quarta-feira, 8 de fevereiro de 2017

Moraes no STF: desfaçatez total e avacalhação generalizada

https://theintercept.com/2017/02/08/ao-escolher-moraes-para-o-stf-temer-esta-cumprindo-a-trama-de-juca/





The Intercept, 08/02/17



Ao escolher Moraes para o STF, Temer está cumprindo a trama de Jucá


 
Por Glenn Greenwald



A grande maioria dos escândalos durante a Presidência de Michel Temer pode ser entendida a partir de um evento crítico: a divulgação da gravação em que seu aliado mais próximo, Romero Jucá (PMDB/RR), secretamente descrevia o “pacto nacional” para interromper a Lava Jato. O plano – que Jucá dizia explicitamente ter sido aprovado pelas instituições nacionais mais importantes: líderes de partidos, a mídia, os militares e o STF (com exceção de Teori Zavascki, morto recentemente) – envolvia o impeachment de Dilma e, posteriormente, o uso do poder nas mãos do PMDB e do PSDB para impedir a continuidade das investigações sobre a corrupção.
 
Desde o começo de sua presidência, Temer levou ao poder exatamente os políticos de seu próprio partido e do PSDB mais envolvidos nos escândalos. Agindo assim, enviava uma clara mensagem: a remoção da presidente democraticamente eleita asseguraria que a maioria dos políticos corruptos em Brasília não seria punida, mas recompensada, protegida e promovida: exatamente como Jucá – ele mesmo implicado na Lava Jato – descreveu. 
 
E, é claro, não é coincidência que o próprio Jucá, depois de forçado a renunciar a seu cargo de ministro quando as gravações foram reveladas, tenha voltado rapidamente como líder de Temer no Senado; ele tem agora mais poder do que nunca.

Há também leis que Temer e seus aliados tentaram impor ao país: anistia àqueles que aceitaram contribuições de campanha ilegais, além de várias medidas para enfraquecer as investigações e os indiciamentos. Algumas destas eram exageradamente imorais e obviamente corruptas para serem aprovadas, mas outras – inclusive a deformação das medidas anticorrupção propostas pelo Ministério Público – passaram. A postura de Temer em relação à Lava Jato foi exatamente como Jucá disse que seria: estancar a sangria, para seus aliados mais próximos no PMDB e no PSDB e também para o próprio presidente.

Por mais flagrantes que sejam esses casos, no entanto, nada se compara ao último passo de Temer quando se trata de tentar compreender em que medida o plano de Jucá ainda está em andamento. A escolha de um agenciador subserviente do PSDB como Alexandre de Moraes para substituir Zavascki no STF deveria dissolver qualquer dúvida sobre o que é Temer e os motivos pelos quais Dilma foi removida em prol de sua ascensão ao Palácio da Alvorada.

Se o Senado confirmar sua escolha – e ninguém é rejeitado há mais de 100 anos – significará que um dos poucos juízes dedicados a proteger a Lava Jato será substituído por um operador político afundado em escândalos políticos, desprovido de estudos jurídicos sérios, e claramente dedicado a proteger seus aliados políticos, ou seja, as figuras mais poderosas de Brasília ameaçadas pelas investigações de corrupção.

Como juiz do STF, Moraes pode ter um impacto significante nos casos da Lava Jato levados à Corte. Suas ações podem beneficiar diretamente não apenas Temer, que o escolheu tanto para o Ministério da Justiça quanto para o STF, mas também figuras importantes do PSDB que até agora foram preservadas nos procedimentos da Lava Jato. Temer escolheu Moraes depois do pesado lobby de figuras influentes do PSDB, que claramente veem grande vantagem em ter um aliado político ao invés de um juiz independente no lugar de Zavascki. Ao escolher alguém com esse perfil, Temer está – uma vez mais – demonstrando desprezo pelo estado de direito, pela independência da justiça e pela população brasileira.

A escolha de Moraes é, aparentemente, um passo largo demais até mesmo para a mídia brasileira que vem insistentemente protegendo Temer. Parte disso se deve a um sentimento de traição: eles asseguravam ao público que a remoção de Dilma e o empoderamento de Temer não impediria as investigações sobre a corrupção.

