18/07/2012
A LEGITIMIDADE DO VOTO, A REPÚBLICA E O SENADO
Por Mauro Santayana
Os escândalos
políticos envolvendo o Senado têm conduzido a uma reação equivocada de alguns
setores da opinião pública, que o consideram desnecessário e inútil, e propõem o
sistema unicameral. Um dos problemas mais graves de nossa vida política é o
desconhecimento quase geral do que seja o estado republicano. O mais grave é que
ele resulta de uma decisão histórica das oligarquias dirigentes, que sempre
consideraram o poder como uma coisa dos ricos proprietários rurais, dos
comerciantes abastados das grandes cidades e, logo depois, dos industriais, que
transferiram para o pátio das fábricas a mentalidade de senhores feudais. E
hoje, sobre todos esses interesses, paira o poder financeiro
mundial.
Em razão disso, quando
muito, concede-se às crianças do povo que aprendam a ler mal e a escrever também
mal. Não se ensina o que é Estado, o que é Nação, o que é Política. Desse
desconhecimento padecem muitos senadores e deputados. Isso quando não se elegem
exatamente para agir contra o povo. Assim, são capazes de elaborar leis que
contrariam a razão lógica, sem falar na ética, que, para eles não passa de uma
palavra boa para discurso.
O parlamento devia ser
a reunião dos delegados eleitos, a fim de elaborar as leis que assegurassem,
mediante normas justas, o direito individual e coletivo dos cidadãos, e
contrapor-se ao poder executivo. Essa contraposição necessária se realiza, nos
estados realmente republicanos, na elaboração do orçamento impositivo – e na
fiscalização do respeito da administração ao texto constitucional. Os cidadãos
sustentam as instituições do Estado com os tributos, ou seja, com parcelas de
seu trabalho. Em razão disso, devem dizer em quê e como esse dinheiro será
usado. O orçamento teria que ser o ponto de gravidade dos parlamentos. Mas não é
assim, como todos sabemos, e da distorção do processo orçamentário surgem
algumas das grandes mazelas de nosso sistema.
O sistema
presidencialista de governo, nas repúblicas federativas modernas, como é o caso
do Brasil, se calcam no modelo norte-americano. Os norte-americanos deram à
instituição senatorial – que foram buscar entre os romanos – dupla função: a de
câmara legislativa e revisora, no exercício da representação dos estados
federados. Partiam da idéia de que a Câmara dos Representantes, na base natural
de one man, one vote, significaria a ditadura dos estados mais populosos
sobre os de menor população. Era preciso, portanto, criar o Senado, não na base
da representação proporcional, mas sim, paritária, de forma a que os estados
menores moderassem o poder dos mais populosos. Esse foi também o entendimento
dos constituintes brasileiros de 91. No sistema norte-americano não existem
suplentes de senadores. No caso de vacância de uma cadeira, cada estado, com sua
autonomia legislativa, atua de forma particular para suprir o mandato.
Entre outros equívocos
de nossa Constituição se encontra a figura do suplente de senador. No passado,
durante a vigência da Constituição de 1946, e mesmo na primeira legislatura
depois de 88, muitos dos suplentes eram políticos conhecidos, que tinham vida
partidária ativa, e eram selecionados nas convenções, juntamente com os
aspirantes à posição como titulares.
Longe estamos de um
tempo em que o suplente de senador tinha todas as condições, políticas,
intelectuais e, quase sempre, morais, para substituir o titular. Entre os muitos
exemplos, cito um, o de Edgard de Godói da Matta Machado, que foi suplente do
Senador Itamar Franco.
Atualmente, eles são
escolhidos entre os financiadores dos candidatos principais, como é notório no
caso do suplente do Senador Demóstenes Torres. Sem um só voto, cavalgando na
garupa do candidato goiano, o empresário Wilder Morais chega ao Senado. Como se
informa, o ex-marido da atual senhora Carlos Cachoeira financiou a candidatura
de Demóstenes Torres com 700.000 reais. Não será exagero afirmar que ele
adquiriu a legenda com esse dinheiro e, provavelmente com mais algum obtido
entre seus amigos, amigos muito íntimos, como o próprio Cachoeira.
A opinião pública, em
sua nova atitude diante do poder, que não é bem a dos rebanhos bem comportados,
está chamando os senadores ao brio. Já é hora de emenda constitucional que acabe
com a figura do suplente – esse legislador sem voto – e estabeleça a convocação
de novas eleições regionais, no caso de morte ou impedimento do titular, que
nunca poderá ser deslocado para o poder executivo, sem perda de seu
mandato.
Sem discutir os
méritos dos suplentes, o que devemos ter em conta é a legitimidade do mandato.
Ninguém com um só voto – o do candidato a titular – pode decidir em nome do povo
de um estado, mesmo que seja o mais capaz e o mais honrado.
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