Conversa Afiada, 03/02/17
Quiseram matar Lula, acertaram dona Marisa
Por Emiliano José*
Os psicanalistas falam do território do indizível.
Há muito dele no momento.
Ainda assim, é preciso buscar o recurso da palavra.
Ela deve ser, talvez a única neste instante, deve ser a faca amolada a denunciar o crime contra dona Marisa Letícia, a serena, extraordinária companheira de Lula.
Quiseram matar Lula - se não podiam fazê-lo com um tiro, com uma faca, queriam, e querem, destruir tudo que ele construiu, todas as políticas reveladoras de seu amor profundo pelo povo, queriam, e querem, destruir toda a simbologia da ascensão de um trabalhador ao posto máximo do País, depois de termos vivido quinhentos anos governados por homens das classes dominantes, mesmo que entre eles, raros, tenham existido dois ou três preocupados com o povo.
Lula, único.
Ele era, e é, o alvo.
Acertaram dona Marisa.
Seu estado se agravou nas últimas horas.
Não suportou o massacre contra seu companheiro, seu marido, seu amor.
Não suportou a devassa contra ela própria, sua casa, sua vida, os filhos nascidos de suas entranhas, a devassa de territórios para ela sagrados.
Que mãe, que mulher suportaria?
Eu não sei rezar.
Não sou homem de fé.
Sou da esperança.
Mas, minha alma não pode deixar de proclamar que os adversários de Lula são os algozes de dona Marisa, os mesmos que fizeram a escravidão, que fizeram a República Velha, que fizeram a ditadura de 1964, o latifúndio, as cidades empobrecidas, são os que deram o golpe de 2016, os que nunca se conformaram com a ascensão de uma família Silva nordestina à presidência da República.
*Jornalista, escritor e doutor em Comunicação
Jornal GGN, 03/02/17
Dona Marisa Letícia
Por Durval Ângelo
O tempo das verdades plurais acabou. Vivemos no tempo da mentira universal. Nunca se mentiu tanto. Vivemos na mentira, todos os dias.
- José Saramago
Dia 22 de setembro de 2016. Agentes da Polícia Federal realizam mais uma prisão arbitrária, dentre as tantas da Lava Jato. Trata-se da sua 23a fase, denominada Operação Zelotes, e desta vez, o cenário do espetáculo midiático é o Hospital Albert Einstein, em São Paulo. Sai de lá, conduzido pelos policiais, o ex-ministro do Planejamento e da Fazenda nos governos de Lula e Dilma, Guido Mantega, que acompanhava sua esposa para uma cirurgia de tratamento de um câncer.
Realizada sob os holofotes da imprensa golpista, com direito até a helicóptero da Globo na cobertura, a prisão decretada pelo juiz "justiceiro" repercutiria muito mal, visto que totalmente injustificada, como afirmaram vários juristas. Poucas horas depois, seria revogada pelo próprio Sérgio Moro. "O padrão da 'lava jato' é algemas fáceis", afirmou à revista Carta Capital, à época, o doutor em direito penal Alberto Zacharias Toron. Verdade. Primeiro prendem, depois perguntam, em um modus operandi capaz de fazer inveja às ações da Gestapo.
Disseram que Mantega havia recebido recursos da corrupção e que estes teriam irrigado os cofres do PT. Provas? Ninguém sabe, ninguém viu. Da mesma forma que não existiam, quando ele foi acusado, em 2015, de modificar decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). O inquérito foi concluído há poucos dias, sem que Mantega fosse indiciado. Mas pouco se falou disso na imprensa, é claro.
Lembramos desse episódio, quando milhões no país choram a morte de Dona Marisa Letícia, para demonstrar que ela está entre as muitas vítimas de uma mentalidade nazifascista que se alastra em nossa sociedade, estimulada por setores da direita e do Judiciário. Vítima de um AVC, com o quadro agravado por uma trombose, Dona Marisa foi submetida a coma induzido.
