sexta-feira, 20 de julho de 2012

“Que se jodan, pero mira cómo roban!”

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Ninguém aguenta mais: a Espanha vai às ruas


Por Saul Leblon

 
Mais de 100 mil pessoas ocuparam a praça do Sol, em Madrid, na noite desta 5ª feira. Protestos tomaram outras 80 cidades da Espanha. As centrais sindicais exigem um plebiscito para definir o futuro da sociedade e da economia. As manifestações explodiram no mesmo dia em que o Congresso - dominado pela direita do PP - aprovou o novo pacote de arrocho ditado pela cúpula do euro à Madrid. O governo conservador de Mariano Rajoy já não comanda; o Palpacio de la Moncloa está sob intervenção direta dos homens de negro de Bruxelas que impõem medidas, fiscalizam políticas e fuçam as contas do Estado.

Em troca de empréstimos para salvar os bancos, cuja primeira parcela de 30 bi foi liberada esta semana, o Eurogrupo determinou cortes adicionais da ordem de 65 bi no fragilizado tecido social espanhol
. O pacote sancionado nesta 5ª feira impõe perdas salariais aos funcionários públicos, eleva impostos e retalha adicionalmente orçamentos essenciais e restringe o auxílio desemprego em meio a um quadro de reduçao epidêmica de vagas. Bombeiros aplaudiam manifestantes nas ruas de algumas cidades nesta 5ª feira - os homens do fogo também foram atingidos pelo incêndio neoliberal em que se transformou a Espanha.

O sacrifício é visto como inútil até pelos economistas conservadores: a Espanha já quebrou. Ao alimentar a recessão com mais arrocho o governo sabota sua própria capacidade de obter receita e pagar contas. Os capitais sabem e fogem do país; mais de 200 bilhões de euros saíram este ano da Espanha: é o dobro do volume que Bruxelas acena emprestar para salvar os bancos.

A conta não fecha. Investidores preferem guardar o dinheiro na Alemanha, e receber juro negativo, do que financiar o governo desastrado da direita espanhola, que lhes paga taxas recordes insustentáveis de 7%. A derrocada espanhola é a síntese de dois momentos do ciclo neoliberal: a omissão estatal no ciclo de alta, feito de supremacia das bolhas de crédito e desregulamentação especulativa; e a ausência de soberania estatal agora, no colapso do modelo, quando a finança submete toda a sociedade à opressão para salvar-se.

O que as ruas de Madrid estão dizendo, finalmente, é que os espanhóis querem o Estado de volta para defendê-los; não para dilapidá-los com aguilhões e espetos da impunidade rentista. Trata-se de uma agenda universal.
 
Guilherme Kolling
 
Povo espanhol pede sacrifícios de políticos e banqueiros


Guilherme Kolling, de Madri


Madri - “A joderlos!, ooéé! A joderlos, ooéé!”... O principal grito de guerra da torcida da Espanha na Eurocopa 2012 (o original é Por La Roja!, ooéé!) ganhou uma paródia malcriada que ecoou pelas principais vias do centro de Madri na noite desta quinta-feira. Quem cantava era o povo que saiu às ruas para protestar. O alvo eram políticos e banqueiros.

A inspiração veio da deputada Andrea Fabra, do conservador Partido Popular (PP), que foi flagrada dizendo 'que se jodan!', durante a apresentação no Congresso espanhol do corte de 65 bilhões de euros anunciado pelo governo na semana passada.

A população atingida pela medida reagiu com força, em 80 cidades. Em Madri, mais de 100 mil pessoas participaram da marcha pelo Paseo del Prado, Calle de Alcalá, até chegar na Puerta del Sol.

Um deles era Carlos Gaudencio, funcionário da prefeitura que exibia um cartaz parafraseando a deputada do PP, mas atacando os políticos. “Que se jodan, pero mira cómo roban!” Havia muitos outros estandartes nesse estilo, caso de uma bandeira da União Europeia contornada pelos dizeres “Bancos y políticos, que se jodan”.

Organizado pelos principais sindicatos do país ibérico, o ato tinha como título “Quieren arruinar com el país. Hay que impedirlo. Somo más”. Teve apoio maciço de centenas de entidades e de milhares de cidadãos que simplesmente desejavam manifestar seu descontentamento com as medidas do governo de direita comandado por Mariano Rajoy (PP).

O pacote aumenta impostos e sacrifica funcionários públicos, aposentados e desempregados. Nem educação nem saúde foram poupados. Rajoy declarou que não gostaria de ter adotado as medidas, mas justificou que não havia outra opção para a Espanha, que precisa reduzir seu déficit para receber o resgate de 100 bilhões de euros da União Europeia para salvar seus bancos.

A interpretação exibida nas ruas é outra. Seja no “Manos arriba! Eso es un asalto!”, uma das palavras de ordem da caminhada, ou no cartaz com os dizeres “Nos roban dinero para dar a los banqueros”.

Ao invés de cortes nos salários e em áreas sociais, os manifestantes defendem menos dinheiro às instituições financeiras, menos cargos políticos, redução dos altos salários e nas benesses de parlamentares.

“Nesses últimos três meses, tivemos perdas que superam 5 mil euros. São 5 mil euros a menos por ano no nosso salário!”, denunciava o bombeiro José Luis Garcia, integrante de uma das classes que esteve em peso na passeata de Madri. “Nos tiraram salário extra, pagamento de Natal, seguro médico, auxílio-alimentação. Antes de fazer isso, poderiam extinguir pelo menos uns 80% dos cargos políticos desse país”, sugeriu.

Além de bombeiros, profissionais do canal de televisão Telemadrid, enfermeiros, profissionais da educação e até mesmo policiais engrossaram a marcha. A classe cultural também se mobilizou, com direito a presença ilustre do ator Javier Barden. “Cultura no es lujo, era um dos dizeres do grupo.

A tese do corte de benesses à classe política foi repetida por vários ativistas, que se referiam a uma pesquisa divulgada neste ano, que revelou que a Espanha tem mais de 400 mil cargos políticos, número muito superior aos pouco mais de 100 mil que existem na Alemanha.

Julia Ogaña, funcionária do Estado de Madri, observou que a suspensão do salário extra e do pagamento de Natal não atinge parlamentares, que recebem esse valor diluído nos vencimentos mensais.
A administradora de empresas Nieves Palomares, 50 anos, está desempregada e vai ser atingida pelos cortes. Ela compara a ajuda de algumas centenas de euros recebida por quem está sem trabalho com salários em cargos públicos que superam 100 mil euros. “Não seria mais justo diminuir um pouco o soldo deles?”, questiona.

Reduzir recursos da Família Real ou cortar os benefícios fiscais da Igreja foram outras sugestões dos manifestantes. No manifesto lido na Puerta del Sol ao final da caminhada, ficou a promessa de que, enquanto o povo não for ouvido, permanecerá protestando na rua.

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