Domingo, 01 de Julho de 2012
#YoSoY 132, a rebelião contra manipulação midiática no México
Eduardo Febbro - Cidade do México
Cidade do México - O impensável sempre tem lugar. Em pleno processo eleitoral mexicano, o impensável se chamou #YoSoY 132, um movimento estudantil que surgiu na Universidade Iberoamericana contra o candidato do PRI, Enrique Peña Nieto, e contra o ultraje da informação simbolizado para os jovens no canal Televisa. Se o movimento estudantil mexicano se definiu claramente contra o representante do PRI, sua irrupção na cena política foi muito mais além da disputa pela presidência. #YoSoY 132 instaurou um espaço de debate e diálogo que soube liberar-se da camisa de força tradicional com que os meios de comunicação do sistema oficial envolvem as sociedades. Por meio da internet e das redes sociais #YoSoY 132 criou um canal paralelo de discussão e de crítica global ao Estado mexicano que não tem precedentes no país.
Ainda que o contexto seja diferente e o México seja uma democracia, a sua maneira repentina e mobilizadora #YoSoY 132 segue a trajetória dos jovens revolucionários do Egito que, graças à internet, conseguiram plasmar uma rebelião contra todo um sistema. Acusado de partidarismo, de servir aos interesses do candidato da esquerda, Andrés Manuel López Obrador, dividido, contaminado pela contrapropaganda, # YoSoY 132 sobreviveu aos ataques e manipulações para deixar uma marca fresca e duradoura.
Como no Egito da Revolução da Praça Tahrir, ou como ocorreu com os indignados espanhóis, #YoSoY 132 se inscreve em uma corrente universal de renovação e saneamento da democracia contra os poderes e interesses incrustados nos grandes meios de comunicação. Como desse chamado quarto poder que é a mídia depende em grande parte a qualidade da democracia, o movimento estudantil agrupado em #YoSoY 132 inventou um quinto poder: a possibilidade de difundir uma verdade não coincidente com a informação normalizada da indústria da informação. De ator periférico #YoSoy 132 se converteu em ator central e chegou até a realizar um debate presidencial com três candidatos, do qual Enrique Peña Nieto não participou.
Ana Rolón, estudante da Universidade Iberoamericana, e Rodrigo Serrano, estudante de Comunicação na mesma universidade, fazem parte do comitê logístico de #YoSoY 132. Têm apenas 22 anos, mas se expressam com a convicção e a maturidade herdada de uma luta política que não sonhavam protagonizar quando saltaram ao primeiro plano há apenas alguns meses.
Neste diálogo com Carta Maior mantido em uma praça do bairro boêmio de Coyoacán, os estudantes-dirigentes delineiam a sociedade na qual se projetam no futuro.
Com que postulado central nasceu e se manteve o #YoSoy 132.
Rodrigo Serrano: Nosso principal postulado é a democratização dos meios de comunicação e a democracia verdadeira. Acreditamos que o candidato do PRI, Peña Nieto, pode ganhar a eleição, mas pensamos que a fraude está também na manipulação da informação. Os meios de comunicação distorcem a informação. Queremos que a democracia mexicana seja uma democracia informada e não uma democracia puramente formal.
Ana Rolon: A democratização dos meios de comunicação vai muito além desta conjuntura eleitoral. Parte do movimento lutou muito pelo voto informado, ou seja, que se ofereça uma informação que integre as propostas dos candidatos e o que cada um deles fez. O que dizemos para as pessoas é: “não vá atrás do marketing político, da propaganda, da cara do candidato”.
Como se situa o movimento com respeito à violência que sacudiu o México nos últimos seis anos e às propostas bastante tímidas dos candidatos?
Ana Rolon: Somos um movimento pacifista. Trata-se de lutar, mas com nossas armas: educação, conhecimento, leitura, cultura, arte.
Rodrigo Serrano: Nos criticaram porque protestávamos contra o governo e não contra os narcos. Mas isso é uma contradição porque o narco é criminal, não obedece à sociedade, mas sim a interesses privados.
