Folha.com, 02/02/17
Para moralizar é preciso ter moral
Por Guilherme Boulos
Por Guilherme Boulos
Robert Graves nos relata o cenário de corrupção e traições no Império
Romano. Envenenamentos, intrigas e espoliação do patrimônio público. Em
meio a isso, nos diz, havia uma reserva moral, representada pelo general
Agripa, que não tomava parte nos abusos e carregava glórias militares,
angariando amplo respeito em Roma.
No Brasil de hoje, o Judiciário tem buscado chamar para si esse papel,
erguendo-se como a "reserva moral" da nação. Desde o julgamento do
mensalão, que projetou Joaquim Barbosa, até a Lava Jato, que lançou
Sérgio Moro como herói nacional, o protagonismo do Judiciário na
política brasileira é crescente.
Com a desmoralização do Executivo e do Legislativo, uma cúpula de juízes e procuradores ganhou força e soube ocupar o vácuo de poder. A bola da vez é a ministra Cármen Lúcia, que eleva-se – embora sem brilho pessoal – a partir de sua fama de austera.
Diz, porém, a sabedoria popular que para apontar a sujeira no quintal do outro é preciso ter o próprio quintal limpo. O Judiciário colocou-se na linha de frente do combate à corrupção. Muito bem. A questão é quando começará a limpeza de seu quintal.
Os privilégios de que gozam juízes e promotores no Brasil são assombrosos e pouco coerentes com essa cruzada moralizadora. O teto salarial estabelecido pela Constituição ao serviço público é o salário dos ministros do STF, atualmente em R$ 33.763. Um ganho polpudo, mas mesmo assim insuficiente diante da voracidade de muitos magistrados.
A média salarial dos desembargadores era, já em 2015, de R$ 41.802. No Tribunal de Justiça de Minas Gerais a média foi de R$ 56 mil e no de São Paulo, de R$ 52 mil. Os ganhos acima do teto constitucional tornaram-se regra geral graças a uma série de auxílios, gratificações e verbas indenizatórias concedidas pelos juízes a si próprios. Matéria da revista 'Época' desse ano enumerou 32 tipos de complementos desta natureza.
O mais conhecido é o auxílio-moradia a juízes e procuradores. O valor é concedido independe de o beneficiário ter ou não casa própria, e sobre ele não há incidência de imposto de renda nem de contribuição previdenciária. O auxílio pode chegar à bagatela de R$ 4.377 por mês. A título de comparação, o auxílio-moradia pago pela Prefeitura de São Paulo a famílias desabrigadas é de R$ 400.
Há também o auxílio-alimentação, que ultrapassa em alguns casos R$ 3.000, num país onde muitos se indignam que o Bolsa Família dê R$ 85 a pessoas que efetivamente estão à beira da fome.
Mas os privilégios do alto escalão do Judiciário – que evidentemente não se estendem à maioria dos servidores desse poder – vão além dos inchaços salariais. A ausência de controle social faz com que práticas hoje combatidas nos outros poderes sejam rotineiras, como o caso do nepotismo. No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 16% dos funcionários são parentes indicados por outros integrantes.
Nem mesmo o contexto de profunda crise atravessada pelo país fez com que o apetite por benefícios diminuísse. Ao contrário, matéria publicada pela Folha na última segunda-feira (30) mostra que, em 2015, os benefícios complementares do Judiciário aumentaram 30%, passando de R$ 5,5 bilhões para R$ 7,2 bilhões.
Situações como essa fazem do Judiciário brasileiro um dos mais caros do
mundo. O custo de sua manutenção representa 1,3% do PIB. Nos Estados
Unidos esta proporção é de 0,14%, na Alemanha de 0,32% e na tão
amaldiçoada Venezuela de 0,34%.
Até mesmo o maior símbolo do ativismo moral do Judiciário tem explicações a dar. O juiz Sérgio Moro tem seus vencimentos muito acima do teto constitucional. Considerando os últimos doze meses, sua média salarial chegou ao valor bruto de R$ 57.803 mensais, quase R$ 25 mil a mais do que a lei permite. Para alguém cuja devoção fanática impeça de crer nos números, basta acessá-los no site do TRF-4.
Em relação à ministra Cármen Lúcia, está em suas mãos pautar no STF o julgamento sobre a legalidade do auxílio-moradia. Há mais de dois anos, o privilégio é assegurado por uma decisão liminar do ministro Luiz Fux e aguarda decisão final da corte. Até lá a benesse continua: Temer editou em janeiro uma medida provisória liberando R$ 419 milhões para o auxílio.
