sexta-feira, 9 de março de 2012

A mitologia das idéias: 'Brainstorming' vs. 'Poder dos introvertidos'

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Folha de São Paulo, 4 de março de 2012


A mitologia das idéias
O "brainstorming" vs. o poder dos introvertidos

Hélio Schwartsman

COMO TEMOS BOAS IDEIAS? A questão não é trivial e já mobilizou de pensadores do porte de Platão, Descartes e David Hume a empresários preocupados em aumentar a produtividade de seus funcionários. Como não poderia deixar de ser, métodos ditos infalíveis para obtê-las enchem as estantes das seções de livros de autoajuda.
A maioria dessas receitas está errada. E a razão é muito simples: o mundo é um lugar complexo demais para ser subsumido por meia dúzia de fórmulas pré-fabricadas. Para tornar as coisas um pouco mais complicadas, muitas vezes topamos com uma boa ideia sem conseguir identificá-la como tal.
Recentes descobertas na psicologia e na neurociência, ainda que não permitam produzir um guia da criatividade passo a passo, pelo menos servem para descartar determinados mitos que insistem em se perpetuar.
O mais célebre deles é o do "brainstorming". Como conta o escritor Jonah Lehrer em recente artigo para a revista "The New Yorker", o conceito surgiu no livro "Your Creative Power" (Myers Press). Nesta obra de 1948, ainda em catálogo, o publicitário norte-americano Alex Osborn, sócio da mítica agência BBDO, prometia dobrar o poder criativo do leitor.
O livro, que foi um inesperado "best-seller", trazia conselhos como "carregue sempre um caderninho, para não ser surpreendido pela inspiração". O ponto alto, contudo, estava no capítulo 33, intitulado "Como organizar um esquadrão para gerar ideias". Osborn dizia que o segredo do sucesso de sua agência eram as sessões de "brainstorming", nas quais uma dezena de publicitários se reunia por 90 minutos e saía com 87 novas ideias para uma "drugstore".
A principal regra de um "brainstorming" era "não critique o companheiro". Para Osborn, "a criatividade é uma flor tão delicada", que precisa ser alimentada com o louvor e pode ser destruída por uma simples palavra de desencorajamento.
A coisa pegou como uma praga. Osborn escreveu vários outros "best-sellers" e virou guru da literatura de negócios. Os pedagogos também adoraram e até hoje nossos filhos perdem precioso tempo na escola se dedicando a atividades de grupo onde o mantra é jamais criticar o coleguinha, mesmo que ele diga uma tremenda besteira.
O principal problema com o "brainstorming" é que ele não funciona. Como mostra Lehrer, o conceito fracassou já em seu primeiro teste empírico, em 1958. Pesquisadores da Universidade Yale puseram dois grupos de 48 estudantes para propor soluções criativas para uma série de problemas. No primeiro, os voluntários atuariam segundo as instruções de Osborn; no segundo, cada aluno trabalharia sozinho. Estudantes que operaram individualmente apresentaram, em média, duas vezes mais propostas que os do "brainstorming". Mais ainda, um comitê de juízes considerou essas contribuições melhores e mais factíveis que as do primeiro grupo.
Outra noção popular e errada é a de que laboratórios e escritórios devem ter uma arquitetura que praticamente obrigue as pessoas a interagirem, favorecendo "insights" criativos. Essa moda derrubou muitas paredes, e grandes empresas se tornaram um imenso átrio, onde todos se encontravam o tempo inteiro. Estima-se que cerca de 70% dos escritórios dos EUA sigam esse padrão. Um dos maiores entusiastas do conceito de arquitetura de plano aberto era Steve Jobs, da Apple.
Como mostra Susan Cain, no recente "Quiet: The Power of Introverts in a World that Can't Stop Talking" [Crown, 352 págs., R$ 26] , a relação entre interações sociais e boas ideias é mais sutil. Num estudo chamado "Coding War Games", Tom Demarco e Timothy Lister avaliaram a performance de 600 programadores de informática de mais de 90 companhias.
A diferença entre os profissionais era impressionante: o desempenho do melhor superou o do pior em dez vezes. E, para tornar as coisas mais misteriosas, as causas suspeitas de sempre - como experiência, salário, tempo dedicado à tarefa - não explicavam o fenômeno.
Demarco e Lister, entretanto, perceberam que os melhores programadores tendiam a agrupar-se nas mesmas firmas. Investigando essa pista, descobriram que o segredo era a privacidade: 62% dos que se saíram bem disseram que seu lugar de trabalho oferecia um ambiente reservado onde podiam se concentrar, contra apenas 19% dos que tiveram pior performance.
O objetivo de Cain, nesse interessante livro que pretende ser uma espécie de manifesto de libertação dos introvertidos, é demonstrar que as pessoas precisam respeitar seu temperamento. Especialmente para os tímidos, em geral super-representados nas carreiras científicas, o excesso de interações sociais é amedrontador. Eles se saem melhor em ambientes mais tranquilos, onde sua atenção não seja requisitada para desempenhar várias tarefas ao mesmo tempo.
