Quinta-Feira, 01 de Março de 2012
Abertura à chinesa: lições a aprender
Por Saul Leblon
Se um banqueiro espanhol, digamos, apenas transferir a captação feita junto ao BCE para o mercado de títulos do país terá de volta remuneração suficiente para pagar o juro do seu papagaio e ainda embolsar um lucro suculento, sem risco e até sem fisco: o capital estrangeiro disfarçado de investimento direto navega num mar de isenção. Mais ainda: na viagem de volta beneficia-se da valorização do Real, ao trocar seus ganhos em moeda nativa por dólares mais baratos. A triangulação irresistível não é privilégio da banca e financistas do euro, mas também está à disposição de especuladores dos EUA, onde a taxa de juro média é de 0,25%; ou daqueles que queiram tomar recursos no Japão (taxa de 0,1%) e alhures.
O carry-trade que lambuza banqueiros e acionistas forâneos cobra um custo alto dos que residem e mourejam no Brasil. No ano passado, a balança comercial da indústria brasileira teve um déficit de US$ 90 bi; o parque fabril local cresceu apenas 0,3%, enquanto a demanda do varejo, ancorada pelo consumo popular, deu um salto de 7%. A diferença foi zerada pela importação maciça de manufaturados, transferindo empregos e produção para o exterior.
O saldo, portanto, é duplamente negativo: propiciamos ao capital especulativo comida, cama e roupa lavada; de brinde, transferimos aos parques fabris de seus respectivos países a demanda doméstica fortalecida em oito anos de governo progressista do PT. Que fazer se a liquidez especulativa, associada à guerra cambial, tende a se manter inalterada no horizonte visível da recuperação mundial?
Em seu artigo mais recente no Financial Times, Martin Wolf oferece um pedaço da resposta ao detalhar o que seria o plano de abertura financeira da China. O projeto, ainda não oficial, divulgado pela agência de notícias estatal Xinhua, desdobra-se em três fases:
I) a primeira, a ocorrer nos próximos três anos, abriria caminho para mais investimentos chineses no exterior uma vez que "o encolhimento dos bancos e empresas ocidentais deixou espaço livre para investimentos chineses" e, portanto, trouxe uma "oportunidade estratégica";
II) a segunda fase, entre três e cinco anos, aceleraria a concessão de empréstimos internacionais em yuans (o que amplia o raio ação das operações de crédito vinculadas à aquisição de produtos chineses);
III) no longo prazo, de cinco a dez anos, os estrangeiros poderiam investir em títulos, ações e propriedades na China.
A livre conversão do yuan - ao contrário do que ocorre no Brasil com a plena liberdade aos capitais - seria o "último passo" a ser dado em algum momento não definido. "Esse passo também seria combinado com restrições aos fluxos de capital "especulativos" e à captação estrangeira de curto prazo. Em resumo, a integração plena seria adiada indefinidamente", informa Martin Wolf, um neoliberal com discernimento suficiente para indagar e admitir: "Quais as implicações do plano? A resposta é que o plano parece ser sensato", resume o editor do Financial Times. Algo a aprender?
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