Protestar contra o narco é como protestar contra uma árvore. Em troca,
em teoria, o governo funciona para escutar os cidadãos. Por isso, se queremos acabar com a violência, primeiro precisamos de um governo que escute os cidadãos. E essa é a causa pela qual estamos lutando.
Ana Rolon: Nosso movimento exige este diálogo entre governo e cidadania. Por isso nós organizamos um debate entre os candidatos onde o formato mudou totalmente em relação aos debates anteriores organizados pelo IFE, o Instituto Federal Eleitoral. O formato que escolhemos foi: “escuta os que os cidadãos têm a dizer”. Recebemos as perguntas formuladas por toda a cidadania através da internet. E aí se abriu o debate para todos, não importando se o autor da pergunta fosse ou não estudante, do Distrito Federal ou de outra parte. Recebemos 7.100 perguntas provenientes de todo o país. Tomamos o debate desde um lado distinto, dizendo: “Escutem-nos, nós somos a cidadania”.
Vocês, graças às chamadas novas tecnologias, romperam o bloco tradicional no qual funcionam os processos políticos, ou seja, onde os meios de comunicação são intermediários absolutos entre os partidos e os eleitores.
Ana Rolon: Nosso movimento partiu de um vídeo feito por 131 alunos da Universidade Iberoamericana que respondiam aos ataques. Só quisemos dizer: “cuidado, quero usar meu direito de resposta, não preciso enviar uma carta aos editores. Posso usar as tecnologias e te desmentir”.
As novas tecnologias foram então determinantes para o auge do movimento estudantil mexicano.
Rodrigo Serrano: A tecnologia é a espinha dorsal desse movimento. Nos primeiros dias havia uma imagem muito interessante que circulava no Facebook e que dizia: “não é que o México estivesse adormecido, é que não havia a internet”. Há muita gente que está aqui enojada e com as redes sociais se abre a possibilidade de se organizar.
As redes sociais serviram para romper o cerco da informação.
Ana Rolon: Sim. Graças às redes sociais não precisamos ficar esperando que os meios tradicionais informem sobre uma marcha. Não faz falta mais. Nós jogamos muito com tecnologia e com a rua. Assim nós podemos saltar por cima desses meios que nós consideramos de “duvidosa neutralidade”. Por exemplo, como os meios tradicionais sempre distorcem a informação sobre quanta gente participa realmente das marchas, nós cantamos para eles: “não somos um, não somos cem, imprensa vendida, conta-nos bem”. As tecnologias tem nos ajudado muito a limpar o viés dos meios oficiais e ir muito mais além.
Rodrigo Serrano: Muitos canais de televisão não entenderam que, agora, nós somos o meio. Transmite-se através de nosso canal. Esses canais não gostam que não necessitemos deles. Chegaram até a dizer que havíamos firmado um contrato de exclusividade com o Youtube. Mas o Youtube não é um meio, o meio é nosso canal, o canal 131. O sinal está aberto para que seja acessado, mas a produção é nossa. Isso eles não aceitam. Não conseguem entender que agora os cidadãos também podem ser meios de comunicação. O problema central no México não está no fato de que os meios de comunicação e o poder político sejam cúmplices, mas sim que são a mesma coisa. Por isso, não temos uma democracia real.
Ana Rolon: O tema da democratização dos meios de comunicação vai mais além desta eleição presidencial. Vai para sempre. Ganhe quem ganhe, vamos seguir exigindo esse diálogo, essa interação muito mais direta entre cidadãos e políticos. Seguiremos em cima dos meios de comunicação que não respeitam os interesses da cidadania, mas sim os interesses políticos e os interesses privados. Não vamos dormir. Seguiremos exigindo o diálogo. Esse é o grande símbolo.
Como vocês projetam o futuro? Qual papel e que estratégia pretendem adotar?