O problema, sustenta a autora, que largou a advocacia para dedicar-se ao estudo da introversão e à orientação para tímidos, é que o mundo - o Ocidente em especial - abraçou uma cultura da personalidade, cujos valores são ditados por um ideal de extroversão. Quem não consegue ou não gosta de falar em público e motivar as pessoas já sai perdendo pontos na carreira e na própria vida.
Voltando à criatividade, antes de eliminar todas as reuniões de sua empresa, construir paredes por todos os lados e proibir os funcionários de trocar bom-dia, é preciso saber que o problema é mais complexo e nuançado.
Embora as pessoas de um modo geral trabalhem melhor sozinhas (especialmente os introvertidos), a criação continua sendo um processo coletivo. Na verdade, cada vez mais coletivo.
Ben Jones, da Northwestern University, passou os últimos 50 anos analisando quase 20 milhões de publicações acadêmicas e 2,1 milhões de patentes. Em mais de 95% dos campos e subcampos científicos, o trabalho de equipe vem crescendo. O mesmo ocorre com o tamanho das redes de colaboradores, que aumenta em média em 20% a cada década.
Se até um ou dois séculos atrás a ciência podia gravitar em torno de gênios individuais como Einstein e Darwin, à medida que ela se torna mais complexa e especializada, avanços significativos dependem cada vez mais da interdisciplinaridade que, por seu turno, depende de redes cada vez maiores.
A ideia de saber coletivo ganhou inesperado apoio no ano passado, com a publicação de um impactante artigo dos pesquisadores franceses Hugo Mercier e Dan Sperber, que virou do avesso alguns dos pressupostos da filosofia e da psicologia. Eles sustentam que a razão humana evoluiu - não para aumentar nosso conhecimento e nos aproximar da verdade, mas para nos fazer triunfar em debates.
A teoria, dizem os autores, não só faz sentido evolutivo como resolve uma série de problemas que há muito desafiavam a psicologia: os chamados vieses cognitivos.
Antes de prosseguir, peço licença para descrever uma experiência curiosa. O psicólogo Richard Wiseman, da Universidade de Hertfordshire, resolveu espalhar 240 carteiras pelas ruas de Edimburgo. Elas não continham dinheiro, apenas documentos de identidade, cartões de fidelidade, bilhetes de rifa e fotografias pessoais.
A única variação eram as fotos. Algumas das carteiras não tinham foto nenhuma e outras traziam imagens que podiam ser de um casal de velhinhos, de uma família reunida, de um cachorrinho ou de um bebê.
A meta do experimento era descobrir se a fotografia afetaria a taxa de devolução das carteiras. Num mundo perfeitamente racional, a imagem seria irrelevante. Devolve-se o objeto perdido porque é a coisa certa a fazer. O trabalho de colocá-lo numa caixa de correio não é tão grande assim, e é o que gostaríamos que os outros fizessem, caso nós é que tivéssemos perdido os documentos.
É claro, porém, que as fotografias influíram nos resultados. Foram devolvidas apenas 15% das carteiras sem foto, pouco mais de 25% das que traziam a imagem dos velhinhos, 48% das da família, 53% das do filhotinho e 88% das do bebê.
O experimento ilustra como o cérebro opera. Embora tenhamos nos acostumado a pensar que tomamos decisões pesando prós e contras de cada uma das alternativas possíveis e extraindo com base nisso uma conclusão, o que os estudos psicológicos e neurocientíficos mostram é que, na maioria das ocasiões, a parte inconsciente de nossa mente chega de imediato a uma conclusão, por meio de sentimentos, palpites ou intuições. Neste instante, são os vieses cognitivos que estão operando.
Em seguida, a porção racional de nosso cérebro se põe a procurar e elaborar argumentos racionais (ou quase) para justificar essa conclusão. É muito mais uma conta de chegada do que um cálculo honesto.
O neurocientista norte-americano Michael Gazzaniga trabalha bem essa questão. Ele identifica no hemisfério esquerdo estruturas que buscam dar sentido ao mundo. O pesquisador as chama de "intérprete do hemisfério esquerdo". É ele que busca desesperadamente um significado unificado a todas as nossas experiências, memórias e fragmentos de informação.
Ele nos faz deixar de ver as evidências que não nos interessam e atribui enorme peso a tudo o que apoia a nossa tese. Quando a história não fecha, pior para a verossimilhança: o intérprete não hesita em criar desculpas esfarrapadas e explicações que beiram o delírio.
Quem resume bem a situação é Robert Wright, em "Animal Moral" (Campus BB, 2005, esgotado): "O cérebro é como um bom advogado: dado um conjunto de interesses a defender, ele se põe a convencer o mundo de sua correção lógica e moral, independentemente de ter qualquer uma das duas. Como um advogado, o cérebro humano quer vitória, não verdade; e, como um advogado, ele é muitas vezes mais admirável por sua habilidade do que por sua virtude".
Voltando ao trabalho de Mercier e Sperber, ele é bom porque consolida numa argumentação sólida explicações evolutivas para vários dos vieses, em especial o "viés de confirmação", pelo qual fechamos os olhos para as evidências que não corroboram nossas crenças e expectativas e sobrevalorizamos aquelas que apoiam nossas teses.