De fato, o Editor Chefe da revista Época, Diego Escosteguy, dois dias antes da escolha de Temer, declarou: “Alexandre de Moraes não será escolhido” (ele afirmou que havia dito isso porque Temer havia prometido que Moraes não seria escolhido). Entretanto, a Época produziu um vídeo dramatizando as controvérsias de Moraes, enquanto as estrelas pró-impeachment mais proeminentes da Globo, como Miriam Leitão, estão criticando, leve e educadamente criticando a escolha de Temer (“Temer errou . . .Esta não é a hora de escolher para o STF alguém da sua copa e cozinha e membro do PSDB”).

Mas nada disso demonstra com precisão o quão corrupta – e esclarecedora – é a escolha de Temer. Ela não mostra apenas que ele está totalmente comprometido com o acordo que o levou ao poder, exatamente como descrito por Jucá, mas, para além disso, mostra que ele está disposto a implementar o plano de forma aberta, na cara de todos. Temer deixou claro que ele não se importa com sua impopularidade. Ele sabe que o “pacto nacional” ainda está em vigor e que a mídia e as facções políticas mais poderosas aceitam o seu papel: fazer o trabalho sujo – desde planos de austeridade até a eliminação da Lava Jato – que outros políticos não farão.

O “pacto nacional” revelado por Jucá era baseado na crença de que não importa quão ilegítimo e medíocre ele seja, Temer é a única alternativa da nação, a pessoa certa para consertar o maior problema: que as figuras políticas mais importantes de Brasília, de Serra a Aécio, passando pelo próprio Jucá, sejam ameaçados por estas investigações sobre a corrupção. Temer implementou fielmente este pacto, e colocar seu aliado do PSDB na Suprema Corte do país é um dos passos mais importantes até agora em sua missão.



http://operamundi.uol.com.br/conteudo/samuel/46343/moraes+no+stf+expoe+tentativa+de+frustrar+a+lava+jato.shtml?utm





Opera Mundi, 08/02/17




Moraes no STF expõe tentativa de frustrar a Lava Jato




​Por Malu Delgado | Deutsche Welle




Entrevista à DW Brasil de Eloísa Machado de Almeida, da Fundação Getúlio Vargas (FGV) em São Paulo, professora, mestre em direito constitucional pela PUC e doutora em direitos humanos pela USP​.



DW Brasil: A indicação de Alexandre de Moraes é controversa pela extrema proximidade entre ele e Temer num momento crucial da Lava Jato. Mas não é a primeira vez que um indicado tem claras ligações políticas. Qual a sua opinião?

Eloísa Machado: Não há critérios muito exigentes para a indicação de ministro do Supremo. Querendo ou não, gostando ou não, o indicado Alexandre de Moraes preenche os requisitos constitucionais. Porém, penso que, apesar dessa liberdade de se indicar alguém que seja próximo do presidente da República, o caso de Moraes é diferente. A proximidade que ele tem com o governo é mais acentuada que em outros casos.

Pode se tornar um grande problema a presença de um ministro tão próximo do governo no momento em que o governo está sob suspeita de denúncias de corrupção. É evidente que há mecanismos para impedir que ele possa votar e interferir nesse julgamento. Ele mesmo pode se declarar impedido e simplesmente não participar, o que neutralizaria sua posição no julgamento da Lava Jato.


O que quer dizer com proximidade mais acentuada que em outros casos?

Ele era ministro de Estado, é filiado a um partido político, e sempre esteve associado muito mais a cargos do Executivo do que a cargos jurídicos, com exceção da sua carreira, já bastante distante, de promotor. O Gilmar Mendes, por exemplo, foi advogado-geral da União, mas essa é uma carreira jurídica. Tem também o caso do Dias Toffoli, que era advogado de partido [do PT], mas isso não é a mesma coisa que fazer parte do governo. O caso do Nelson Jobim talvez seja o mais próximo do Alexandre de Moraes. Ele também tinha passado por ministérios. Você não tem nenhum critério que impeça isso, isso não torna a nomeação ilegítima, mas pode se tornar um problema quando o governo que indica o ministro vai ficar na berlinda de ações penais. Isso é inédito.


A sabatina, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, também tem aspectos delicados. O líder do PMDB, Renan Calheiros, que atuou na escolha do presidente da CCJ, é réu em ação penal e citado na Lava Jato. Alguns senadores que farão a sabatina também são citados.

