sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

Serra sai pela porta dos fundos


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CartaCapital, 24/02/17
 



Serra sai pela porta dos fundos


Por Josué Medeiros, Gonzalo Berrón e Lys Ribeiro



Menos de um ano após tomar a frente do Ministério das Relações Exteriores, José Serra pediu exoneração do cargo na noite desta quarta-feira 22 a Michel Temer, devido a problemas de saúde.

Para além dos motivos alegados, o timing do pedido de demissão revela as dificuldades e erros na formulação e implementação da chamada Nova Política Externa Brasileira, cujas diretrizes anunciara quando tomou posse como Chanceler em maio do ano passado.

Ao mesmo tempo em que este fracasso coloca em risco até as ambições presidenciais do agora senador Serra (PSDB-SP), apresenta o lado selvagem das pessoas para quem ele serviu, e serviu bem: os inimigos da integração regional e as petroleiras estrangeiras (assim como os Estados que as defendem).

Entre a tentativa fracassada em convencer a comunidade internacional da legitimidade do golpe, gafes, diretrizes anacrônicas, presenças decorativas, e retóricas desproporcionais em relação aos vizinhos latino-americanos, pouco ou quase nada de relevante sobra da sua breve passagem pelo Itamaraty.

Salvo dois pontos: a alteração do marco regulatório do Pré-Sal em favor das multinacionais petroleiras do exterior e o esvaziamento do Mercosul.
Ora, abrir mão da soberania energética nacional e desmantelar concertações políticas regionais são dois dos fatores fundamentais para levar a cabo uma política externa submissa, cujo pano de fundo é sempre a proposital ignorância de centro e periferia nas relações globais, bem como a posição do Brasil neste certame.

Para contento dos saudosos de Carlos Lacerda, Serra prestou aos capitais internacionais o maior serviço jamais imaginado ao formular e incentivar a votação favorável do projeto de Lei 4567/16, que modificou definitivamente a Lei de Partilha do Pré-Sal, incorrendo em enormes prejuízos para o País.

Não é difícil encontrar nessa dádiva a origem da blindagem midiática e jurídica que beneficiou o ex-chanceler não obstante as revelações obtidas através dos acordos de delação premiada firmados com executivos da Odebrecht, que apontam o recebimento de R$23 milhões de reais para o caixa 2 da sua campanha presidencial de 2010.

Isto para não falar da extensa lista de irregularidades e práticas contra a coisa pública que implicam Serra desde, pelo menos, a década de 1990. Serra não apenas se manteve de forma imperturbável no cargo, como sequer deu maiores explicações a respeito das denúncias.

A questão do impedimento à presidência pro tempore venezuelana em conluio com Paraguai e Argentina, e a tentativa de expulsão do país caribenho do bloco é capítulo à parte no qual José Serra logrou ampliar o golpe para o âmbito regional.
Ao refutar o aprofundamento da integração regional como meio de fortalecimento das nações constituintes do bloco em relação ao resto do mundo, nos moldes da Política Externa Ativa e Altiva do saudoso chanceler Celso Amorim e, sem condições de promover uma abertura comercial absoluta como previa o visionarismo míope do “quarteto” Temer/Serra e Macri/Malcorra, em tempos de recrudescimentos nacionalistas e protecionistas, o resultado é um Mercado Comum do Sul paralisado e cada vez mais irrelevante no cenário internacional.

No sentido de desfavor à diplomacia brasileira e desenvolvimento do País, Serra serviu enquanto serviu e cumpriu suas promessas em relação às elites internacionais. Oxalá não teve tempo para finalizar as tratativas para entregar também a base de Alcântara e o espaço aéreo brasileiro, mas encaminhou.

Dentre gafes cometidas nas suas viagens à Europa e América Latina, cumpriu à risca o que o mentor seu antigo mentor FHC pedira: esqueceu a diferença entre centro e periferia. 

Um deslize, no entanto, foi mais caro ao senador tucano: o indiscreto comentário sobre um possível êxito republicano na corrida presidencial dos Estados Unidos. Ao afrontar Trump, qualificando sua possível vitória como desastre, infringiu a regra plúmbea que distingue centro e periferia.

Foi, portanto, descartado, apesar dos imensos serviços prestados, como fora antes o ex-Deputado Eduardo Cunha: ambos serviram enquanto serviram.

A elite "criolla" não poderia aceitar o tapa na cara que foi o silêncio de Trump após a posse, nem uma ligação telefônica sequer ao golpista mor depois de mais de um mês de mandato, marginalizando ainda mais o Brasil do golpe e estragando o plano da estratégia pífia de Serra, que, segundo ele, deveria nos levar para a mesa dos senhores.

Nessa última semana a Casa Branca alegou "problemas de agenda", o que sabemos, é uma das piores humilhações que podem existir nos códigos da diplomacia. Sendo assim, serviu enquanto serviu. Que a elite "criolla" aprenda: Washington não acredita em lágrimas.

Assim como o golpe que a pariu, a gestão de Serra à frente do Itamaraty foi marcada por atitudes que nunca seriam eleitas pela maioria da população brasileira, e sim eram reflexos de conchavos e grandes interesses que regem a maior parte do sistema político tradicional brasileiro que conhecemos, assumido sem pudores pelos atuais governistas.

Escolhas como a de abrir mão do Pré-Sal, originalmente pensado como fonte de um fundo financiador da educação e saúde de nossas futuras gerações; ou por jogar contra a integração latino-americana, princípio constitucional de nossa política externa, são mais uns entre os infinitos sinais que escancaram o breve e triste governo Temer.