Dos candidatos a herói nacional espera-se que deem o exemplo abrindo mão de seus acintosos privilégios – como fizeram alguns valorosos juízes e promotores – e defendendo maior controle social sobre o Judiciário. Não é demais notar que trata-se do único poder da República totalmente imune à decisão popular.
Para moralizar o país é preciso, antes de tudo, ter moral.
Com a desmoralização do Executivo e do Legislativo, uma cúpula de juízes e procuradores ganhou força e soube ocupar o vácuo de poder. A bola da vez é a ministra Cármen Lúcia, que eleva-se – embora sem brilho pessoal – a partir de sua fama de austera.
Diz, porém, a sabedoria popular que para apontar a sujeira no quintal do outro é preciso ter o próprio quintal limpo. O Judiciário colocou-se na linha de frente do combate à corrupção. Muito bem. A questão é quando começará a limpeza de seu quintal.
Os privilégios de que gozam juízes e promotores no Brasil são assombrosos e pouco coerentes com essa cruzada moralizadora. O teto salarial estabelecido pela Constituição ao serviço público é o salário dos ministros do STF, atualmente em R$ 33.763. Um ganho polpudo, mas mesmo assim insuficiente diante da voracidade de muitos magistrados.
A média salarial dos desembargadores era, já em 2015, de R$ 41.802. No Tribunal de Justiça de Minas Gerais a média foi de R$ 56 mil e no de São Paulo, de R$ 52 mil. Os ganhos acima do teto constitucional tornaram-se regra geral graças a uma série de auxílios, gratificações e verbas indenizatórias concedidas pelos juízes a si próprios. Matéria da revista 'Época' desse ano enumerou 32 tipos de complementos desta natureza.
O mais conhecido é o auxílio-moradia a juízes e procuradores. O valor é concedido independe de o beneficiário ter ou não casa própria, e sobre ele não há incidência de imposto de renda nem de contribuição previdenciária. O auxílio pode chegar à bagatela de R$ 4.377 por mês. A título de comparação, o auxílio-moradia pago pela Prefeitura de São Paulo a famílias desabrigadas é de R$ 400.
Há também o auxílio-alimentação, que ultrapassa em alguns casos R$ 3.000, num país onde muitos se indignam que o Bolsa Família dê R$ 85 a pessoas que efetivamente estão à beira da fome.
Mas os privilégios do alto escalão do Judiciário – que evidentemente não se estendem à maioria dos servidores desse poder – vão além dos inchaços salariais. A ausência de controle social faz com que práticas hoje combatidas nos outros poderes sejam rotineiras, como o caso do nepotismo. No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, 16% dos funcionários são parentes indicados por outros integrantes.
Nem mesmo o contexto de profunda crise atravessada pelo país fez com que o apetite por benefícios diminuísse. Ao contrário, matéria publicada pela Folha na última segunda-feira (30) mostra que, em 2015, os benefícios complementares do Judiciário aumentaram 30%, passando de R$ 5,5 bilhões para R$ 7,2 bilhões.
Até mesmo o maior símbolo do ativismo moral do Judiciário tem explicações a dar. O juiz Sérgio Moro tem seus vencimentos muito acima do teto constitucional. Considerando os últimos doze meses, sua média salarial chegou ao valor bruto de R$ 57.803 mensais, quase R$ 25 mil a mais do que a lei permite. Para alguém cuja devoção fanática impeça de crer nos números, basta acessá-los no site do TRF-4.
Em relação à ministra Cármen Lúcia, está em suas mãos pautar no STF o julgamento sobre a legalidade do auxílio-moradia. Há mais de dois anos, o privilégio é assegurado por uma decisão liminar do ministro Luiz Fux e aguarda decisão final da corte. Até lá a benesse continua: Temer editou em janeiro uma medida provisória liberando R$ 419 milhões para o auxílio.
Dos candidatos a herói nacional espera-se que deem o exemplo abrindo mão de seus acintosos privilégios – como fizeram alguns valorosos juízes e promotores – e defendendo maior controle social sobre o Judiciário. Não é demais notar que trata-se do único poder da República totalmente imune à decisão popular.
Para moralizar o país é preciso, antes de tudo, ter moral.
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