Na sabatina do ministro Edson Fachin, que é agora o relator da Lava Jato, vários investigados da operação já participaram. Isso é um problema do Brasil. Com o perdão da expressão, é uma falta de vergonha na cara dos nossos senadores que estão sendo investigados se permitirem participar dessa sabatina. O regimento interno do Senado diz que o senador tem que se declarar impedido se houver interesse pessoal em qualquer votação, de sabatina a projeto de lei. Mas eles são "inconstrangíveis", participam sem qualquer constrangimento.
 

No caso de Alexandre de Moraes, a senhora tem alguma expectativa de que ele se declare impedido no STF nos casos relacionados à Lava Jato?

Ele deveria. Por se tratar de um processo judicial, há outros mecanismos além de o ministro se declarar impedido. Tem o mecanismo da arguição de suspeição, que é julgada pelo plenário. Os advogados dos réus terão esse instrumento. O fato de ele ter sido ministro da Justiça e de ter vazado etapas da operação conduzida pela Polícia Federal pode pesar contra a sua participação. Caso ele não se declare impedido, e caso o plenário não o considere suspeito, há uma grande chance de ele se tornar o revisor das ações penais no plenário do Supremo Tribunal Federal.


A arguição de suspeição pode ser feita pela Procuradoria-Geral da República?

Pode, e avaliada pelo pleno.


A senhora mencionou a "falta de vergonha na cara dos senadores". A expressão cabe também ao governo, pela indicação ao STF?

Acho que não. A discussão é política. Causa mais estranhamento você ter a indicação de ministros desvinculados de ideários partidários, como as últimas promovidas por Lula e Dilma, do que você indicar alguém alinhado a seu projeto político. Isso é muito comum. O problema é que é um nome considerado ruim no meio jurídico. Há juristas melhores. E é um nome considerado ruim no meio político justamente por expor a tentativa de frustrar a Lava Jato. O problema não é a pessoa ser próxima ou não do governo. O problema é que a nomeação tem por objetivo interferir na livre atividade jurisdicional, o que é crime. Isso tudo, claro, depende de como a coisa vai caminhar.


A repercussão da indicação de Moraes em entidades do meio jurídico foi positiva. Não houve críticas. Com base em que a senhora afirma que ele é considerado um nome ruim no meio jurídico?

Com base no meio acadêmico.


Mas ele não tem uma produção intelectual e acadêmica na área?

Sim, tem uma produção, tem um manual de Direito Constitucional, é professor de uma universidade pública bastante relevante. Mas ele não é considerado um grande jurista brasileiro.



Por quê?

O mundo acadêmico é muito voltado para o impacto, o mérito, pela novidade das pesquisas, para a seriedade com que se conduz os estudos, pelas bancas, pelos concursos feitos. Pelos critérios do mundo acadêmico ele não é visto como um grande jurista.


Mas ninguém fez ainda um questionamento público.

E nem farão. Porque os critérios constitucionais [para a indicação ao STF] são muito flexíveis.




​CartaCapital, 07/02/17
 



Moraes no Supremo é o retrato de uma república avacalhada


 
Por Maurício Moraes



​E Alexandre de Moraes chegou lá. E lá ficará até 2043. A nomeação do atual ministro da Justiça para integrar a Suprema Corte no lugar de Teori Zavascki, cuja morte ainda nem foi plenamente digerida pelo País, é o mais recente capítulo da grande avacalhação a que a República tem sido exposta desde a destituição de Dilma Rousseff da presidência.

Se analisarmos a nomeação de Moraes com régua da institucionalidade, aquela da República democrática e da decência política, ele sequer poderia virar ministro. O próprio Alexandre Moraes defendeu isso em sua tese de doutorado na USP. “É vedado (para o cargo de ministro do STF) o acesso daqueles que estiverem no exercício ou tiveram exercido cargo de confiança no Poder Executivo”, disse quem até ontem era ministro de Temer.

Moraes pode se esquivar dizendo algo do tipo: “Esqueçam o que eu escrevi. O que vale é o daqui para adiante”. Só que aí mora o problema.

O tucano vai ser o juiz revisor do processo da Lava Jato. Como pode um ministro que é um dos mais próximos de Temer, filiado ao PSDB, ter isenção para julgar o processo em que seu antigo chefe é citado em dezenas de delações, assim como todo o núcleo duro do governo? 