Enquanto lutava pela vida, a desumanidade corria à solta nas redes sociais e até em manifestações na porta do Hospital Sírio Libanês, onde estava internada. Sem qualquer pudor, aqueles que se autodenominam cidadãos de bem satirizavam e desejavam a morte daquela mulher, esposa e mãe, cujo único crime foi ter sido o esteio emocional e moral de um presidente que ousou governar para os pobres. Ética? Para quê? Uma médica divulgou dados sigilosos do estado de saúde da paciente, enquanto outro "doutor" prescreveu na internet a receita para que fosse assassinada: "Tem que romper no procedimento. Daí, já abre a pupila. E o capeta abraça ela." Inacreditável!
Marisa Letícia foi caluniada, injustamente acusada, moralmente linchada. E contra ela, assim como contra Lula, também nada se provou. Sequer foram indiciados no famoso inquérito do triplex no Guarujá. Mas para muitos, isso tanto faz. Também nada foi comprovado em outras acusações ridículas, como a da compra de um pedalinho para o neto ou sobre o modesto sítio em Atibaia.
Ao passo que tucanos ilustres, como Aécio Neves e José Serra, são recorrentemente citados em delações, como recebedores de milhões em propinas, sem que sejam importunados. Somente a construtora Andrade Gutierrez teria repassado a Aécio - o "Mineirinho" - cerca de R$ 40 milhões, em um esquema de fraude na construção da Cidade Administrativa, conforme divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo, no último dia 2.
Já Dona Marisa foi atacada e viu seu marido e filhos serem perseguidos. Ainda assim, manteve-se firme e discreta. Mulher do povo, sabia o que era resiliência, como narrou Frei Betto em um brilhante artigo sobre sua vida. Filha de um agricultor, estudou somente até a sétima série.
Começou a trabalhar ainda menina, como babá, e aos 13 anos, tornou-se operária. Casou-se com um motorista de caminhão, assassinado seis meses depois, deixando-a grávida do primeiro filho. Anos depois, casou-se com Lula, com quem teve três filhos. Em 1980, teve o marido preso pela ditadura, por 31 dias.
"Marisa não tem a vocação política de Lula, mas sua aguçada sensibilidade funciona como um radar que lhe permite captar o âmago das pessoas e discernir as variáveis de cada situação. Por isso, é capaz de dizer a Lula verdades que o ajudam a não se afastar de sua origem popular nem ceder ao mito que se cria em torno dele. A simplicidade talvez seja o predicado que ela mais admira nas pessoas", definiu Betto.
Após anos de luta e resistência, porém, a guerreira não suportou a pressão. Virou estrela e a ela não mais se fará justiça. Sim, Dona Marisa é vítima. Vítima da intolerância e do preconceito às classes populares. Da criminalização da política e dos movimentos sociais. Da perda de direitos e do desrespeito à Constituição. É vítima do golpe financiado pelas elites, que com o apoio de setores do Judiciário, instalou no governo deste país uma verdadeira quadrilha. Impossível não acrescentar sua morte à cota de culpa da direita suja, da mídia vendida e de um STF omisso.
Nossa solidariedade a Lula e a toda a família. Que este triste episódio sirva de lição para que nossas instituições, especialmente o Poder Judiciário, repensem seu papel e não mais se coloquem a serviço de injustas perseguições, como a que sofre o ex-presidente Lula. Sobretudo, que sirva de alerta ao povo brasileiro para a necessidade urgente de se repensar o Brasil.
Quantas Marisas mais ainda terão que tombar?
http://www.vermelho.org.br/col
Portal Vermelho, 03 de fevereiro de 2017
Os urubus e as mortes de Dona Marisa
Por Uraniano Mota*
Em 2005, quando faleceu Miguel Arraes publiquei no 'La Insignia', na Espanha:
“Os obituários que sempre esvoaçam e rondam a agonia dos grandes homens desta vez falharam no alcance e na sua mira. Urubus, de boa visão e argúcia, desta vez os obituários erraram o cadáver do brasileiro que se vai. E não exatamente por falta de tempo e de informações.”
