Há que reconhecer.... Os EUA remuneram muito bem aos seus serviçais.
Quinta-Feira, 12 de Julho de 2012
FHC ouviu o galo cantar; achou que era um tucano
Por Saul Leblon
Fernando Henrique Cardoso recebeu um prêmio da Biblioteca do Congresso dos EUA, cuja primeira edição agraciou a tradição dos intelectuais arrependidos da esquerda. O polonês Leszek Kolakowski inaugurou a fila do 'Pluge' em 2003 depois de concluir uma baldeação do marxismo ortodoxo à rejeição radical da obra de Marx, classificada por ele como a 'maior ilusão do século XX". No caso de FHC, o prêmio de U$ 1 milhão brindou os desdobramentos políticos de suas reflexões sobre a dependência. No entender dos curadores, elas teriam demonstrado como os países periféricos 'podem fazer escolhas inteligentes e estratégicas' (leia-se dentro dos marcos dos livres mercados) mesmo estando em desvantagens em relação às nações industrializadas".
O tucano não decepcionou. Na entrevista após embolsar o galardão falou grosso. E acusou Lula de ser responsável pelas agruras atuais da indústria nativa (perda de competitividade e de peso no PIB), ao interromper as reformas liberalizantes. Isso mesmo, aquelas das quais seu governo foi um instrumento e cuja correspondência no plano internacional, como se verifica, legou-nos um mundo de fastígio e virtudes sociais. O diagnóstico do sociólogo, como se sabe, vem ancorado em atilada visão macroeconômica.
Graças a ela, o Brasil frequentou o guichê do FMI por três vezes em seus oito anos de mandato. Mais recentemente, em 29 de setembro de 2011, quando o governo Dilma reduziu a Selic pela primeira vez e começou a armar o país contra a segunda avalanche da crise vinda da Europa, FHC advertiu no jornal Valor: "A decisão (de cortar os juros) se mostra precipitada diante das previsões de queda do crescimento e mais inflação".
A fina sintonia com o lobby dos bancos, jornalistas e rentistas - que anunciavam o dilúvio após a queda da Selic, de estratosféricos 12,5% para 12%, contra zero nos EUA-, não se confirmou. As previsões do 'mercado' de uma inflação em alta (6,52% então), esfarelaram-se ante o peso descomunal do agravamento do quadro externo. Nesta 4ª feira, depois de um novo corte de 0,5 ponto na Selic, que atingiu um recorde de baixa de 8%, contra um pico histórico de 24,5% em março de 1999, no segundo mandato do sociólogo, ninguém mais se lembrava das doutas advertências feitas por ele em 2011.
O mundo literalmente despenca sob o peso descomunal de uma quase depressão, que avança pelo quinto ano sem perspectivas de solução nos marcos do capitalismo desregrado (leia o texto obrigatório de François Chesnais nesta pág).Os capitais em fuga para a segurança inundam os cofres do Banco Central Europeu e do Tesouro americano, mas também do alemão, que pagam uma taxa de juro inferior à inflação. Ou seja, os ricos preferem pagar para guardar o dinheiro em títulos públicos confiáveis do que investir na produção. O nome disso é colapso sistêmico.
Mais de 17,5 milhões de empregos foram dizimados na Europa; Espanha, Grécia, Portugal, Irlanda caíram sob intervenção da banca para salvar ela própria; Obama chapinha num lodaçal de liquidez que não consegue reerguer a maior economia da terra; a China já sente a retração do comércio mundial que irradia efeitos contracionistas também no Brasil e demais fronteiras da América Latina.
Dos escombros desse desastre de proporções ferroviárias irrompe falação do tucano em defesa das 'reformas'. Sejamos francos, FHC ouviu o galo cantar; achou que era um tucano áulico. A industrialização brasileira vive, de fato, uma compressão decorrente de desequilíbrios internos e externos. O fôlego industrial do país hoje é 5% inferior ao que existia no pré-crise de 2008. Quem acha que a perda é miúda deve ser informado que a corrosão ocorre justamente nos setores de ponta, aqueles que dão o comando aos demais segmentos da economia e da produção. A regressão decorre, em grande parte, da não retificação do substrato neoliberal trazido do ciclo tucano, a saber: privatizações que desguarneceram a capacidade do Estado investir na infraestrutura, indispensável à ampliação da competitividade sistêmica; liberdade de capitais; juros escorchantes; câmbio valorizado e miséria aniquiladora da demanda interna.
O governo Lula optou por atacar com maior contundência dois flancos desse modelo de inserção internacional dependente, construído pelo PSDB: o mercado de massa asfixiado pela fome de emprego, de comida, crédito e salário mínimo e o torniquete financeiro externo, feito de dívida alta e reservas baixas. Poderia ter ido além, afrontando o lobby rentista associado ao câmbio destrutivo? Tecnicamente, deveria. A resposta técnica descuida 'apenas' de um dado: a relação de forças permitiria atacar todas as frentes ao mesmo tempo?