Sob o modelo clássico, o viés de confirmação é uma falha de raciocínio mais ou menos inexplicável. Mas, se a razão evoluiu para nos fazer vencer em debates, então faz sentido que eu busque apenas provas em favor da minha teoria, e não contra ela.
As implicações são fortes. A mais óbvia é que a razão só funciona bem como fenômeno social. Se pensarmos sozinhos, vamos muito provavelmente chafurdar cada vez mais em nossas próprias intuições e preconceitos. Mas, se a utilizarmos no contexto de discussões mais ou menos estruturadas, aumentam bastante as chances de, como grupo, nos darmos bem.
Temos então um aparente paradoxo: as pessoas trabalham melhor sozinhas, mas a construção do conhecimento é um processo coletivo. O ruído se dissolve se reinterpretarmos o "sozinhas" como "com privacidade, mas em constante diálogo (de preferência virtual) com outros especialistas".
É preciso, porém, muito cuidado. A linha que separa a sabedoria das multidões dos delírios coletivos é tudo menos nítida. Como mostra toda uma linha de pesquisas iniciada por Irving Janis, da Universidade Yale, nos anos 70, grupos incubam uma série de patologias do pensamento.
A primeira delas é a polarização. Junte um punhado de gente com opiniões semelhantes, deixe-os conversando por um tempo e o grupo sairá com convicções mais parecidas e mais radicais. Provavelmente é assim que nascem facções como o Tea Party, que reúne ultraconservadores radicais nos EUA, e até mesmo organizações terroristas. O advento da internet e das redes sociais pode estar facilitando a formação desses bandos.
A animosidade é outro elemento importante. Ponha um corintiano e um palmeirense para discutir futebol numa sala. Eles discordarão, mas provavelmente se tratarão com civilidade. Entretanto, se você colocar cem de cada lado, quase certamente produzirá xingamentos e até pontapés, quando não tragédias.
Há, por fim, a conformidade. Grupos tendem a suprimir o dissenso. Mais do que isso, procuram censurar dúvidas que um dos membros possa nutrir e ignorar evidências que contrariem o consenso que se forma. É esse o segredo do sucesso das religiões.
Nesse contexto, são especialmente divertidos os experimentos do psicólogo Solomon Asch. Ele submeteu 123 voluntários a um teste tão ridiculamente fácil que ninguém poderia errar: exibia para eles um cartão que trazia estampada uma linha com determinado comprimento. Em seguida, num segundo cartão, apareciam três linhas marcadas com letras de A a C, umas com medidas bem diferentes das outras. A missão era identificar a letra cuja linha era igual à do primeiro cartão. Em 35 tentativas, apenas um infeliz deu a resposta errada.
Mas (sempre há um "mas" em ciência), quando o pesquisador pôs comparsas seus para dar propositalmente respostas erradas antes do voluntário, a taxa de acertos despencava de 97% para 25%. Resultados parecidos foram reproduzidos em no mundo inteiro.
As incursões de Asch pelos perigos da conformidade inspiraram outros experimentos famosos, como os de Stanley Milgram (no qual, pressionadas por um pesquisador, as cobaias não hesitam em dar choques que acreditam ser quase fatais num ator) e de Phil Zimbardo (ele simulou uma prisão num porão da Universidade Stanford, e os voluntários que faziam o papel de guardas se tornaram tão violentos que a encenação teve de ser interrompida).
O melhor remédio contra essas doenças do grupo é semear a dúvida, em especial se o questionamento surgir de um membro respeitado do próprio grupo. Como mostram Ori e Rom Brafman em "Sway: The Irresistible Pull of Irrational Behavior" [Broadway Books, 224 págs., R$ 19] , a existência de pessoas "do contra" ("dissenters", em inglês) são nossa melhor esperança.
Embora possa produzir fricções de alto custo emocional para todas as partes envolvidas, a figura do "dissenter" costuma levar a maioria a reformular seus argumentos (ou projetos), de modo a responder a objeções percebidas como relevantes. Essa dinâmica fica particularmente clara em situações como a de tribunais colegiados, comissões legislativas e na própria ciência. É praticamente o inverso de um "brainstorming", onde a regra era não criticar.
O "do contra" aqui, ainda que possa provocar brigas homéricas, é um elemento fundamental para melhorar a qualidade do trabalho. O diálogo, vale frisar, nem precisa ser ao vivo. É preciso criar mecanismos que questionem os consensos.
Embora não exista receita para ter boas ideias, é possível melhorar seu desempenho se conseguir trabalhar num ambiente que lhe proporcione privacidade e o poupe de interrupções. Normalmente, é melhor estar sozinho, mas sem jamais se alijar dos debates travados em seu campo de atuação.
Quando precisar juntar colaboradores, mais vale reunir grupos heterogêneos, com um número razoável de pessoas "do contra". Eles reduzem os riscos das patologias da conformidade. Em vez dos elogios, prefira as críticas. Apesar de desgastantes, são elas que vão ajudá-lo a melhorar suas ideias. E, mais importante, não acredite em fórmulas prontas.

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