Rodrigo Serrano: O México já tem um século de governos autoritários e paternalistas onde o governo acredita fazer o favor de promover algumas melhoras para alguns. Mas isso não deve ser assim. Nos últimos 12 anos, nossa democracia foi meramente formal, não se meteu na vida pública. Isso que ocorreu é um sintoma de que os cidadãos se deram conta de que podem exigir e serem escutados. Nós estamos hoje em condições de organizar debates. Os candidatos, o governo ou o presidente não são deuses com os quais não podemos falar. São pessoas e estão aqui para nos atender. São servidores públicos. O que importa agora não é nosso movimento como organização, mas sim como símbolo. Graças ao debate que organizamos com os candidatos, aos protestos contra Peña Nieto, aos protestos contra a Televisa, demonstramos que é possível falar cara a cara com os governantes. Isso, no México, era algo impensável. Eu creio que, ganhe quem ganhe, isso veio para ficar. Pode ser que o PRI conserve ainda o gene autoritário e repressor, mas nós temos agora novas tecnologias de comunicação e um novo modo de pensar. Não vai ser tão fácil.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Ana Rolon: Nosso movimento exige este diálogo entre governo e cidadania. Por isso nós organizamos um debate entre os candidatos onde o formato mudou totalmente em relação aos debates anteriores organizados pelo IFE, o Instituto Federal Eleitoral. O formato que escolhemos foi: “escuta os que os cidadãos têm a dizer”. Recebemos as perguntas formuladas por toda a cidadania através da internet. E aí se abriu o debate para todos, não importando se o autor da pergunta fosse ou não estudante, do Distrito Federal ou de outra parte. Recebemos 7.100 perguntas provenientes de todo o país. Tomamos o debate desde um lado distinto, dizendo: “Escutem-nos, nós somos a cidadania”.
Vocês, graças às chamadas novas tecnologias, romperam o bloco tradicional no qual funcionam os processos políticos, ou seja, onde os meios de comunicação são intermediários absolutos entre os partidos e os eleitores.
Ana Rolon: Nosso movimento partiu de um vídeo feito por 131 alunos da Universidade Iberoamericana que respondiam aos ataques. Só quisemos dizer: “cuidado, quero usar meu direito de resposta, não preciso enviar uma carta aos editores. Posso usar as tecnologias e te desmentir”.
As novas tecnologias foram então determinantes para o auge do movimento estudantil mexicano.
Rodrigo Serrano: A tecnologia é a espinha dorsal desse movimento. Nos primeiros dias havia uma imagem muito interessante que circulava no Facebook e que dizia: “não é que o México estivesse adormecido, é que não havia a internet”. Há muita gente que está aqui enojada e com as redes sociais se abre a possibilidade de se organizar.
As redes sociais serviram para romper o cerco da informação.
Ana Rolon: Sim. Graças às redes sociais não precisamos ficar esperando que os meios tradicionais informem sobre uma marcha. Não faz falta mais. Nós jogamos muito com tecnologia e com a rua. Assim nós podemos saltar por cima desses meios que nós consideramos de “duvidosa neutralidade”. Por exemplo, como os meios tradicionais sempre distorcem a informação sobre quanta gente participa realmente das marchas, nós cantamos para eles: “não somos um, não somos cem, imprensa vendida, conta-nos bem”. As tecnologias tem nos ajudado muito a limpar o viés dos meios oficiais e ir muito mais além.
Rodrigo Serrano: Muitos canais de televisão não entenderam que, agora, nós somos o meio. Transmite-se através de nosso canal. Esses canais não gostam que não necessitemos deles. Chegaram até a dizer que havíamos firmado um contrato de exclusividade com o Youtube. Mas o Youtube não é um meio, o meio é nosso canal, o canal 131. O sinal está aberto para que seja acessado, mas a produção é nossa. Isso eles não aceitam. Não conseguem entender que agora os cidadãos também podem ser meios de comunicação. O problema central no México não está no fato de que os meios de comunicação e o poder político sejam cúmplices, mas sim que são a mesma coisa. Por isso, não temos uma democracia real.
