sábado, 8 de janeiro de 2011

Os EUA e as falsidades absolutas


São Paulo, sábado, 08 de janeiro de 2011

Populismo não é só coisa nossa

CLÓVIS ROSSI


QUE A OPOSIÇÃO ataque um governo por seus erros ou por sua inação é parte inalienável de sua função primária, essencial mesmo.
Mas que o faça pelos méritos do governo, encobrindo o ataque com um retórica populista barata, é escandaloso.

É esse escândalo que está em marcha nos Estados Unidos agora que a maioria republicana na Câmara dos Representantes (deputados) lançou uma ofensiva frontal contra o governo Barack Obama.
O alvo inicialmente escolhido é o plano de saúde, penosamente negociado e finalmente aprovado no ano passado, depois de desanabolizado. A reforma tapava uma antiga vergonha norte-americana: tratava-se do país rico que mais gastava em saúde mas protegia, proporcionalmente, o menor número de cidadãos.
A frase de efeito que John Boehner, novo "speaker" (presidente da Câmara), cunhou para a ofensiva é "devolver o governo ao povo americano".
No caso da revogação do plano de saúde - a meta central dos republicanos-, a frase é de uma falsidade absoluta.

Na verdade, significaria devolver uma fatia substancial dos americanos ao Deus dará ou aos planos privados de saúde, que não são exatamente "o povo".
Relatório de quinta-feira do Escritório de Orçamento do Congresso, não-partidário, demonstra a demagogia republicana: a revogação do pacote de saúde deixaria 32 milhões de pessoas sem seguro-saúde. Para comparação: equivale pouco mais ou menos a toda a população do Estado de São Paulo.
Tem mais: a ideia de enxugar o Estado, também forte na ofensiva republicana, não se daria pela via do corte do programa de saúde. Ao contrário, acrescentaria US$ 230 bilhões ao deficit até 2021.
Editorial do "New York Times" de quinta-feira põe as coisas no devido lugar: "[A ofensiva republicana] não tem a ver com o lacrimoso populismo de Mr. Boehner [ele chorou ao tomar posse] e tudo a ver com as dezenas de milhões de dólares das corporações que catapultaram os republicanos ao poder na Câmara. Os homens de negócio reclamavam da expansão da [necessária] vigilância da administração Obama sobre as finanças, a saúde e a produção de alimentos, entre outras áreas. Ajudaram a eleger uma liderança da Câmara ansiosa para atender suas demandas".
Entre parêntesis: Obama também atendeu indiretamente ao "povo" dos mercados, ao indicar William Daley para chefe do equivalente à Casa Civil. Último emprego de Daley: na firma financeira JP Morgan. Antes, defendia o protecionismo norte-americano como secretário de Comércio.
Fecha parêntesis e voltemos à saúde. A percepção popular é fragmentada a respeito: a mais recente pesquisa mostra 40% favoráveis ou à manutenção da legislação de saúde ou à sua ampliação, ao passo que 25% querem emendas e outros 25% querem a pura e simples revogação do pacote.
A batalha de Obama, portanto, não se dará apenas no Capitólio mas também nas ruas. O resultado é incerto. Seja qual for, terá decisivo impacto na eleição do ano que vem.

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