Com Chico Anysio o fascismo não sorria
Gilson Caroni Filho
Com o desaparecimento de Chico Anysio, vale lembrar o dito rikiano de que "a fama é a soma de todos os equívocos em torno de alguém"? Ou estamos assistindo a grandes e justificadas homenagens ao mais importante humorista das últimas quatro décadas? Ciente da força corrosiva do humor e da sátira, Chico criava personagens obstinadamente, talvez intuitivamente, sabendo que o jogo da linguagem crítica é, em si, o jogo do espírito em seu aspecto lúdico.
A irreverência no trato com autoridades e seu refinado senso de resistência política o levaram a um intenso processo de criação, como se não quisesse perder um só detalhe do que estivesse à sua volta. Operando com similaridades e antíteses, captou, com sua lente fina, as luzes e o dia-a-dia do povo brasileiro, dos oligarcas aos estratos populares que não se curvam ao desencanto e à decepção. Do rádio à televisão, Chico Anysio foi um perito em extrair de múltiplos detalhes da nossa formação cultural significados precisos, dissolvendo mitos e máscaras com o ácido sulfúrico da piada certeira e do sarcasmo.
Como ninguém, ele soube fazer isso com ternura, estranha ternura onde o lado amargo da vida é plenamente resgatado pelo humor atordoante. Há quem diga que, como os poetas, os humoristas habitam um mundo em decomposição e decadência, mas o fazem de forma visceral, com arte feita do mais puro aço da reflexão e da lucidez crítica.
Dotado de profunda consciência social, o cearense de Maranguape tem uma face pouco conhecida, que vai bem além do talentoso humorista, autor e compositor: a de um resistente que não se curvou às tentativas de cooptação dos setores golpistas aglutinados, nos anos 1960, na rede de propaganda geral e doutrinação do Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais (IPES).
Conforme nos revela René Armand Dreifuss (1981: 248), "a elite orgânica se aproximou de inúmeros produtores, atores e diretores famosos de televisão, tais como Gilson Arruda e Batista do Amaral. Favorecia o uso de programas cômicos, quando possível. Rui Gomes de Almeida observava que uma piada contra um político provocaria um "dano enorme". Negava, ao contrário, o apoio aos atores que não cooperassem ou agissem contra os programas, as linhas de raciocínio e as pessoas que o IPES patrocinava. Tal foi o caso do humorista Chico Anysio, sagaz observador da realidade social". [1]
Na melhor tradição do humor de combate, ainda que sem engajamento explícito, Chico não renegou princípios. Entendeu corretamente e cumpriu com competência a melhor missão do humor: a de fiscal mordaz e crítico visceral das estruturas do poder. Na galeria de mais de duzentos personagens, há lugar de destaque para a velha oligarquia e parlamentares com um profundo sentimento antipopular. Tudo operado com destreza e rara sensibilidade.
Na ausência de herdeiros, o panorama, após sua morte, é desolador. Quadros do Instituto Millennium elegem o ódio de classe, a homofobia e a descriminação de gênero como mote para piadas grosseiras. Programas como Casseta & Planeta e CQC parecem restabelecer uma velha sina: no Brasil, homens que tiveram voos de águia ou condor acabam em incursões galináceas, saltando direto para o poleiro. Enquanto outros, ainda jovens, antecipam a hora do perjuro.
Vai-se a multiplicidade que transforma. Fica a vala comum do transformismo. Não esperem perspicácia, iconoclastia irônica e imaginativa. O que toma a cena como "humor político" nada mais é do que o fascismo que lhe sorri.
Nota
[1] DREIFUSS, René Armand. 1964: a conquista do Estado. Ação Política, Poder e Golpe de Classe, Vozes, Petrópolis, Rio de Janeiro, 1981
Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Jornal do Brasil
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Li a biografia de Chico, 'Sou Francisco', logo após ter sido lançada.
É um livro que deve ser lido. Chico documentou muito bem parte de sua vida nela. E que vida!
Chico divulga o livro "Carapau" (final dos anos 70).