Ana Rolon: O tema da democratização dos meios de comunicação vai mais além desta eleição presidencial. Vai para sempre. Ganhe quem ganhe, vamos seguir exigindo esse diálogo, essa interação muito mais direta entre cidadãos e políticos. Seguiremos em cima dos meios de comunicação que não respeitam os interesses da cidadania, mas sim os interesses políticos e os interesses privados. Não vamos dormir. Seguiremos exigindo o diálogo. Esse é o grande símbolo.
Como vocês projetam o futuro? Qual papel e que estratégia pretendem adotar?
Rodrigo Serrano: O México já tem um século de governos autoritários e paternalistas onde o governo acredita fazer o favor de promover algumas melhoras para alguns. Mas isso não deve ser assim. Nos últimos 12 anos, nossa democracia foi meramente formal, não se meteu na vida pública. Isso que ocorreu é um sintoma de que os cidadãos se deram conta de que podem exigir e serem escutados. Nós estamos hoje em condições de organizar debates. Os candidatos, o governo ou o presidente não são deuses com os quais não podemos falar. São pessoas e estão aqui para nos atender. São servidores públicos. O que importa agora não é nosso movimento como organização, mas sim como símbolo. Graças ao debate que organizamos com os candidatos, aos protestos contra Peña Nieto, aos protestos contra a Televisa, demonstramos que é possível falar cara a cara com os governantes. Isso, no México, era algo impensável. Eu creio que, ganhe quem ganhe, isso veio para ficar. Pode ser que o PRI conserve ainda o gene autoritário e repressor, mas nós temos agora novas tecnologias de comunicação e um novo modo de pensar. Não vai ser tão fácil.
Tradução: Marco Aurélio Weissheimer
Violência do narcotráfico não pautou debate eleitoral no México
Eduardo Febbro - Cidade do México
Cidade do México - O Partido Ação Nacional (PAN), que governou o México nos últimos 12 anos, deixa o poder com um legado de violência jamais alcançado na história do país: 50.000 mortos em seis anos, mais de 5.000 desaparecidos, 8.000 corpos sem identificação e uma coleção de tragédias cujas imagens figuram entre as mais sangrentas dos conflitos armados: decapitações, caminhões repletos de cadáveres, sacos plásticos com corpos despedaçados e um punhado de nomes que se instalaram como territórios de guerra e nos quais os cartéis da droga são amos e senhores da vida e da morte: Tamaulipas, Nuevo León, Veracruz, Michoacán, Sinaloa.
Nesta conta também cabem os nomes de quem dirige os cartéis, hoje tão famosos como as estrelas do cinema ou da televisão. A Procuradoria Geral da República (PGR) estabeleceu que há um total de sete cartéis operando no país e que dois deles, os mais poderosos, são controlados por Joaquim Guzmán, o Chapo, chefe do Cartel de Sinaloa, e por Osiel Cárdenas, chefe do Cartel do Golfo, sob cujo mando opera a rede de sicários denominada os “Zetas”. Mas por mais sangrentas que sejam as cifras de mortos, decapitados, esquartejados ou de pessoas que aparecem penduradas nas pontes, o tema da narcoviolência esteve ausente da campanha eleitoral para as eleições presidenciais deste domingo.
Nem Enrique Peña Nieto, candidato do PRI (Partido Revolucionário Institucional), nem a candidata do governante PAN, Josefina Vázquez Mota, nem o representante da esquerda, Andrés Manuel López Obrador (PRD, Partido da Revolução Democrática) abordaram de frente um tema que, junto à falta de trabalho, aparece como uma das grandes preocupações dos eleitores. Em seu conjunto, os três candidatos prometeram o mesmo que Felipe Calderón: mais trabalho de inteligência, polícias confiáveis e o compromisso de que os militares, que Calderón colocou sem êxito para combater os narcos, regressem aos quartéis. Andrés Manuel López Obrador fixou um calendário de seis meses para a retirada dos militares enquanto Peña anunciou a criação de um corpo de guarda de 40.000 homens e a contratação, como assessor, do general Oscar Naranjo, o homem que capturou o narcotraficante Pablo Escobar.