A demissão de Serra, no entanto, é motivo de apreensão. O que virá após o fim da desastrosa política externa transilvânica será certamente mais desastre se considerarmos os nomes cotados para sua substituição na pasta.

Todos eles parecem extraídos de quadros da UDN: Sérgio Amaral, Marcos Galvão, Rubens Barbosa, Aloysio Nunes, José Aníbal e Tasso Jereissati. Serra pode até estar ausente da liderança na formulação e aplicação da política externa brasileira, mas com candidatos como os citados, o vampirismo deverá prosseguir e indubitavelmente continuaremos a presenciar tempos sombrios para a diplomacia brasileira.

Seja quais forem os motivos da saída e qual for o novo chanceler, os requisitos que fundaram a situação em que hoje nos encontramos continuarão aprofundando o abismo entre a política oligárquica, violenta, entreguista, precarizadora e as vontades de um povo cada vez mais indignado com a situação em que nos encontramos.


*Gonzalo Berrón é Doutor em Ciência Política e Diretor de Projetos da FES. Josué Medeiros é professor de Ciência Política. Ambos são membros do Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais/GRRI. Lys Ribeiro é convidada do GR-RI.



​Jornal GGN, ​23/02/17
 



Quatro fatores na demissão de Serra



 

Por Luis Nassif




José Serra é um político à deriva. É detestado no PSDB, suportado no governo Temer e se tornou eleitoralmente irrelevante. Tão irrelevante que a última sondagem CNT sequer o incluiu nas fichas de presidenciáveis.

Seu pedido de demissão deve-se aos seguintes fatores:

Fator 1 – a irrelevância de sua atuação à frente do MRE

O insuspeito O Globo relacionou todos os fatos relevantes da gestão Serra no MRE. Sob o impactante título “As principais passagens  de Serra no MRE”, relacionou os seguintes feitos:
 
·      Defesa do apoio ao governo

·      Polêmica com países bolivarianos

·      Proximidade com a Argentina

·      Passaportes diplomáticos

·      E seu grande momento: Homenagem à Chapecoense.

E nada mais havia para se dizer. O cargo, aliás, comprovou a profunda ignorância de Serra em relação a qualquer tema contemporâneo. Em uma das áreas mais sensíveis, para a reaproximação com os Estados Unidos, não logrou nenhum protagonismo. Sua insegurança era tal que chegou a levar Fernando Henrique Cardoso em um dos primeiros encontros de confronto do Mercosul, pela incapacidade de desenvolver um discurso minimamente eficaz.

Na vitrine o MRE, além disso, ficou escancarada sua baixíssima propensão ao trabalho. Serra é de acordar tarde, dormir tarde e não tem pique gerencial. Por isso, em cargos executivos acaba restringindo sua agenda diária a encontros insossos com um ou outro secretário.

Fator 2 – sua irrelevância política

Serra é detestado no PSDB, aturado no PMDB e descartado no governo Temer. No Palácio, era alvo de piadas e gozações da troupe de Temer, por impropriedades cometidas, a julgar pelos relatos do mais assíduo dos comensais, Jorge Bastos Moreno.

Havendo eleições em 2018, o PSDB teria Geraldo Alckmin ou Aécio Neves e Temer— PMDB apostará em Henrique Meirelles.

A volta para o Senado devolve Serra ao seu habitat natural. Seu maior mérito foi o de sempre ter-se cercado de bons assessores para as atividades parlamentares.

Fator 3 – a Lava Jato

Ao longo de sua carreira, Serra sempre amarelou em momentos graves. Apesar de se dizer defensor de câmbio competitivo, enquanto Ministro do Planejamento de FHC desapareceu das discussões públicas. Anos depois, Gustavo Franco confessaria seu espanto com o baixo nível de informação econômica de Serra.

No governo de São Paulo, as principais crises foram enfrentadas assim:

·      Na greve da USP, mandou a Polícia Militar retirar estudantes a cacetada.

·      Na greve da Polícia Civil, que cercou o Palácio Bandeirantes, recuou rapidamente de sua decisão de não receber grevistas e acabou premiando-os com mais do que as próprias propostas da categoria.

·      Nas enchentes que assolaram o Estado, sumiu. Não presidiu uma reunião sequer da defesa civil, não veio uma vez sequer a público comandar os trabalhos do governo. Quando saiu candidato a presidente, demonstrou não conhecer sequer o conceito de Defesa Civil.

Com as investigações da Lava Jato batendo na sua porte, o pânico é evidente. Até algum tempo atrás, Serra mantinha em casa uma coleção de obras de arte capaz de provocar inveja até em ricos de verdade, como Roberto Civita, dono da Abril. A quebra do sigilo do fundo de investimento de sua filha Verônica certamente teria um efeito devastador sobre seu futuro.

No Senado, Serra voltará a ser mais um dentre muitos – e não um Ministro exposto. E terá tempo para tentar recompor seus laços com a Polícia Federal e o Ministério Público Federal, que lhe permitiram, em outros tempos, montar dossiês mortais e ações policiais contra adversários políticos.

Fator 4 – a doença

Em praticamente todas as fotos em que aparece, como chanceler, há a expressão do olhar vazio, da falta de energia, indicando claramente problemas físicos. Serra alega ter dores na coluna que o impediriam de efetuar viagens longas. É provável.

Mas padece de outros problemas. Colegas tucanos apontam para uma depressão continuada. Cenas recentes – dele não sabendo declinar nomes de países que compõem os BRICs – podem indicar problemas graves de memória, mas pode ser efeito de medicamentos pesados.

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