30/03/2012
A CÚPULA DOS BRICS E O BOICOTE DA MÍDIA OCIDENTAL .
Por Mauro Santayana
Essa
estratégia – com a relativa exceção dos meios especializados em
economia - vai de simplesmente ignorar o encontro, à tentativa de
diminuir sua importância, ou semear dúvidas sobre a unidade dos
principais países emergentes, tentando ressaltar suas diferenças, no
lugar do reconhecer o que realmente importa: a política comum dos BRICS
de oposição à postura neocolonial de uma Europa e de um EUA cada vez
mais instáveis, que se debatem com um franco processo de decadência
econômica, diplomática e social.
Para
isso, a mídia ocidental – incluindo a “nossa” - ignora os despachos das
agências oficiais dos BRICS, principalmente as russas e as chinesas,
que ressaltam a importância do Grupo e de suas iniciativas para suas
próprias nações – o Brasil inexplicavelmente ainda não possui serviços
noticiosos em outros idiomas, coisa que até mesmo Angola utiliza, e
muito bem – e se concentra em procurar e entrevistar observadores
“ocidentais” ou pró-ocidentais situados em esses países, que se dedicam
a repetir a cantilena da “impossibilidade” do estabelecimento de uma
aliança geopolítica de fato entre o Brasil, a Rússia, a Índia, a China e
a África do Sul, baseados nos seguintes argumentos:
-
A “distância” entre o Brasil, a África do Sul, e a Rússia, a índia e a
China, como se em um mundo em que a informação é instantânea e um míssil
atinge qualquer ponto do globo em menos de quatro horas, isso tivesse a
menor importância.
-
O fato de a África do Sul, o Brasil e a Índia serem democracias, e a
China e a Rússia não serem democracias “plenas ” segundo o elástico
conceito ocidental, que não considera a Venezuela uma democracia
“plena”, mas o Kuwait ou a Arábia Saudita – autocracias herdadas e
governadas pelo direito de sangue - sim.
-
A concorrência da Índia, da China e da índia no espaço asiático, como
se esses três países não cooperassem, até mesmo no campo militar, e não
mantivessem reuniões, há muitos anos, para resolução de problemas
eventuais.
-
A rotulagem desses países em “exportadores de commodities” como a
Rússia e o Brasil, “provedores de serviços”, como a India, e “fábricas
do mundo”, como a China, como se essa situação, caso fosse verdadeira,
não pudesse ser usada a favor de uma aliança intercomplementar, ou como
se Rússia, Brasil e índia também não produzissem manufaturados, e entre
eles produtos industriais avançados, como aviões, por exemplo.
É
óbvio que uma aliança como os BRICS, que reúne um terço do território
mundial, 25% do PIB, e praticamente a metade da população humana não se
consolidará, política e militarmente, de uma hora para a outra. Mas
também é igualmente claro, que não se trata de um grupo heterogêneo de
nações que não tenham nada a ver uma com a outra. Se
assim fosse, o Brasil não estaria fornecendo aviões-radares para a
índia, não estaríamos desenvolvendo mísseis ar-ar e terra-ar com a
DENEL sul-africana, ou comprando helicópteros russos de combate, ou não
teríamos, há anos, um programa de satélites de sensoriamento remoto com
a China.
O
primeiro traço comum entre os grandes “brics” como a Rússia, a China, a
índia e o Brasil, e, em menor grau, a África do Sul, é, como demonstra a
sua oposição à política ocidental para com a Libia e a Siria, o
respeito ao princípio de não intervenção. Porque
o Brasil, a Rússia, a índia, a China, não aceitam que se intervenha em
terceiros países, em função de questões relacionadas aos “direitos
humanos”, por exemplo, ou devido à questão nuclear ? Porque,
como são países que prezam a sua soberania, não aceitam que, amanhã, o
mesmo “ocidente” que hoje ataca a Libia, a Siria, ou o Irã, venha se
unir contra um deles, qualquer deles, por causa de outras questões, como
poderia acontecer conosco, eventualmente, no caso dos “ direitos”
indígenas, ou da defesa da Amazônia, o “pulmão do mundo”.
Quem
tem telhado de vidro não joga pedra nos outros. Que atire a primeira
quem nunca pisou na bola. Qual é o país, hoje, que pode acordar pela
manhã, olhar-se, enquanto sociedade, no espelho, e dizer que não tem
nenhum problema de direitos humanos? E
mais, quem arvorou à Europa e aos norte-americanos a missão de julgar o
mundo? Pode um país como os Estados Unidos, que invadiu e destruiu o
Iraque, por causa de outro mito intervencionista, o da existência –
comprovadamente falsa - de armas de destruição em massa naquele país,
falar em direitos humanos ? Pode
uma Nação que inventou e usou, no Vietnam, centenas de toneladas de um
veneno químico chamado agente laranja, contaminando para sempre o solo e
as águas de milhares de hectares de selva, falar em defesa da natureza e
das florestas tropicais? Ou
pode um país que jogou duas bombas atômicas sobre dezenas de milhares
de velhos, mulheres e crianças desarmadas, queimando-as até os ossos -
quando poderia – se quisesse – tê-las testado sobre soldados do exército
ou da marinha japonesa, falar, em sã consciência, de controle de
armamento atômico e da não proliferação nuclear?
A
realidade por trás do discurso de defesa dos direitos humanos e da
natureza é muito mais complexa do que Hollywood mostra às nossas
incautas multidões em filmes como Avatar. Por mais que muitos espíritos
de "vira-lata" queiram - mesmo dentro do nosso país - que Deus tivesse
dado à Europa e aos Estados Unidos o direito de governar o mundo, para
defender seu artificial e efêmero “american way of life”, ele não o
fez.
Pequenos
países, como a Espanha ou a Itália, na ilusão de se sentirem maiores,
podem – assim o decidiram suas elites - abdicar de sua soberania
política e econômica e bombardear a população civil na Líbia, no Iraque,
no Afeganistão, em defesa de uma impossibilidade quimérica como a
Europa do euro, e do mandato da “Pax Americana”. Nações
como o Brasil, a Índia, a China e a Rússia, se aferram ao direito à
soberania, ao recurso à diplomacia, à primazia da negociação. Não se
pode salvar vidas distribuindo armas para um bando descontrolado de
açougueiros que espanca e mata prisioneiros indefesos, desarmados e
ensanguentados – mesmo que eles se chamem Khadaffi – e obriga jovens
muçulmanos a desfilarem em fila, de joelhos, repetidas e infinitas
vezes, sob a lente da câmera e a ameaça de armas e chicotes, para
mastigar e engolir nacos de cadáveres de cães putrefatos.