Mal ou bem, as escolhas históricas de Lula deram ao seu segundo governo, e ao primeiro de Dilma, uma base de apoio social ampliada que hoje possibilita aprofundar o descolamento em relação à agenda neoliberal, evocada na nostálgica entrevista de FHC.
Nesse espaço dilatado pela política há uma discussão à espera de seus personagens; ela é sobremaneira urgente.
Até que ponto é possível blindar o país do vagalhão em curso apenas com doses de soro creditício e recuos graduais da Selic, como tem sido feito? Ou ainda: se o investimento privado não comparece para dar impulso sustentável a essa engrenagem, qual deve ser o espaço do Estado na resistência contracíclica à recessão?
Não se trata de menosprezar a importância dos mercados, sobretudo do mercado de capitais, mas as insuficiências da lógica privada ficaram evidentes na recente queda de braços entre o governo e a banca em torno dos spreads . A pendência só se inclinou a favor da redução do custo do dinheiro quando o governo decidiu politizar o tema e acionou uma poderosa alavanca indutora: os bancos estatais, que normatizaram o significado do interesse nacional nesse momemto. O mesmo ocorreu em 2008. Antes da crise, os bancos públicos eram responsáveis por 30% do crédito oferecido; hoje, por 40%. O crédito dos bancos públicos cresceu do equivalente a 15,5% do PIB para 22,5%. Sem eles, o lubrificante básico da atividade econômica, o crédito, minguaria como acontece na Europa agora.
Lição correlata vem da área do petróleo. O mundo estrebucha, mas a Petrobrás reafirmou investimentos de US$ 236, 5 bilhões até 2015 - US$ 142 bilhões em exploração e produção, o que significa uma fabulosa injeção de demanda por máquinas, serviços e equipamentos. Por que a Petrobrás é capaz de fazer, enquanto outras instancias do governo patinam? Levantamentos do Ipea mostram que dos R$ 13,661 bi destinados este ano à construção de rodovias, por exemplo, apenas R$ 2,543 bilhões (18,6%) foram gastos até maio.
Uma das respostas é que a existência da Petrobrás preservou a capacidade de planejamento do país no setor petrolífero; preservou e ampliou seus quadros de alto nível, expandiu o torque de sua engenharia, formou e massificou sua mão de obra; induziu e disseminou uma estratégica cadeia de fornecedores; criou e motivou a implantação de centros de pesquisa de ponta na área. Enfim, fez tudo o que foi suprimido ou interditado no interior do Estado brasileiro nos anos 90, e que um deslocado FHC reivindicou como 'trunfo' desperdiçado por Lula. O resultado desse 'trunfo' é a brutal dificuldade enfrentada agora para destravar investimentos imprescindíveis em infraestrutura, mesmo quando não existe restrição orçamentária. Os ditos 'mercados' não dão conta do recado; o Estado foi programado pelo neoliberalismo para não fazer.
Se quiser de fato ir além de soluços de consumo nos próximos anos, o Brasil talvez tenha que perder o medo de discutir um tema interditado pela ideologia do Estado mínimo nos anos 90: a criação de novas empresas públicas, estatais que possam nuclear setores estratégicos e fazer o mesmo que os bancos públicos e a Petrobrás fazem hoje em suas áreas de referência - colocar o mercado para trabalhar pelo país.
A título de ilustração, vale a pena ler reportagem recente do jornal Valor (abaixo). Ela mostra como até os batalhões de engenharia do Exército, livres do desmonte do ciclo tucano, e à margem das licitações feitas para não funcionar, conseguem entregar obras antes do prazo, em situações em que a livre iniciativa fracassa ou se torna onerosa. Roosevelt na Depressão dos anos 30, nos EUA, fez coisas que deixaram os capitalistas e a mídia de cabelos em pé. Foi acusado de comunista e odiado pelos endinheirados. Mas tinha o apoio dos sindicatos e o voto das ruas; salvou a economia do país. A lição daqueles dias vale para o governo Dilma, mas também convida os sindicatos e a CUT a irem além das reivindicações salariais. A ver.
Exército agora faz até projetos de aeroporto
Valor Econômico - 12/07/2012
Tocando 34 obras pelo Brasil, 25 delas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o Exército passa agora a atuar também fazendo projetos de engenharia. Em agosto, chegam às mãos da Infraero os projetos de engenharia que podem destravar a expansão de três aeroportos: Goiânia (GO), Vitória (ES) e Porto Alegre (RS). O Exército já trabalha na terraplenagem do aeroporto de Guarulhos e na construção da pista de São Gonçalo do Amarante (RN). A presença do Exército na ampliação do sistema aeroportuário está ganhando uma nova dimensão.
