A Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares vem a público manifestar seu pesar pelo falecimento neste dia da ex-Primeira Dama Marisa Letícia e manifesta sua solidariedade à família Lula da Silva.
A companheira Marisa
emprestou sua força e disposição à construção de um Brasil mais justo e
inclusivo, ajudando a erguer no país a dignidade da maioria do seu
povo, dirimindo a miséria e tirando o Brasil do mapa da fome.
É
com tristeza que vivenciamos esta atmosfera patológica na sociedade
brasileira, na qual presenciamos manifestações facistas mesmo em
momentos de dor como estes.
A empatia e a solidariedade são princípios que nunca faltarão aos médicos e médicas comprometidos com o Povo.
Louvamos ainda a altivez e sensibilidade da família por optarem conceder os órgãos à captação e transplante, atividade exercida pelo nosso Sistema Único de Saúde de forma exímia, e que certamente salvará vidas.
O
momento nos requer proximidade e irrestrito respeito à dignidade da
vida humana. Assim, em Marisa, teremos mais uma lutadora que, deixando a
concretude material da história, ganha as páginas inesquecíveis da
memória e do exemplo.
Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares
São Paulo, 02 de fevereiro de 2017.
Brasil 247, 06/02/17
AVC democrático e hemorragias de ódio
Por Marcelo Zero
Que o
Brasil vai mal, todo mundo sabia. Que o outrora país do "homem
cordial" se tornou o país do homo lupus homini de Hobbes, do ódio
desenfreado, também já parecia evidente para todos há algum tempo.
Mas há
fatos que chocam.
A reação
dos nossos conservadores protofascistas à doença e à morte de Dona Marisa Letícia,
bem como ao discurso de Lula em seu velório, extrapolou tudo o que se tinha
visto até aqui.
E olha
que não foi pouco. Há anos que Lula e sua família vêm sendo vítima de uma caçada
judicial e mediática impiedosa, de uma lawfare cruel e sistemática.
Decididos a desconstruir a maior liderança popular
da história do Brasil, a única capaz de se opor ao golpe, instauraram um
vale-tudo jurídico e ético que faria corar Roland
Freisler, o "juiz do Terceiro Reich". Como muitos juízes tupiniquins de
hoje, Freisler colocou a justiça a serviço da causa da "limpeza da
Alemanha". Como eles, Freisler desconsiderava o direito à defesa e se
comprazia em humilhar seus acusados, em julgamentos midiáticos que atraiam a
opinião pública ávida por linchamentos de "comunistas e judeus".
Com esse vale-tudo absurdo, transformaram
pedalinhos, um barco de lata e um apartamento nunca comprado em provas
irrefutáveis do "maior esquema de corrupção da história do país".
A cretinice
dessas acusações salta aos olhos de qualquer pessoa de QI mediano e um mínimo
de isenção. Na realidade, essas investigações e acusações têm o
mesmo valor de fofocas mirabolantes que circulam as redes sociais, as quais
afirmam que Lula é bilionário e que seus filhos são donos de quase todas as
grandes empresas do país. A diferença é
que essas acusações têm carimbo oficial. Foi com base nelas que Lula e Dona
Marisa foram humilhados até dentro de sua própria casa, no incrível episódio da
"condução coercitiva"
desnecessária e ilegal.
Mas quando o vale-tudo chega até mesmo à
doença, ao sofrimento e à morte dos entes queridos é um sinal de que todos os
limites civilizados foram ultrapassados.
Quando pessoas aparentemente normais vão às portas
de hospitais para celebrar o sofrimento alheio e pedir a morte de adversários
políticos, isso é sinal inequívoco de que algo muito importante morreu no
Brasil.
Quando médicos que fizeram o juramento de
Hipócrates vazam criminosamente exames, sugerem métodos para acelerar a morte
de paciente e tripudiam de seu sofrimento e de seus familiares, é sintoma
inequívoco de que o país está acometido de grave doença. Uma espécie de sociopatia politicamente
motivada, que nega ao outro qualquer traço de humanidade.
Não bastasse essa sociopatia generalizada, há o
cinismo.
Com
efeito, o cinismo dos nossos
protofascistas é inacreditável. Politizaram com requintes de crueldade a vida
privada da Dona Marisa. Politizaram seu sofrimento, sua doença. Politizaram até
a sua tomografia. E, agora, se queixam de que Lula fez um desabafo no velório.