O que publiquei antes, também se aplica agora, de modo mais cruel em relação a Dona Marisa, a companheira da vida de Lula. Primeiro, porque a mataram de forma lenta e perversa, indigna, quando a envolveram em crimes de corrupção – quem? Sérgio Moro e bando – em compra de apartamento que jamais possuiu. E mais pedalinhos para os netos! Ainda nessa primeira morte a mataram quando viu caluniarem para a humilhação Lula Amado do Brasil. Dessa primeira morte é inescapável a culpa da grande pequena mídia, que acusa primeiro e depois, que publica maldosas hipóteses como fatos consumados, na base do “se não furtou, alguém furtou para ele”. E mais a perseguição nos processos da Lava Jato, onde o criminoso Lula é visto como o chefe secreto da corrupção de todos os tempos no Brasil. Dessa sua primeira morte, mídia, Moro e demais assemelhados têm uma inescapável culpa. Que enviem condolências e sinais de respeito apenas mostram que a hipocrisia respeita a virtude na aparência.
Depois, mataram Dona Marisa de modo mais rápido, quando a tiveram à mercê de cuidados na maca, no hospital Sírio. E aqui, os médicos que desonram o Brasil, que retiram o nosso povo do convívio civilizado, tiveram o seu grande final. A queda mais baixa, que os nivela a seus irmãos nazistas e dos tempos da ditadura brasileira. Começaram pela canalhice de divulgar imagens da tomografia de Dona Marisa. Digamos assim, foi até uma canalhice menor, à altura dos seus braços que esvoaçam corpos indefesos como asas de urubu. Nessa divulgação e chacota, faltaram, perdoem a impropriedade da expressão, ao Juramento de Hipócrates:
“Prometo que aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu poder e entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém...
Aquilo que no exercício ou fora do exercício da profissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja preciso divulgar, eu conservarei inteiramente secreto”.
Richam Faissal Ellakkis
Mas como aconselhava a ironia de Machado de Assis, “suje-se gordo”. Ou
suje-se grande, doutor. Então veio o que ultrapassou o Juramento que
nunca levaram a sério: o neurocirurgião Richam Faissal Ellakkis comentou
com a galera do seu bando: “Esses fdp vão embolizar ainda por cima. Tem
que romper no procedimento. Daí já abre pupila. E o capeta abraça ela”.
O doutor Richam Faissal El Hossain Ellakkis – esse é o nome inteiro do delinquente – não falou sem conhecimento do mal que poderia fazer ou que fez. Ele é especialista em NEUROCIRURGIA VASCULAR E BASE DE CRÂNIO, portanto, falou com absoluta propriedade do crime que gostaria de cometer ou cometeu. Ele passou do Juramento de Hipócrates. Prometeu a execução de um assassinato com ares de deboche, de escárnio, contra mais que a mulher de Lula Amado do Brasil: falou que mataria uma pessoa que precisava de socorro médico. E não lhe faltam antecedentes criminais. Em 2015 foi condenado em sentença judicial, como se vê em rápida pesquisa:
“ACIDENTE DE TRÂNSITO- DJALMA ALEIXO DE LUNA E OUTRO X RICHAM FAISSAL EL HOSSAIN ELLAKKIS. Tópico Final R. Sentença de Fls.73/74: “ ANTE O EXPOSTO, julgo PROCEDENTE o pedido formulado nesta ação para o fim de condenar RICHAM FAISSAL EL HOSSAIN ELLAKKIS a pagar a DJALMA ALEIXO DE LUNA a quantia de R$ 939,56 (novecentos e trinta e nove reais e cinquenta e seis centavos), atualizada pela correção monetária, de acordo com os índices da Tabela Prática do Tribunal de Justiça de São Paulo, e acrescida de juros de mora de 1% ao mês, ambos contados a partir do evento danoso ( 11/08/2015) , em conformidade com as Súmulas433 e544 do Superior Tribunal de Justiça, declarando extinto o processo, nos termos do art.4877, I, doCódigo de Processo Civill”.
Aí está o começo do perfil do grande doutor Richam Faissal, que apenas sujou-se gordo, de modo mais aberto, no crime contra Dona Marisa, que estava à sua mercê no hospital.