O escritor também é autor de "O Batizado da Vaca", "O enterro do anão", "É mentira, Terta", "A Curva do Calombo", "Teje preso", "Feijoada no Copa", "O tocador de tuba", "Tem aquela do...", "O telefone amarelo", "Negro Léo", "Jesuíno O Profeta", "Como Segurar seu Casamento", O Canalha" e a biografia "Sou Francisco"Folhpress
O escritor também é autor de "O Batizado da Vaca", "O enterro do anão", "É mentira, Terta", "A Curva do Calombo", "Teje preso", "Feijoada no Copa", "O tocador de tuba", "Tem aquela do...", "O telefone amarelo", "Negro Léo", "Jesuíno O Profeta", "Como Segurar seu Casamento", O Canalha" e a biografia "Sou Francisco"Folhpress
UOL, 25/03/2012 14h21
Corpo de Chico Anysio é cremado no Rio; cerimônia teve músicas do humorista e poema escrito por irmão
Fabíola OrtizDo UOL, no Rio
O corpo do humorista Chico Anysio foi cremado na tarde deste domingo (25) no Crematório da Santa Casa da Misericórdia, no Cemitério São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro. Elano de Paula, irmão mais velho do humorista, de 89 anos, leu um poema que escreveu para a ocasião. "Apenas apagou-se uma estrela, e várias outras criadas por ele brilham lá em cima. Para onde você olhar vai encontrar Chico Anysio", dizia o texto.
A cerimônia, restrita à familiares e amigos, começou por volta das 13h10 e durou cerca de 40 minutos. A viúva Malga Di Paula foi a última a falar, e lembrou de histórias engraçados do marido. Segundo o ator Nelson Freitas, Malga contou aos amigos que certa vez Chico sentiu medo [de morrer] e pediu para que ela rezasse. Nizo Neto, filho de Chico, fez um agradecimento a Malga por ter ficado com o pai dele no final da vida. Durante a cremação, músicas de autoria de Chico Anysio foram tocadas, além de "A Noite do Meu Bem", eternizada na voz de Dolores Duran . Uma oração de São Francisco também foi feita.
Agora, parte das cinzas serão levadas à floresta do Projac - centro de produção da Rede Globo, no Rio - e outra parte para Maranguape, no Ceará, onde Chico nasceu.
O ator Bruno Mazzeo, filho de Chico Anysio, chegou por volta das 12h20 no Cemitério São Francisco Xavier, no Rio de Janeiro, onde acontecerá na tarde deste domingo (25) a cerimônia de cremação do humorista. "O que eu tenho a falar é em agradecimento ao povo brasileiro pelo carinho. Ver o povo ontem na porta do Theatro [Municipal do Rio, onde foi o velório] foi o que me deixou mais feliz. Chico foi uma pessoa que se dedicou por 65 anos a alegrar o povo", disse Bruno no local.
Malga Di Paula, viúva de Chico Anysio fala com a imprensa após cerimônia de cremação do corpo do humorista, no Cemitério São Francisco Xavier, Rio de Janeiro (25/03/2012) Roberto Filho/Jefferson Ribeiro/AgNews
Um dos primeiros a chegar ao local, por volta das 11h, foi o escritor Ziraldo, amigo próximo de Chico. Ele não falou com a imprensa. O cantor Agnaldo Timóteo também já está no local. "O Chico deu ensinamentos que deveriam acontecer toda noite na TV. Foi um especialista em reciclagem. Foram 47 anos de amizade. Tenho lembranças maravilhosas e muita gratidão", disse.
A despedida de Chico Anysio, que morreu na sexta-feira (23) em decorrência de falência de múltiplos órgãos, levou família, amigos e fãs ao Theatro Municipal do Rio de Janeiro, onde aconteceu o velório do humorista durante todo o sábado (24). Mais de 5.000 pessoas passaram pelo local. Apesar da tristeza que tomava conta dos presentes, o comediante Marcos Veras disse que não havia clima fúnebre no local. "Mesmo com todo mundo triste, lá dentro estão todos contando piada, relembrando momentos engraçados de Chico. Ainda há humor", disse ele ao UOL.
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