O lançamento de um plano de aviação regional, que espera a aprovação da presidente Dilma Rousseff, abre espaço ainda para uma tarefa adicional para o Exército. Ao liberar recursos para expandir o número de aeroportos atendidos por voos regulares de companhias aéreas - das atuais 130 para 200 localidades -, o governo não quer esbarrar na falta de competência técnica. Por isso, pretende colocar o Instituto Militar de Engenharia (IME) à disposição de Estados e prefeituras para a elaboração de projetos que permitam aos aeroportos regionais receber recursos da União.
O que motiva o governo a fortalecer a parceria com os militares são os resultados obtidos até agora na maior porta de entrada e saída do país. A terraplenagem do futuro terminal 3 de Guarulhos, com previsão inicial de entrega em dezembro de 2013, foi antecipada em 15 meses e deverá ser concluída em setembro deste ano. Com isso, a nova concessionária do aeroporto - formada pela Invepar e pela operadora sul-africana ACSA - fica com o caminho aberto para erguer um terminal com capacidade para 12 milhões de passageiros/ano, até a Copa do Mundo de 2014.
Tão impressionante quanto o ganho de tempo foi a redução nos valores. A obra, que inicialmente foi orçada em R$ 417 milhões pela Infraero, já obteve uma economia de R$ 130 milhões e deverá terminar com queda de 25% em relação ao custo original. Cerca de 150 militares trabalham na administração das obras de Guarulhos, que são executadas por três empreiteiras subcontratadas pelo Exército.
Concluídos esses empreendimentos, o contingente será imediatamente realocado para outras frentes de trabalho, com o objetivo de acelerar outras obras assumidas pelos militares. "Antigamente, não tínhamos esse conhecimento técnico sobre o setor aeroportuário, trabalhávamos apenas em campos de pouso e pistas na Amazônia. Hoje, temos essa capacitação e a tendência é que entremos em novos projetos, à medida que formos chamados", disse ao Valor o chefe do Departamento de Engenharia e Construção (DEC) do Exército, general Joaquim Maia Brandão.
O aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN), concedido ao grupo Inframérica - uma aliança da brasileira Engevix com a argentina Corporación América - e que começará a funcionar em 2014, será uma das frentes a ganhar reforço. A iniciativa privada ficou encarregada de construir o terminal de passageiros e coube ao Exército entregar o sistema de pista e pátio de aeronaves, com prazo até o fim do ano que vem.
Para acelerar as obras, dois novos grupos estão sendo deslocados. Primeiro, o batalhão que concluiu um dos lotes da transposição do rio São Francisco, em Cabrobó (PE). Depois, o que vem trabalhando na BR-101, no Rio Grande do Norte.
O general Brandão diz que o Exército ainda não alterou o prazo de entrega de São Gonçalo (dezembro de 2013), mas admite a possibilidade de antecipação do cronograma "dependendo das condições meteorológicas". A pista de pouso e decolagem já foi concluída. Falta ainda avançar nos serviços de drenagem, sinalização e balizamento.
As equipes chefiadas por Brandão também estão trabalhando na reforma da pista do aeroporto de Rio Branco (AC), fechada uma vez a cada 15 dias, para as obras de recuperação. Mas é na área de elaboração de projetos básicos e executivos de engenharia que podem surgir novidades nas próximas semanas.
Em agosto, o Exército entregará os projetos executivos para a ampliação da infraestrutura de pistas e pátios de aeronaves em Goiânia e em Vitória.
Com isso, a expectativa da Infraero é retomar obras completamente paradas há cinco anos. Em 2007, após o Tribunal de Contas da União (TCU) ter encontrado indícios de irregularidades nos contratos da estatal com as empreiteiras vencedoras das licitações, as obras dos dois aeroportos foram interrompidas.
O general admite que hoje o Exército trabalha à beira do limite, mas a conclusão dos três projetos para a estatal pode abrir espaço para outras parcerias nos aeroportos. Com um contingente de 15 mil homens em obras de infraestrutura pelo país, o Exército procura deslocar militares, em vez de aumentar o efetivo. "Assumir novos projetos é uma decisão que depende de convite da Infraero", diz Brandão.
O presidente da Infraero, Gustavo do Vale, deixa o caminho aberto para continuar usando os serviços dos militares. "Quando eles terminarem o que estão fazendo, ficamos de conversar. Não abro mão da parceria que temos com o Exército. Ela tem sido exitosa em todos os sentidos", diz.
Até agora, o Exército teve três tipos de participação nas obras da Infraero: gestor de contratos com empreiteiras, executor de obras e projetista. Entre as modalidades, diz Vale, a tendência é intensificar os trabalhos de administração - como ocorre em Guarulhos - e de execução dos empreendimentos, caso de São Gonçalo do Amarante. Hoje há uma lista de obras públicas à espera da "empreiteira" militar.
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