Segundo eles, Lula não pode falar nem no
velório da sua esposa. Tem de ficar caladinho e aguentar passivamente a caçada
judicial a que ele e sua família são submetidos. Só os protofascistas podem
vociferar seu ódio, sua ignorância, sua sociopatia demente. Só eles têm direito
a se expressar, com estridência e crueldade.
Felizmente,
Lula não se calará. Não se vergará a esse ódio insano.
Lula representa tudo o que eles odeiam
mais. Lula é aquela pobre criança do sertão
nordestino que deveria ter morrido antes dos 5 anos, mas que sobreviveu. Lula é
aquele miserável retirante nordestino que veio para São Paulo buscar, contra
todas as probabilidades, emprego e melhores condições de vida, e conseguiu.
Lula é aquele político que não devia ter criado, em plena ditadura militar, um
novo partido independente de esquerda, mas criou. Lula é aquele candidato que
não devia ter chegado ao poder, mas chegou. Lula é
aquele presidente que devia ter fracassado, mas teve êxito extraordinário.
Lula é o excluído que devia ter ficado
em seu lugar, mas não ficou.
Para eles, Lula não deveria existir, mas
existe.
Existe e
não será jamais amordaçado, acorrentado ou extinto. Ao contrário dos golpistas
e dos líderes midiáticos de ocasião, que se nutrem do ódio, Lula mora no coração do povo. Lula se nutre
da esperança de dias melhores em um Brasil para todos. Inclusive
para os que o odeiam. Por isso, Lula já é eterno. Ao contrário de Getúlio, entrou
para a História em vida. Não pode mais ser derrotado.
O Brasil foi acometido de um AVC democrático. Nos corações e mentes de muita gente jorram rios de ódio que ameaçam nos
afogar a todos. Estamos doentes.
Lula é
uma das poucas lideranças, talvez a única, que pode estancar essa terrível
hemorragia e fazer o Brasil se reconciliar.
Em troca, pede apenas um pedido de desculpas para a
sua Galega que virou estrela.
Para quem fez tanto e pode fazer muito mais, é
pouco, muito pouco.
*É
sociólogo, especialista em Relações Internacionais e assessor da liderança do
PT no Senado
Jornal GGN, 06/02/17
Dona
Marisa e morte como triunfo
Por Aldo
Fornazieri*
Escrever
ou não escrever acerca da morte de Dona Marisa tornou-se um dilema e um risco,
seja qual for a opção. Escrever pode representar apenas o acréscimo de mais um
texto dentre tantos textos que foram escritos. Não escrever pode parecer
omissão, dada a gravidade das circunstâncias humanas e desumanas que sua morte
suscitou e os aspectos políticos que ela assumiu. Neste caso, o mais
recomendável é não pecar por omissão, mesmo correndo o risco da irrelevância.
Não
conheci Dona Marisa.
Apenas a vi em alguns encontros políticos quando se fazia presente. Assim, nada
há que falar acerca do que os outros já contaram da sua luta, da sua
perseverança ao lado de Lula, da sua coragem, etc. Há que se dizer apenas da
impressão, e isto é subjetivo, que sua fisionomia suscitava. Lembrava sempre
uma mãe, muitas mães, todas as mães. Ela parecia integrar aquele grupo de
pessoas dotadas de espíritos que se identificam com a mansuetude dos cordeiros,
com a inocência das pombas, com a leveza suave das rosas.
E se esta
era a expressividade do seu semblante aqui já começa um enorme problema. O que fez Dona Marisa ou por que teve sua
dignidade profanada no leito de morte, por médicos, por um procurador da
República ou por violentadores que se esparramam pela internet e pelas ruas
deste triste país? Nada! Dona Marisa não fez absolutamente nada para merecer
este inominável sacrilégio de seres que não merecem ser qualificados nem de
humanos e nem de animais, pois os animais ostentam mais dignidade do que eles.
Praticamente
todas as religiões ensinam que é preciso se deter diante da morte. Até mesmo
nas cruentas guerras existem estes códigos. As tragédias gregas antigas
ensinavam a mesma coisa. Creonte, que não quis permitir que Polinices,
filho do rei Édipo,
fosse enterrado dignamente foi severamente punido pela tragédia por não se
conter diante da morte. Quis que o corpo Polinices fosse jogado a esmo
para ser devorado pelas aves de rapina e pelos cães. Ninguém merece isto e Antígona,
irmã do morto, deixou claro que lutaria para dar um destino digno ao corpo do
irmão, mesmo que fosse necessário violar as leis humanas, pois as leis divinas
são superiores àquelas. Estava disposta a pagar com a própria vida por esta
última demanda de dignidade humana.