A campanha estabeleceu um cordão sanitário de silêncio em torno do que é um drama de uma profundidade desoladora. Em entrevista ao Página/12, o sociólogo Emilio Álvarez Icaza, ex-presidente da Comissão de Direitos Humanos do Distrito Federal e atual integrante do Movimento pela Paz com Justiça e Dignidade, do poeta Javier Sicilia, põe em evidência os mecanismos dessa violência, a impunidade de seus atores e a responsabilidade dos Estados Unidos.
- Qual é a combinação de fatores que explicam que se tenha chegado a tais níveis de violência?
- No mapa geopolítico internacional, os cartéis mexicanos começam a competir com a liderança colombiana em matéria de drogas. Parte da droga que ia para os Estados Unidos começa a ficar no México e também essa droga se produz aqui. O México passa então, de um país de trânsito, a um país produtor e consumidor. Esta mudança gerou uma briga pelos mercados e uma disputa territorial. Isso levou os cartéis a negociar com os governadores e a penetrar nos organismos de segurança para garantir a cobertura. Mas o fenômeno foi se multiplicando e a delinquência estendeu seu trabalho do tráfico de drogas ao tráfico de pessoas e ao tráfico de armas. A delinquência constatou que estava sob um manto de impunidade e decidiu multiplicar sua ação com outro fenômeno, ou seja, o sequestro, a extorsão e o delito. Este negócio do delito e da morte se estendeu inclusive aos migrantes, vítimas também do sequestro e da extorsão.
Resumindo, o fenômeno da delinquência no México se explica pela debilitação das estruturas do poder, por uma condição estrutural de corrupção e impunidade, pela penetração nas instituições de segurança e justiça por parte da delinquência. Este coquetel nos mergulhou em uma espiral de violência atroz que, por um lado, lembra o fenômeno colombiano e, por outro, mostra uma ação do Estado que rivaliza com a violência estatal das ditaduras do cone Sul. Na América do Sul a violência teve como argumento a guerra contra o comunismo, aqui é a guerra contra o narcotráfico. Sob este argumento cabe tudo. A tragédia humana é extraordinária. Por essa razão, nós, do Movimento pela paz com Justiça e Dignidade falamos que se enfrenta no México uma emergência nacional.
- Nestes 12 anos de mudanças nos quais o PRI perdeu sua hegemonia não se produziu a transformação mais esperada: que a chamada transição desse lugar a outro tipo de Estado, menos autoritário.
- Isto se explica pelos fenômenos de corrupção e impunidade. Viemos de um Estado profundamente autoritário e de estruturas que não se transformaram. Durante a transição democrática não se conseguiu fazer que as instituições de segurança se tornassem instituições da democracia. Nossas instituições de prevenção do crime, nossas procuradorias e órgãos de de justiça funcionam sob a lógica do velho regime. A transição democrática não conseguiu reestruturar essas instituições. Tudo se converteu então em um contexto de extraordinário risco.
- Que margem terá o poder que surgir das urnas para, pelo menos, tentar mudar esta situação?
- O grande desafio tem a ver com o fato de que não há uma política de Estado em matéria de segurança. O presidente Calderón decidiu lançar o exército às ruas quase em uma decisão unipessoal, nem sequer como uma política de governo e menos ainda como uma política de Estado. Há uma crítica estrutural à política do governo e agora que se perfila a mudança se dá a discussão sobre quais devem ser as ações estruturais para enfrentar este fenômeno.
- Entretanto, os graus de violência que se dão não são única e exclusivamente um problema mexicano. Os Estados Unidos tem uma esmagadora responsabilidade.
