sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Capitalismo selvagem e bandido

Disse e repito incansavelmente: Ou acabamos com o Capitalismo, e o substituímos por um sistema sócio-econômico mais evoluído, ou o capitalismo acabará com todos os pilares da democracia.

Ivan
São Paulo, sexta-feira, 22 de outubro de 2010



Capitalismo selvagem e bandido

VINICIUS TORRES FREIRE

"RESPEITO AOS contratos" é um mantra dos defensores da economia de mercado, enunciado de modo circunspecto, quase solene, por economistas. Faz sentido, claro. A desordem jurídica é uma violência, em última instância antidemocrática e, de quebra, um transtorno para a economia. Irritante é a frequência com que o subtexto dessas declarações com ar grave exalta o odor de santidade dos "mercados", sempre vítimas de "políticos" ou do Estado.

Tal empulhação persiste mesmo quando a fantasia de pureza dos "mercados" é sistematicamente rasgada, vexames evidenciados numa crise financeira após outra desde os anos 1990
. Houve cinismo bucaneiro, picaretagem, fraude ou bandidagem pura de grandes firmas na crise russa, do LTCM (1998), na bolha da internet e no escândalo das auditorias (2001-02). Seguem, sem fim, nos rolos que começaram a aparecer na crise imobiliária-financeira ainda em 2007.

Nem se mencionem baixarias paralelas, mas correlatas, de bancões como o suíço UBS, que em 2009 admitiu na Justiça americana que seus executivos eram culpados de formação de quadrilha ("conspiracy") com o objetivo de fraudar o fisco dos EUA e evadir dinheiro. Ou as agências de classificação de risco de crédito, que erram em tudo de importante desde a crise asiática (1997) e foram cúmplices na armação da montanha de papel podre da bolha imobiliária, aos quais tais agências davam "nota dez" de segurança.

No vexame mais recente, bancos e financeiras americanos são acusados de jogar contratos no lixo, fraudar documentação de cadastro e de compra e venda de imóveis, de vender títulos imobiliários lastreados em hipotecas e cadastros fajutados, em valores ou documentos.
Num caso, pessoas ameaçadas de despejo tentam evitá-lo alegando falhas na documentação das financeiras ou dos bancos (falhas reais, dizem procuradores americanos).
Noutro, mais grave em termos econômicos, alguns das maiores firmas financeiras do mundo reclamam que seus pares igualmente grandes lhes venderam papéis imobiliários que, em suma, ou não respeitavam critérios legais ou simplesmente fajutavam valores.

Como se lembra, o início da crise de 2007-09 se deveu a títulos de investimento complicadíssimos, cujo rendimento no fim das contas viria do pagamento de financiamentos imobiliários. Quando começaram os calotes das prestações das casas, verificou-se que tais títulos não valiam quanto pesavam e eram muito mais arriscados do que atestavam instituições financeiras e suas cúmplices, as agências de classificação de risco. De hora para outra, tais papéis, muitos escondidos em balanços paralelos, passaram a valer quase nada. Começou a quebradeira. O Estado assumiu o prejuízo.

Agora, algumas firmas querem que tais papéis bichados sejam recomprados por quem os vendeu, entre eles, os maiores bancos dos EUA. A conta pode passar da centena de bilhão de dólares. Um funcionário do Citigroup disse ao Congresso ter avisado seus superiores que uns 60% das hipotecas reempacotadas pelo banco tinham problemas (na crise, o Citi teve de ser salvo da quebra pelo Estado). Amostra em contratos de outras firmas mostram incidência similar de rolos.
Sim, o mercado jogou os contratos no lixo. E muito mais.

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