Ter dignidade na morte faz parte
das leis divinas e este é um limite que todo ser humano precisa respeitar. Não foi o que se viu no caso de
Dona Marisa. A punição dos profanadores da sua dignidade precisa ser severa. Os médicos precisam ter seu registro caçado
pelo Conselho de Medicina, caso contrário, o Código de Ética Médica não vale
nada. O procurador da República deve ser destituído do cargo, caso
contrário também não haverá ética e nem República. Esses violadores da
dignidade humana merecem viver pelo resto da vida com o castigo, assim como
Creonte teve que conviver com o suicídio do filho e da esposa por conta da sua
tirania e pelo sacrilégio cometido contra um morto.
Lula
afirmou que Dona Marisa se foi triste. Foi como se ela tivesse requisitado a
morte em face do seu sofrimento. Sofrimento por Lula, pelos seus filhos e por
ela. Existem duas atitudes em face das falsas acusações: os belicosos, como
Lula, lutam até o fim para provar a sua inocência e combater seus acusadores.
Os mansos, como era o caso de Dona Marisa, sofrem em silêncio e muitos definham
até a morte. Vejam as crianças e mulheres, vítimas de violências inauditas, o
quanto sofrem caladas.
Dona Marisa foi vítima
de uma violência moral e psicológica indizível por parte
de procuradores, do juiz Moro, da mídia e das
hordas fascistas que pululam em vários ambientes. Conferiram uma escandalização de grandes proporções aos pedalinhos dos
seus netos, que custavam dois mil reais, e do barquinho de latão que comprou a
custo de quatro mil e quinhentos reais. Foi como se Dona Marisa tivesse
assaltado os cofres do Banco Central.
Empalaram
Dona Marisa publicamente porque ela foi ver um triplex de uma cooperativa
habitacional que, no final das contas, terminou nem comprando, ou por ter
frequentado um sítio dos amigos da família. Esses mesmos empaladores da dignidade e da moral alheias calam-se
covardemente em face dos maiores corruptos da República, que hoje estão no
governo. Os inocentes que carregam a mansuetude na alma preferem morrer a
viver com as canalhices humanas, principalmente quando são vítimas dessas
canalhices.
Nestes
casos, a morte não é uma perda, uma derrota, mas um triunfo. Em sua morte Dona Marisa triunfou sobre o
juiz Moro e seus procuradores que deveriam sentir o gosto dos cadáveres morais
em suas bocas como castigo por sua arrogância, pela sua vaidade e pelo seu
narcisismo que não se detém na destruição de reputações, não porque há
convicções morais mesmo que sem provas, mas porque há a ambição da fama e dos
benefícios materiais que ela pode proporcionar. Em sua morte, Dona Marisa
triunfou sobre boa parte da mídia que a vilipendiou num massacre inescrupuloso
para atingir objetivos políticos e econômicos. Em sua morte Dona Marisa
triunfou sobre os médicos e carniceiros em geral que profanaram a sua dignidade
quando ela estava no leito da morte.
A
politização da morte
Tanto
políticos ligados ao governo, quanto políticos ligados ao PT e ao PC do B viram
nos encontros, nas solidariedades, nas condolências e nos abraços suscitados
pelo desenlace como que um sinal dos céus para que se restabeleça o diálogo no
Brasil entre as forças que alimentaram contendas em torno do golpe para uns e
do impeachment para outros. "Mais
do que nunca o Brasil precisa de diálogo", proclamaram alguns.
Se este
governo é fruto de um golpe não pode haver um diálogo pelo diálogo em nome de
uma tese abstrata dos chamados "interesses do Brasil" que ninguém
sabe quais são. Quando se conversa com
um inimigo é preciso estabelecer pré-condições. As pré-condições de conversas
com esse governo devem exigir: a) a suspensão da tramitação da reforma da
Previdência; b) a suspensão da reforma trabalhista que revoga direitos dos
trabalhadores; c) a busca de mecanismos para anular a PEC do teto; d) a
garantia de que esse governo, por ilegítimo, não encaminhará nenhuma proposta
que represente a supressão de direitos. Estes são os verdadeiros interesses do
Brasil porque são os interesses do povo.