- Certamente. Este problema não se entende sem a omissão, cumplicidade e participação dos Estados Unidos. Ocorrem fenômenos inverossímeis. Os Estados Unidos têm capacidade para detectar em suas fronteiras a passagem dos milhares de centro-americanos e mexicanos, mas não têm capacidade para encontrar os aviões, os caminhões e os trens que passam cheios de droga, cheios de armas, cheios de munições e de dinheiro em efetivo. Faz algum tempo eu falava com uma associação de jovens em Ciudad Juárez e a diretora dessa organização me dizia que um rapaz de Juárez, que não tem ocupação, tem como opção trabalhar no traslado dos Estados Unidos para o México de armas, munições e dinheiro. Para isso arruma um veículo e, por cada viagem, recebe 500 dólares. Um jovem pode fazer quatro viagens por semana, com o que ganha 8.000 dólares por mês. O contrato é muito simples: seja qual for a razão, se faltar uma arma, uma bala ou um dólar, morre tu e tua família. Mas esses veículos jamais são encontrados! E, entretanto, são centenas de viagens.
O que se observa então é uma duplicidade moral. Nos Estados Unidos isso é um assunto de saúde pública enquanto na América Latina é um tema de segurança pública. Eles põem os dólares e nós o sangue. Por outro lado, há uma lógica geopolítica muito perversa para nós, na qual o trabalho sujo é feito pela América Latina. A coluna vertebral disto é econômica, mas nesse tema nunca se toca. Nunca se detectam as grandes quantidades de dinheiro que circulam no sistema financeiro. Isto se torna mais agudo quando dos Estados Unidos se realizam ações para se infiltrar no narcotráfico através de dinheiro e de armas. É como se o governo mexicano vendesse droga para ver como morrem os jovens dos Estados Unidos.
Tradução: Libório Junior
O México em seu dia de domingo
Enfim, o dia chegou: uns 80 milhões de eleitores mexicanos decidirão, neste domingo, quem será o próximo presidente do país que tem a segunda maior população e a segunda maior economia da América Latina.
Nas pesquisas eleitorais dos últimos dois meses os números jamais coincidiram. A única coincidência foi a subida veloz do candidato da esquerda, Andrés Manoel López Obrador, do PRD, e o desmilingüimento de Josefina Vázquez Mota, do mesmo PAN do atual presidente Felipe Calderón, o partido que em 2000 elegeu Vicente Fox e terminou com sete décadas de domínio absoluto do PRI, o Partido Revolucionário Institucional. O resto foi pura divergência.
Na liderança das pesquisas esteve, o tempo todo, Enrique Peña Nieto, do PRI, um político jovem, provinciano, de uma ignorância obtusa e com uma aparência que corresponde exatamente – coisa rara na política – ao que é: uma figura meticulosamente construída pelos especialistas em marketing eleitoral. Uma forma atraente, funcional, bem treinada e desprovida de qualquer vestígio de conteúdo. Um mistério, com todos os indícios de ser um desastre.
O escritor Carlos Fuentes, que jamais poderia ser taxado de radical de esquerda, dizia, ao declarar seu voto em López Obrador, que a última coisa que desejava para seu país era ver Peña Nieto presidente. Fuentes foi-se embora de nós no dia 15 de maio, quando seu candidato subia estrondosamente nas pesquisas. Foi-se embora, quem sabe, com essa esperança. Mas tudo indica que acontecerá exatamente aquilo que ele dizia ser a última coisa que desejava para o seu país.
A esta altura, pouco importa ressaltar o vazio ambulante que é Peña Nieto. Para os que mantiveram até a última hora a esperança de que López Obrador virasse o jogo, não será preciso lembrar como a candidatura de Peña Nieto foi alicerçada, reforçada e inflada pelos grandes conglomerados de comunicação de seu país, numa aula magistral de manipulação da informação.
Neste sábado de incertezas, à espera de um domingo de decisões, talvez seja conveniente pensar no país que será entregue ao sucessor de Felipe Calderón.
