Jornal GGN, 15/02/17
Reforma de Temer quebrará Previdência, alertam entidades
Por Lilia Milena
A reforma da Previdência, proposta pelo governo Michel Temer com o argumento de salvar o futuro do sistema de aposentadoria pública no país, aponta para o efeito contrário, colocando a seguridade social em vias de extinção.
A avaliação é do professor do Instituto de Economia da Unicamp,
Eduardo Fagnani, que ao lado de outros 20 economistas da Associação
Nacional dos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP) e do
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos
(DIEESE), assina o relatório “Previdência: reformar para excluir?”,
trabalho que analisa todas as medidas da reforma pretendida.
Em entrevista ao programa online 'Na sala de visitas com Luis Nassif',
Fagnani chamou atenção para a inconsistência dos principais argumentos
defendidos para mudar as regras da aposentadoria pública - do suposto
déficit e o fatalismo demográfico -, utilizados há mais de 30 anos por
Ministros da Fazenda e comprado pelos principais meios de comunicação,
influenciando a percepção negativa sobre o seguro social público.
Não existe déficit
Desde a década de 1930, com Getúlio Vargas, o Brasil trabalha com
um sistema previdenciário financiado por três partes: governo,
empregados e empregadores. Mecanismo mantido pela Constituição Federal
de 1988 que, no Artigo 195, estabeleceu as regras para compor o
orçamento da aposentadoria pública, onde o governo deve participar com
33% da receita (a terça parte), porém a parcela estatal nos últimos anos
foi de apenas 12%.
“Da parte do governo foram criadas [em 1988] duas novas
contribuições: o Confins e a Contribuição Sobre o Lucro (CSLL). Em 1989 o
Maílson da Nóbrega, enquanto Ministro da Fazenda, passou a mão no
Confins e na Contribuição Sobre Lucro e, desde então, a Previdência tem
sido mantida apenas com as receitas do trabalhador e do empregador”,
pontuou Fagnani.
O economista acrescentou que o sistema de financiamento da
aposentadoria no Brasil foi inspirado no modelo dos países europeus que
compõe a OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico, ou grupo dos países mais desenvolvidos).
“Nos países da OCDE a participação média do governo no orçamento
previdência é de quase 50%, o caso mais extremo é o da Dinamarca, onde
75% da seguridade é financiada pelo governo, através do recolhimento dos
impostos gerais”, completou.
A ideia de que a previdência pública deveria ser mantida apenas com
o financiamento do trabalhador e empregador, em um modelo de
capitalização, é outro equívoco que não condiz com as condições
estruturais do Século 21, ponderou o professor.
“Um financiamento mantido apenas com recursos do trabalhador se
justificaria se o mercado de trabalho ainda fosse fordista, quando um
veículo era construído por 50 trabalhadores. Hoje já passamos da
terceira revolução industrial, onde um veículo é construído por quatro
ou cinco trabalhadores, e estamos indo para a quarta revolução, da
chamada indústria 4.0, cada vez mais automatizada”, explicou.
Tal mudança estrutural obriga a uma participação cada vez maior do
Estado, assunto que, em relação à Previdência, já foi superado pelos
europeus, onde hoje se discute a criação de uma renda básica cidadã,
“não mais como um mecanismo de proteção social, mas como um mecanismo de
substituição do salário, porque não vai ter emprego”, acrescentou
Fagnani, acusando o governo Temer de fazer uma reforma baseando-se em um
cenário produtivo de meados do século passado.
"O que nós temos que fazer é transitar, definitivamente, da base
salarial para taxar o capital, para taxar o ganho de produtividade. Esse
é o desafio que nós temos que fazer que, aliás, a Europa já fez",
avaliou o economista, a exemplo de nações como Inglaterra e França, onde
os serviços públicos se tornaram referência em todo o mundo, com
destaque para aposentadoria, saúde e educação.
Envelhecimento como um fardo
Outra falácia apregoada pelos defensores da reforma é que o aumento
da população idosa levará, fatalmente, a uma quebra das contas da
Previdência.
"Eles usam um indicador muito frágil, que é razão de dependência de
idosos. A ideia é que com o envelhecimento cada vez maior, haverá um
número menor de contribuintes, de trabalhadores ativos. Mas esse
indicador parte de um ponto equivocado, porque a Previdência não é
financiada só pelo trabalhador ativo", contra argumentou Fagnani.
Hoje o Brasil investe em torno de 7,5% do Produto Interno Bruto
(PIB) com a Previdência. O economista calcula que, em 40 anos, essa
margem passará para 14%. Portanto, o Brasil tem pela frente tempo
razoável para implementar alternativas que sustentem o orçamento do
setor.
Reforma aumentará miséria
O pacote de Temer pretende equalizar o tempo de contribuição em 25
anos, para o recebimento de uma aposentadoria parcial, ou 49 anos para
aposentadoria integral, tanto para homens quanto para mulheres. Além
disso, estabelece como idade mínima para a aposentadoria 65 anos, com
previsão de chegar a 70 anos, sem levar em conta dados sensíveis como o
nível de expectativa de vida que varia de 79 anos nas regiões mais ricas
do país, como os Jardins paulistas, até 61 anos no Capão Redondo,
periferia da capital, considerando apenas a cidade de São Paulo.
Portanto, caso a reforma passe, uma massa considerável de idosos
jamais receberá aposentaria - podendo até falecer mais depressa pela
queda da qualidade de vida.
Outro ponto preocupante, apontado por Fagnani, é que a proposta
desvincula o Benefício de Prestação Continuada (BPC) do salário mínimo.
Entram nessa faixa trabalhadores do mercado informal, muitos deles,
rurais que se aposentam por idade. A reforma estabelecerá um novo valor
para esse grupo, que poderá sofrer defasagens gravíssimas por não
acompanhar mais o piso do mínimo de remuneração no país.
Fagnani refletiu também sobre o golpe que a reforma dará sobre a
carreira dos mais jovens que, para se aposentarem com 65 anos e 49 anos
de contribuição, vão precisar entrar no mercado de trabalho aos 16
anos.
“Temos que lembrar, ainda, que esse jovem vai precisar permanecer
por meio século em um emprego formal, com carteira assinada. Como é na
OCDE? Lá, em média, as pessoas entram no mercado de trabalho com 23
anos. Portanto, se aqui o indivíduo quiser fazer faculdade primeiro, vai
conseguir se aposentar só com 73 ou 74 anos”.
Quebra programada
A reforma colocará definitivamente a Previdência pública em um
sistema de caixa, primeiro desestimulando a entrada de pessoas na
previdência e, segundo, retirando a maior responsabilidade do Estado
sobre o seu financiamento. Os mais ricos deverão recorrer à previdência
privada, e a classe média e os mais pobres terão dificuldades de se
manter como contribuintes no mercado formal de trabalho, por quase 50
anos. E é esse cenário que levará a uma queda "brutal" da arrecadação,
segundo Fagnani, acrescentando que, atualmente, cerca de 40% dos
trabalhadores ativos já não contribuem com a Previdência pública.
“Deveríamos incorporá-los, mas com essa reforma jamais isso
acontecerá”.
No Brasil, 82% dos idosos têm como fonte de renda a Previdência,
enquanto a média na América Latina é de 45%. A aposentadoria no país
beneficia, diretamente, 20 milhões aposentados urbanos e 10 milhões
rurais. Indiretamente são 60 milhões de beneficiados, membros da família
dos pensionistas. Isso tudo, segundo dados do Instituto Nacional de
Geografia e Estatística (IBGE).
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