22/07/2012
DE REIS INÚTEIS E DE SEUS VASSALOS
Por Mauro Santayana
(JB) -Um dos mais
ácidos panfletos da História, contra a monarquia, é o livro de Étienne de
la Boétie,
Discours de la Servitude Volontaire. É texto de um adolescente prodígio, que o redigiu
antes dos 18 anos, conforme seu amigo maior, e a quem o autor confiou os
originais, Michel de Montaigne. Étienne morreu aos 33 anos, e Montaigne não se
atreveu a publicar o texto famoso, que ficou conhecido anos depois de sua
própria morte. Redigido no século 16, só no século 17 o livro passou a ser
editado e a ser lido, assim mesmo com muitas
cautelas. La Boétie, no fabuloso talento
prematuro, em que se misturam, ao mesmo tempo, certa ousadia que só a boa fé
juvenil autoriza, e fantástica erudição clássica, pergunta-se por que os homens
se submetem à vontade de um só, sem que nada, nem na natureza, nem na razão,
determine essa submissão.
A monarquia de hoje
não é a mesma daqueles séculos, em que os reis, não todos, mas muitos deles,
comandavam seus exércitos e corriam todos os riscos nas batalhas, como, entre
outros soberanos franceses, fizeram Francisco I e Henrique IV. As famílias reais
de nosso tempo estão mais para a comédia do que para a tragédia; mais para a
farsa do que para o drama. Luis 16 foi o último dos reis a ter a sua cabeça
decapitada. Antes dele, Carlos I da Inglaterra, também conheceu o cepo e a
lâmina do carrasco. Os Romanov, dominados por um grande embusteiro, que foi
Rapustin, eram de um terceiro tipo, o de retardados mentais, não obstante a
crueldade com que reprimiam seu povo, e não foram decapitados, mas
fuzilados.
Hoje, os poucos
príncipes destronados são meros adornos de festas milionárias. Ninguém se
preocupou, nem se preocupa mais, em cortar as cabeças coroadas, porque elas não
valem muita coisa, a não ser a despesa que os povos pagam, para que encabecem a
lista das celebridades inúteis. Os escândalos da
família real espanhola, que estão na ordem do dia, fermentam novamente a
reivindicação republicana na península, oitenta e um anos depois da abdicação de
Afonso XIII. O retorno da monarquia foi útil ao processo de normalização
espanhola, depois da morte de Franco. Todas as forças políticas aceitaram a
fórmula, a fim de evitar nova guerra civil. Cumprido esse papel positivo, a
instituição começa a ser um estorvo. O rei, neto de Alfonso XIII, nunca aceitou,
em sua alma, o regime democrático e, em fevereiro de 1981, segundo indícios
fortes, esteve à frente da conspiração militar contra o governo democrático, que
levou à invasão do parlamento pelo tenente-coronel Antonio Tejero Molina. O
monarca só interveio, com visível contragosto, pela televisão, depois que a
reação dos militares democráticos, no interior dos quartéis, e o pronunciamento
dos governos vizinhos inviabilizaram o golpe.
Agora, os escândalos
reais se sucedem. Enquanto o governo conservador de Mariano Rajoy corta o
orçamento social e a Espanha se submete aos ditados da Alemanha, com o povo em
desespero protestando nas ruas, revela-se que as despesas da Casa Real chegam a
quase seiscentos milhões de euros, incluídos os gastos com as viagens, a
manutenção dos numerosos palácios, a segurança da família do soberano pelas
forças armadas e outras despesas indiretas.
A insensibilidade do
Rei diante do sofrimento do povo que chega, até mesmo, ao escárnio, em certos
momentos, como nas caçadas aos elefantes da África e aos ursos da Romênia, vem
retirando a credibilidade de seus súditos. Tanto nos meios intelectuais, quanto
entre os trabalhadores espanhóis, começa a adensar-se um movimento para o fim do
sistema monárquico e a instauração de uma república
democrática.
Ontem, a Espanha foi
às ruas, em oitenta cidades, para protestar contra a aprovação de medidas de
arrocho contra os trabalhadores, entre elas o fim do 13º salário. Em Madri, os
bombeiros e os policiais civis, chegaram a solidalizar-se com os manifestantes,
e se opuseram a participar da repressão. Um grupo, com seus capacetes postos,
desnudou-se. Um cartaz explicava que o governo os deixara “en
pelotas”. O clima era o da véspera de grandes
acontecimentos.
As nossas relações com
a Espanha monárquica devem ser reavaliadas. Com todas as suas dificuldades
atuais, as elites espanholas continuam a tratar-nos como se fôssemos colônia de
Madri – o que só fomos, e por acidente histórico, entre 1580 e 1640. Em 1580,
depois da morte de D. Sebastião, no norte da África, e de seu sucessor, o
Cardeal D. Henrique, o trono de Portugal foi ocupado por Felipe II, tio de D.
Sebastião. A coroa só foi recuperada para os portugueses, em 1640, pelo Duque de
Bragança.
As grandes virtudes do
povo espanhol sempre foram, e continuam a ser, insultadas pela sua anacrônica,
cara e ociosa nobreza, por nascimento ou pelo êxito nos negócios. E, ao longo de
sua história, talvez a Espanha não tenha tido família real tão insignificante, e
tão corrompida como a de agora.
As dificuldades
econômicas da Espanha de hoje são o resultado desse espírito de presunçosa
superioridade de suas elites. Ao entrar para a Comunidade Econômica Européia, e
obter vultosos recursos do grupo, os espanhóis, em lugar de investi-los no
interior do país, usaram-nos para adquirir empresas na América Latina,
principalmente no Brasil. Era uma nova forma de colonialismo que, apesar do
saqueio, manso e “legal” de nossos recursos, principalmente depois da
embasbacada regência de Fernando Henrique Cardoso, não serviu ao povo espanhol,
embora tenha enriquecido muitos banqueiros.
Agora, o próprio genro
do Rei é acusado de agir como criminoso, ao lavar dinheiro mal havido e
transferir, só para Luxemburgo, mais de 700.000 euros. Suspeita-se de que muito
mais dinheiro não honrado foi remetido para o Exterior. Esse genro, Iñaki
Undagarin, recebe mais de um milhão de euros por ano, como conselheiro da
Telefónica de Espanha para a América Latina. E na América Latina, quem contribui
com mais lucros para a empresa espanhola é exatamente o
Brasil.
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