A economia vai bem. As relações com os Estados Unidos, depois de décadas conturbadas, entraram num ritmo mais suave. Claro que os problemas continuam exatamente os mesmos de sempre, principalmente para os milhões de imigrantes mexicanos – uma boa parte deles vivendo na ilegalidade – que vivem do lado de lá da fronteira. Mas o alinhamento entre México e Washington poucas vezes foi tão rigoroso como agora.
As graves diferenças sociais entre os mexicanos continuam no abismo de sempre. Nos discursos, avançou-se muito. Na vida real, muito pouco.
O país que será entregue ao sucessor de Felipe Calderón viu sua economia crescer de maneira equilibrada ao longo dos últimos anos, enquanto se consolidava sua influência sobre os vizinhos da América Central e se desinflava consideravelmente no resto do continente.
Os governos progressistas da América do Sul sempre tiveram no México, desde a chegada de Fox, e principalmente com Calderón, um bastião de resistência aos projetos de integração continental. A linha defendida pelo México, em aliança com a Colômbia primeiro, e agora com o Chile de Sebastián Piñera, foi a de promover acordos isolados, criando pequenas reproduções do que seria a ALCA (Aliança de Livre Comércio das Américas) tão ansiosamente aspirada por Washington e tão contundentemente fulminada por Brasil e Argentina.
Seja quem for que saia das urnas como presidente, poucas mudanças surgirão na política econômica da segunda economia latino-americana. Tanto assim, que a sacrossanta entidade chamada ‘mercado’ parecia tranquila nas vésperas das eleições. O mercado sabe que o espaço de ação e as margens de manobra que López Obrador terá, caso ganhe, são de uma estreiteza concreta. E sabe que Peña Nieto é um candidato desenhado sob medida justamente para que nada mude.
Com ele, a receita da prudência e da estabilidade estará assegurada. A questão social continuará sendo enaltecida em discursos bem escritos, e esquecida na hora do vamos ver. Será, enfim, o receituário de sempre, com menções inevitáveis e vãs à necessidade de buscar mais crescimento, mais empregos, mais produtividade. Os monopólios e oligopólios manterão suas cadeiras cativas. E milhões de mexicanos continuarão vivendo na mais miserável das misérias e na mais injusta das injustiças.
Há dado, porém, que se impõe, pela urgência: a violência. O México vive uma espiral de barbárie que ninguém sabe onde vai parar. E, pior, ninguém parece saber como parar. Uma estranha guerra civil, entre traficantes. Um país dominado por uma guerra que ninguém sabe ao certo de quem é.
Desde a chegada de Felipe Calderón à presidência, e sua nefasta decisão de declarar guerra aberta ao narcotráfico, o número de mexicanos mortos nas batalhas entre os grandes cartéis de drogas se aproxima a 60 mil. A militarização do combate ao tráfico de drogas provocou um problema que escapou do controle: os cartéis de transformaram em exércitos mais eficazes que o próprio Exército nacional.
O México se manteve firme na posição de maior provedor de drogas do maior mercado mundial, os Estados Unidos. O fluxo de drogas, e o de dinheiro, permanece inalterado. Os norte-americanos continuam entrando em cena com suas narinas. Os mexicanos, com os mortos.
Esse descalabro é, hoje, o cerne da vida mexicana. Há uma nuvem permanente de imagens macabras – decapitados dependurados em postes e pontes, decapitados em automóveis abandonados, corpos queimados atirados em praças, parques, esquinas –, pairando sobre o cotidiano de todos e de cada um dos habitantes do país.
E é debaixo dessa nuvem que o novo presidente mexicano irá enfrentar o dia seguinte ao da vitória. Ele herdará um país cada vez mais atado aos desígnios de Washington. Um México que, graças a esse atestado de boa conduta, atrai capitais, gera rendimentos, se tornou um país bom para os investidores.
Resta saber quando, e como, o México deixará de estar mergulhado em sangue e passará a ser um país bom para os mexicanos.
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