Como Moraes terá isenção para julgar “Angorá”, apelido de Moreira Franco na lista da Odebrecht, o mesmo que Temer promoveu a ministro na última semana para protegê-lo com o foro privilegiado do STF? Por sinal, movimentação idêntica a de Dilma ao nomear Lula como ministro, com a diferença que desta vez não se escutou nenhuma panela nem qualquer áudio ilegal foi vazado em rede nacional.

Como Moraes será independente ao julgar o “Santo”, vulgo Geraldo Alckmin, seu padrinho político, a quem ele tão bem serviu como Secretário de Segurança Pública, reprimindo com violência até protesto de estudante secundarista? Moraes na ocasião entrou com a Polícia Militar nas escolas sem mandado judicial, rasgando a Constituição da qual ele será em tese um guardião no STF. Isso sem falar que o número de mortes por policiais disparou quando ele esteve à frente da secretaria. 

Vai ainda julgar o ministro da Casa Civil, Eliseu “Primo” Padilha, o ex-presidente do Senado, Renan “Justiça” Calheiros, o recém-eleito para o cargo, Eunício “Índio” de Oliveira, e, claro, Eduardo “Caranguejo” Cunha, de quem já foi advogado. Além dos amigos do PMDB, Moraes vai julgar ainda o aliado do DEM e presidente da Câmara, Rodrigo “Botafogo” Maia. Como acreditar em isenção? 
 
​Vamos lembrar ainda que a costura do nome de Moraes foi feita por Gilmar Mendes, o ministro que nem faz questão de disfarçar sua parcialidade toda vez que o STF julga interesses dos grandes grupos econômicos do país. O mesmo ministro que, apesar de neste momento julgar a validação da chapa eleitoral de Michel Temer, viaja com ele para Portugal num dia, no outro dia jantam os dois com Moreira Franco “Angorá”. E a desfaçatez ganha até registro na Globo, no fim do Fantástico, como se fosse normal juiz jantar com réu.
  
Aos paneleiros cumpre comunicar que a Lava Jato está sendo sufocada, está para morrer. Que vocês foram feitos de palhaço. É o “grande acordo nacional” que o Romero “Caju” Jucá falava naquele áudio vazado antes do impeachment, que ele dizia ser preciso tirar logo Dilma de cena e “botar o Michel”. Que o problema era “Teori Zavascki”. Mas tudo se resolveria com um grande “acordo”, “com o Supremo, com tudo”. Coincidências? 

E vamos lembrar ainda que Moraes já defendeu o uso da tortura em sala de aula e recentemente virou motivo de piada ao gravar um vídeo cortando pés de maconha no Paraguai. Ao apresentar um criticado Plano Nacional de Segurança, disse querer extinguir a maconha da América do Sul. Nem o Capitão América conseguiria tal façanha! 

Até setores conservadores ficaram estarrecidos com a nomeação de Moraes. Como pode um ministro que se mostrou tão incompetente em meio à crise nos presídios, detonada pelo fortalecimento do PCC em todo o país, virar agora ministro do STF? 

Sobre isso, aliás, pesam suspeitas ainda mais estarrecedoras sobre Moraes, que anos atrás foi o advogado de uma empresa “lavanderia” do PCC. Até aí, é legítimo que todos tenham direito à defesa, inclusive o PCC, e advogados criminalistas não devem ser depreciados por isso. Mas não tentem nos fazer achar que é normal que o advogado do maior grupo de crime organizado do País vire ministro da Justiça e depois vá para a Suprema Corte. 

O resumo da ópera bufa é que a avacalhação é a norma na era Temer. Aquela história de República, instituição, democracia parece ter virado apenas conceito teórico que se aprende em livro de juristas como Alexandre Moraes. Apesar de parecer um desastre, a nomeação de Temer para o STF faz todo o sentido para o atual grupo de gangsters que tomou o comando do País e que agora tem fôlego garantido até 2018 (esqueçam a história de cassação de chapa e eleições indiretas).

No Brasil real, do pós-2016, as velhas práticas espúrias se impõem sem qualquer constrangimento sobre qualquer teoria republicana. Talvez sempre tenha sido assim e andávamos iludidos. A única diferença é que antes eles eram mais discretos e nos faziam crer em alguma institucionalidade. Agora, a desfaçatez é total. A avacalhação é generalizada.

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