um procurado pela ditadura que se recusava a fugir para o exílio, mesmo sabendo que acabaria sendo preso e torturado.

Não é a primeira vez que se cogita da blindagem de Lula contra os excessos da Lava Jato através de sua nomeação para um ministério. Eu mesma escrevi neste blog, na formação do ministério Dilma para o segundo mandato, que foi considerada a hipótese de ele tornar-se chanceler. Ela não prosperou porque ele a repeliu. Agora, as conversas sobre a hipótese estão em curso e se prevalecerem o bom senso e a ética da responsabilidade – para com todos que ele representa, para com seu partido e para com seu próprio legado – as providências precisam ser rápidas. Antes que Moro, alegando o risco de ele “fugir” para o foro privilegiado, antecipe a prisão que já parece programada.

Não há no Brasil quem não perceba que a prisão de Lula está nos planos da Lava Jato. Durantes meses a “força tarefa” desconversou, dizendo que ele não estava sendo investigado ou que era citado apenas como testemunha. E com isso o desarmava e o fazia crer que não precisava do foro especial previsto na ordem democrática que ele ajudou a construir. Mas agora os sinais estão aí para quem quiser ver, depois da condução coercitiva e dos abusos que alcançaram o caseiro do sítio de Atibaia e várias outras pessoas do Instituto Lula ou próximas do ex-presidente.

Um eloquente sinal de que a prisão virá está no fato de que a Polícia Federal reforçou a segurança do juiz Sergio Moro. Segundo o Correio Braziliense, o presidente do Sindicato dos Delegados da Polícia Federal no Paraná, Algacir Mikalovski, informou ontem (8/3) que a corporação recrutou “dezenas” de homens em esquema de revezamento para garantir proteção permanente de 24 horas a Moro. O juiz de camisa preta não pediu a providência, mas a PF decidiu adotá-la motivada por “ameaças” que teriam se intensificado após a condução coercitiva de sexta-feira passada. O que eles constaram é que se Moro mandar prender Lula, as reações populares serão muito mais fortes dos que as ocorridas no final de semana que se seguiu ao depoimento coercitivo. Aproxima-se um final de semana tenso, em que podem haver manifestações conflitantes, contra e a favor de Dilma, Lula e PT.

Nas redes sociais circulam, inclusive, notícias não confirmadas por fontes oficiais, de que a PF em verdade planejava levar Lula para Curitiba e por isso o levou para a sala da corporação no aeroporto de Congonhas, com a desculpa de que era para garantir sua segurança. Ali ele seria embarcado para Curitiba. mas a PF teria enfrentado a resistência da Polícia da Aeronáutica, responsável pela segurança do aeroporto. Este plano pode não ter existido e ser fruto de especulações. mas o simples fato de Lula ter sido levado para Congonhas já foi uma forma de intimidá-lo com a hipótese de que estava sendo levado para Curitiba. Ele disse ter se sentido “prisioneiro”. Talvez como um prisioneiro da ditadura quando lhe colocavam o capuz. O prisioneiro, já não sabendo para onde estava sendo levado, chegava ao destino “quebrado”.

Se a prisão é questão de tempo, Lula não pode mais recusá-la por conta do que vão dizer e do que vão pensar. Ele não estará fugindo da Justiça. Vai responder mas perante um tribunal isento e comprometido com as garantias constitucionais, o STF. Moro, a Lava Jato e sua força tarefa, composta por procuradores e policiais federais que se entendem como justiceiros, já não podem jurar isenção e neutralidade. Nem os apoiadores tentam negar as evidências de que perseguem um desiderato político, pondo em risco a democracia e o Estado de Direito.

Compreendendo isso, Dilma deve mesmo convidar Lula para uma pasta. Compreendendo isso, Lula deve aceitar. E o STF esclarecerá as acusações levantadas contra ele mas observando as garantias que a Constituição assegura.

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