Qualquer
"diálogo" com esse governo que não tenha os pré-requisitos, não é
diálogo, mas capitulação. É uma aceitação tácita de que
esse governo é legítimo, o que é inaceitável. Qualquer aceitação de conversas
sem pré-requisitos consiste em promover o velho conciliábulo das elites para
enganar o povo e fazer com que ele pague o custo da crise, como já está pagando
com mais de 12 milhões de desempregados. Qualquer diálogo sem pré-requisitos, o abraço
entre Lula e Fernando
Henrique foi apenas um abraço pessoal, solidário, necessário, nesses
momentos tristes. Ademais, os calços que estes pré-requisitos devem ter não
estão nos gabinetes, nas mesas dos palácios, mas nas lutas das ruas.
*Professor da Escola de Sociologia e Política
neurologista Richam Faissal
Ellekkis
Saúde
Popular, 04/07/17
Os exames de Marisa Letícia e a crise da medicina brasileira
Da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares
“Tem que romper no procedimento.
Daí já abre pupila. E o capeta abraça ela”
A frase acima foi veiculada em matéria do jornal O Globo, dita por um médico em um grupo de WhatsApp ao receber as tomografias vazadas de Marisa Letícia Lula da Silva. O fato de que estes exames tenham vazado já causa revolta. Ler o comentário do “colega” deixaria qualquer um estupefato. Entretanto, para muitos médicos e estudantes de medicina no Brasil tais fatos não se constituem novidade, e eles já existiam bem antes da polarização política que o país vive hoje.
Na trajetória da formação de um médico no Brasil, vamos sendo submetidos aos poucos, em doses homeopáticas, a abusos e absurdos. Seja em um ambulatório de Ginecologia na Faculdade onde dez estudantes fazem o toque vaginal na mesma paciente – é para que eles aprendam, diz o professor à paciente. Seja em um plantão de pronto-socorro onde se aprende a tratar os pacientes de um jeito e os “bandidos” de outro: sem analgésicos, tratados sem o mínimo de empatia e manejados com força desproporcional, como se aqueles que estão ali para cuidar da vida humana quisessem sentir o gosto de “revidar” o mal que supostamente fez o cidadão.
Aprendemos a aceitar que receber trotes violentos “faz parte”, pelo simples fato de que nos próximos 5 anos poderemos “descontar” nos próximos calouros. Aprendemos que fazer plantões ilegais em pequenas cidades no interior, nos passando por médicos, não tem problema, afinal, se não fossem estes cidadãos altruístas, quem atenderia os pobres coitados?1 Aprendemos a ficar calados com os abusos que passamos na Residência médica, desde cargas horárias excessivas até assédio moral dos preceptores. Aprendemos a ouvir calados os impropérios de chefes dos serviços em nome de manter um bom ambiente de trabalho. Tudo isso para “engrossar a casca”, dizem. Com todo esse aprendizado, nos parece que a resiliência é a maior habilidade desenvolvida pela nossa categoria, afinal, se formam muitos médicos e médicas éticos, humanos e comprometidos com a vida.
O episódio do vazamento dos exames da ex-primeira-dama traz à tona essas questões. As tomografias de Marisa Letícia percorreram vários grupos de WhatsApp, de São Paulo para todo o país, e foram recebidas da forma mais natural possível, como se fosse algo corriqueiro receber no celular exames de um paciente que não está sob seus cuidados. Discutir casos com a equipe do próprio hospital nesses grupos, no qual todos são obrigados ao sigilo médico e com o intuito de elucidar diagnósticos, é uma coisa. Mas, neste caso, a quebra do sigilo médico foi notória. O pior é que alguns dos que vazaram o exame não o fizeram com o intuito de discutir um caso clínico, mas sim para tripudiar em cima do sofrimento humano. Não há polarização política que justifique atos como este.
Nestes momentos, nossa categoria fica exposta, na berlinda, com nossos pacientes se perguntando: “Será que isto acontece comigo?”. De forma absolutamente estarrecedora, nos deparamos com comentários de indivíduos que nunca deveriam ter se formado médicos, que não possuem o mínimo de humanidade e ética. Infelizmente é preciso lembrar que há mais destes prestes a se formar, e que é preciso fazer alguma coisa, em nome daqueles que exercem a medicina de forma digna e principalmente em nome de nossos pacientes.
Diante desta crise, a Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares reforça a necessidade de que a sociedade se envolva na discussão dos médicos e médicas que nossos cursos estão formando. Nós, médicos e médicas, somos formados para servir à sociedade brasileira e é com ela que devemos discutir qual profissional devemos formar, com conteúdos éticos e humanistas indissociáveis da boa prática clínica.
Nenhum comentário:
Postar um comentário