terça-feira, 24 de julho de 2012

Os paraísos fiscais e a nova servidão dos pobres

 
 
 
24/07/2012
 
 

OS PARAÍSOS FISCAIS E A NOVA SERVIDÃO DOS POBRES

 
Por Mauro Santayana
 
 
(JB)-O grande pensador britânico George E. Moore, que influenciou, entre outros, Bertrand Russell, e, por seu intermédio, Wittgenstein, buscou, como tantos filósofos, o amálgama entre a lógica e a ética. É provável que o tenha encontrado, ao afirmar que o fundamento de toda filosofia é o bom senso.

Qualquer pessoa dotada de razão é capaz de distinguir entre o bem e o mal, ao examinar determinada situação, a partir do senso comum. Sendo assim, sob qualquer exercício da inteligência, os grandes bancos do mundo não passam de quadrilhas de assaltantes. Não só assaltam isoladamente, mediante as taxas exacerbadas de juros e dos serviços que prestam, mas se associam a outros assaltantes para lesar os trabalhadores e os empreendedores honrados do mundo inteiro.

Os 50 maiores bancos do mundo, segundo os estudos da Tax Justice Network - da qual é um dos dirigentes o notável contabilista britânico Richard Murphy - são responsáveis pela transferência ilegal de 21 trilhões de dólares, em sua imensa maioria dos países em desenvolvimento, para os paraísos fiscais. A cifra é superior à soma do PIB dos Estados Unidos e do Japão. Trata-se de um duplo delito: o dinheiro, que poderia ser usado no desenvolvimento econômico interno, vai ser empregado na especulação financeira ou em investimentos nos países mais ricos do mundo, e são sonegados os impostos devidos aos estados nacionais. Trata-se de um assalto aos que, realmente, o produziram com o seu trabalho.

Os paraísos fiscais não acolhem apenas o dinheiro subtraído ao fisco, mas servem de bom refúgio aos recursos - empapados de sangue e marcados pelo sofrimento de milhões de famílias – procedentes do tráfico de drogas. Como se revelou recentemente, o HSBC admitiu ter servido para a lavagem de dinheiro das quadrilhas mexicanas de narcotráfico.

Os paraísos fiscais se multiplicaram, no mundo, a partir da deregulation anglo-americana dos anos 80, promovida por Reagan e Thatcher, com o objetivo de restaurar o processo de acumulação acelerada do capitalismo do fim do século 19. Embora já houvesse tais paraísos – e a Suíça é o mais antigo e o mais seguro deles – houve perversa competição entre governos de nações menores, com o objetivo de ganhar o máximo na guarda simbólica de tais valores, que não se transferem fisicamente para tais territórios. Sem os bancos de presença internacional, não seria possível essa peregrinação de recursos ilícitos. Para escapar à vigilância das autoridades honradas de alguns países (porque elas existem), tais recursos virtuais costumam peregrinar, indo de Tóquio a Berlim, de Berlim a Cingapura, de Cingapura a Santiago em alguns minutos, para, em seguida, refugiar-se onde não possam ser localizados.

De acordo com o estudo, os três maiores bancos responsáveis pela evasão de recursos são a UBS (União de Bancos Suíços), o Crédit Suisse e o Goldman Sachs. Eles encabeçam a lista, mas nenhum dos bancos privados que operam internacionalmente se encontram limpos. Uns mais, outros menos, operam na criminalidade. Não há povos que não sejam vítimas desse saqueio mundial.

Conforme o levantamento, a evasão maior procede da China, com mais de um trilhão de dólares nos paraísos fiscais. E estamos em posição desconfortável. Os nossos sonegadores e prováveis integrantes de quadrilhas de narcotraficantes e de corruptos e concussionários, mantêm mais de 520 bilhões de dólares em tais “paraísos”. Quando o então presidente Itamar Franco quis nomear um contador para o Banco Central, o mundo caiu sobre a sua cabeça. Itamar queria conhecer o conteúdo da chamada “caixa preta” da instituição. O principal denunciador dos paraísos fiscais, o contador Richard Murphy, atribui à fragilidade das leis que regem os sistemas contábeis dos grandes países a responsabilidade pelos crimes cometidos pelas grandes corporações, sobretudo as financeiras, contra os povos do mundo e, assim, pela brutal desigualdade social de nosso tempo.

Os bancos devem ter seus negócios expostos aos acionistas e clientes, e sob a fiscalização permanente das autoridades. Como se sabe, os sonegadores – entre eles, os bancos – operam com duas contabilidades, a real e outra para efeito público. Isso só é possível porque eles financiam as eleições, determinam como devem ser as leis, controlam os meios de informação e cooptam os formadores de opinião.
Se os cidadãos do mundo inteiro não se mobilizarem, o destino dos povos será aquele que parece esperar os gregos, os espanhóis, os sicilianos: nova e mais insidiosa servidão.



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Le Monde.fr – 23/07/2012
 
 
A evasão fiscal mundial: dez vezes o PIB da França
 
Por Soren Seelow
 
 
Imagine a riqueza nacional anual produzida nos EUA e no Japão. Esta será o valor do montante da evasão fiscal acumulada ao fim de alguns anos por pessoas físicas, segundo um estudo realizado pela Organização Não Governamental Tax Justice Network (Rede de Justiça Tributária), analisado na página do jornal britânico The Guardian em dois artigos recentes.
De acordo com dados obtidos com o Banco Mundial, com o Fundo Monetário Internacional, com as Nações Unidas e com os bancos centrais, os ativos financeiros pertencentes a pessoas físicas desviados para os paraísos fiscais alcançariam 17 trilhões de Euros.
O autor do estudo, James Henry, ex-economista-chefe do governo McKinsey, estima que seus números estão provavelmente subavaliados: a verdadeira soma poderia, segundo ele, situar-se em torno de 26 trilhões de Euros, ou seja, dez vezes o PIB francês.
Um buraco negro na economia mundial
Enquanto os governos europeus não param de aumentar a carga fiscal sobre seus cidadãos para reduzir suas dívidas públicas e os países mais pobres lutam para poder pagar as suas, o Tax Justice Network se interroga sobre o deficit dos estados. O estudo usa como hipótese de trabalho que esses bilhões desviados em impostos rendam a cada ano 3% para seus proprietários. Supondo que os governos fossem capazes de taxar essa renda a, digamos, 30%, então entre 155 e 225 bilhões de Euros retornariam a cada ano aos cofres públicos, ou seja, um valor superior ao orçamento anual da ajuda ao desenvolvimento. "Há um enorme buraco negro na economia global", diz o autor do estudo.
O buraco negro é visível nas estatísticas financeiras elaboradas pelas principais organizações internacionais. "As estatísticas padrão, como as do FMI, revelam inconsistências fundamentais, afirma o economista Thomas Piketty, especialista em desigualdades. Em termos globais, a balança de pagamentos deveria ser zero, mas não é: é sempre negativa. Vários pontos do PIB são perdidos anualmente. Dirigir uma crise financeira global nestas condições é um desafio. A Europa, neste respeito, tem se comportado como uma verdadeira peneira, porque não tem a influência política de países como a Suíça ou as Ilhas Cayman. Deve, portanto, parecer óbvio que não se pode ficar rico negociando com os seus vizinhos enquanto estes drenam as suas receitas fiscais."
Neste déficit colossal para todos os países do mundo, devemos ainda acrescentar ativos não financeiros dos "multimilionários" (obras de arte, imóveis, ouro ...), não abordados neste estudo e dinheiro de empresas que são legalmente isentas de impostos, através de programas de incentivo e renúncia fiscal.

Tradução: Argemiro Pertence

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