No artigo para o La Insignia em 2005 eu terminava com esta citação de um discurso de Miguel Arraes:
"Como homem público, tenho que esperar tudo, sem queixa, porque é minha obrigação ir pra cadeia, se é pra manter a minha posição de defesa do povo e não capitular diante dele. É minha obrigação ir pro exílio, se não posso ficar na minha terra. É minha obrigação manter a posição, manter firmemente a posição que pode mudar o nosso país e melhorar as condições de Pernambuco."
O que poderá dizer Dona Marisa, nesta hora em que se vai na sua última morte? - Punam-se de modo exemplar os criminosos deste Brasil.
Caros Amigos, 03/02/17
Bordadora de estrelas
Por João Paulo Cunha
Marisa Letícia Lula da Silva bordou a primeira bandeira do Partido dos Trabalhadores. A estrela que foi ganhando forma com seu trabalho haveria de iluminar a história brasileira. A luz que se apaga agora deixa ainda presente o calor de sua memória. Há a política que se exerce com ações públicas, mas há a política, tão ou mais necessária, que se tece no dia a dia, em relações marcadas pela coragem e ancoradas no amor e na solidariedade com os próximos.
Muitos dos que hoje se arvoram em defensores da democracia deveriam aprender com dona Marisa lições de destemor na vida real. Enquanto alguns se abrigavam na barra das calças do avô, como coadjuvantes da conciliação temerosa, ela abria sua casa para reuniões do combativo e combatido Sindicato dos Metalúrgicos. Em sua sala dormiram companheiros em busca de refúgio na luta pela liberdade. Em seu quarto, se preparava para visitar o marido na prisão.
É possível imaginar a vida de uma ex-operária, cuidando da família enquanto compunha a gênese de um movimento que iria transformar a vida política nacional. Não eram tarefas opostas, mas que se agregavam na trajetória de uma mulher de luta e determinação. Aprendeu a fazer política, foi conselheira e articuladora quando necessário, e não abandonou as tarefas indelegáveis que o amor lhe entregou.
Nas idas e vindas das conveniências, ela nunca hesitou em escolher o lado certo, mesmo sem fazer alarde de suas opções. Quando muitos se alimentavam do orgulho da proximidade com o poder, ela ocupou a tarefa necessária da presença com discrição. Não quis ser o que nunca foi seu desejo. Não se transformou em primeira-dama protocolar, porque sempre havia sido exemplar em momentos muito mais exigentes, mantendo os valores de seu caráter e a força de suas convicções.
Batalhas infames
Mas a vida exigiria mais de dona Marisa. Não a vida, mas os homens habitados pelo ódio e pelo preconceito. Sentiu na alma e depois no corpo, por uma via tão intangível como real, os ataques daqueles incapazes de respeitar a vontade popular e o caminho da busca da justiça social. A tudo reagiu com a força de sempre, com a dignidade habitual, com a garra de quem defende os seus.
As derradeiras batalhas foram infames. Viu Lula ser ameaçado covardemente numa caçada sem limites, teve os filhos postos sob suspeição e a casa invadida. Foi constrangida a depor sem que antes fosse convocada como cidadã de bem. Legaram-lhe propriedades que não eram suas, exibiram exames médicos como forma de condenação antecipada. Quiseram até mesmo bani-la do tratamento em um hospital paulista por torpe discriminação. Usaram-na para atacar o moral de Lula. Execraram-na pelo silêncio, acusaram-na pelas palavras que não disse.
A morte de dona Marisa pesa em todos nós com a gravidade da tristeza de quem perdeu alguém que aprendeu a admirar e ter afeto. Situações como esta nos conduzem, com sua dor e elaboração necessária, ao difícil trabalho do luto. No entanto, a torpeza da situação que se desenhou nas sombras do sentido da história, por ações de pessoas ruins, marcadas pela maldade em seus sítios defesos das cortes, tribunas e páginas de jornal, parece nos fortalecer também para a luta.
Há uma bandeira escura, que reveste tudo de tristeza nesse momento. Mas desfraldada, com o tempo, pode fazer brilhar novamente a luz de uma estrela tecida por mão de mulher. Sofremos o luto por Marisa e nos solidarizamos com Lula e sua família. Estamos prontos para a luta em nome de sua outra família, da qual todos os brasileiros de bem fazem parte.
♦ João Paulo Cunha é jornalista
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