segunda-feira, 19 de março de 2012

Jogue a Anistia no lixo ! Exija Justiça !

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Jogue a Anistia no lixo ! Exija Justiça !

    Publicado em 19/03/2012



O programa Entrevista Record Atualidade, que vai ao ar nesta segunda feira, na Record News, às 22h15, logo após o Heródoto Barbeiro, entrevistou a deputada Luiza Erundina, do PSB-SP , e a cientista política Glenda Mezarobba, pesquisadora da Unicamp e autora do livro “Um acerto de contas com o futuro”, de 2006, sobre a Lei da Anistia.

Mezarobba é especialista no que se chama de “justiça de transição”, ou seja, como os países passaram de regimes que violavam os Direitos Humanos a regimes democráticos. Erundina criou no âmbito da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara uma Comissão sobre a Verdade, a Memória e a Justiça, que se instala no dia 28 deste mês, com representantes de comissões de Direitos Humanos das assembléias legislativas e câmaras municipais. O objetivo é complementar o trabalho da Comissão da Verdade e fornecer elementos para que  se consiga punir, no Judiciário, os torturadores do regime militar.

Erundina é autora de um projeto de lei que revê a Lei da Anistia, mas foi rejeitado (sabe-se lá por que) pela Comissão de Relações Exteriores da Câmara. E se encontra, hoje, na Comissão de Constituição e Justiça para seguir seu trâmite normal. Ela lembra que a Lei da Anistia foi votada quando os militares ainda mandavam, em 1979, e, mesmo assim, por uma maioria de 5 votos. Erundina está convencida de que a iniciativa de rever a Anistia tem que partir do Poder Legislativo.

E explorar o princípio de que “crimes continuados” – quando não se sabe a data do crime nem o paradeiro da vítima, por sequestro ou desaparecimento – esses crimes não estão protegidos pela Lei da Anista – e, portanto, seus autores têm que ser punidos. Ela lamentou a decisão da Justiça do Pará que, inspirada no Supremo Tribunal Federal, não aceitou uma denúncia contra o Major Curió.

Glenda Mezarobba não concorda. Ela sugere ignorar a Lei da Anistia e levar o Ministério Público a entrar na Primeira Instância para punir os responsáveis por crimes continuados. Porque a Anistia não anistiou autor de crime continuado.

Mezarobba considera também que a Justiça brasileira tem que começar a entender que a Lei da Anistia não fez Justiça. Embora, os que a defenderam quisessem uma Anistia Ampla, Geral e Irrestrita. Os militares ganharam – inclusive o coração e as mentes, diz ela. E circunscreveram a questão ao perdão, à anistia. E sufocaram a questão da Justiça.

Segundo Mezarobba, a Justiça da transição do regime violador de Direitos Humanos para a Democracia exige dos Estados quatro deveres: O dever da Justiça, ou seja, o dever de punir o violador. O dever à Verdade, ou seja, tornar público o que se sabe sobre os crimes de violação cometidos (ela não acredita no que disse o então Ministro da Defesa, Nelson Johnbim, para quem os arquivos dos militares tinham sido queimados). O dever à Reparação, sempre simbólica e às vezes em dinheiro. E, o mais importante, o dever de Transformar as Instituições – ou seja, ter certeza de que “tortura nunca mais”.

O ansioso blogueiro, sempre ansioso, interrompeu a narrativa da entrevista para dizer que o Brasil perdia em três dos quatro deveres. O único que cumpre, em parte, é o da Reparação.

Mezarobba acha que, pouco a pouco, a Magistratura, especialmente os Juízes mais jovens, entenderá que Anistiar não é fazer Justiça. Que não existe no mundo, como se fez no Brasil, “auto-anistia”: os militares se deram o perdão. Estados anistiam sublevados, amotinados, mas não seus próprios agentes.

Ela acredita também que as ações judiciais até agora correram na área Cível, da indenização. Mas, que, pouco a pouco, migrarão para o terreno adequado, o da Justiça Criminal. A tortura é um crime contra a Humanidade e tem que ser tratada como o que é: Crime. E crime continuado não tem perdão.

Por que na Argentina e no Chile a Justiça, a obtenção da Verdade, e a Transformação das Instituições se deu mais rápido do que aqui ? Porque houve eleição para Presidente, eleição direta, logo após a queda do regime violador de Diretos e a questão da Justiça entrou na pauta da campanha eleitoral. Porque havia fortes movimentos de defesa dos Direitos Humanos. Porque os acordos internacionais – como considerar tortura Crime contra  Humanidade – se incorporam imediatamente à Constituição. A palavra de ordem não era “Anistia”, ou seja, perdão, mas Justiça.

Até hoje no Brasil se trata da Anistia e não da Justiça. O que significa que os militares conseguiram ganhar a batalha: trata-se de perdoá-los e, não de fazer Justiça. Elas ganharam a batalha da palavra de ordem. Até hoje – como o editorial da Folha (*) desta segunda- feira o PiG defende os militares, ou seja, a inviolabilidade da Lei da Anistia.

Outro motivo que acelerou a instalação da Justiçá na Argentina e no Chile foi que ali torturadores foram processados pela Justiça de outros países. Circunstância semelhante à que levou um Juiz espanhol, Garzon, mandar prender Pinochet na Inglaterra, porque mandou torturar um espanhol no Chile. No Brasil não se viu nada disso. E isso retardou a conscientização do problema.

Além disso, aqui no Brasil, o torturado, a família do torturado e do desaparecido não pode ir direto à Justiça, como na Argentina e no Chile. Tudo depende da iniciativa do Ministério Público.

No Chile e na Argentina, a Anistia foi um decreto dos militares. Aqui, o Congresso a legitimou. Os militares brasileiros foram mais hábeis, diz ela. E a sociedade brasileira mais desmobilizada.

A Lei da Anistia trouxe os líderes exilados de volta ao Brasil. Eles se esqueceram de lutar por Justiça e pela punição dos torturadores para montar seus partidos e cuidar de eleições. A Justiça saiu da pauta, lembra Mezarobba.

Ela está otimista. O Brasil avançou. Fernando Henrique apressou as reparações. E Lula, o acesso à Verdade.

(Por falar nisso, ela acha que a Comissão da Verdade deveria tornar público o que o historialista Elio Gaspari – porque não fez Historia nem Jornalismo, PHA – considera uma propriedade pessoal, sua: os arquivos públicos do Major Heitor Aquino Ferreira, secretario de Geisel e Golbery.)

Ela acredita também que a Comissão da Verdade – ela assessorou Paulo Sergio Pinheiro na montagem da Comissão – vai frutificar. E a sociedade brasileira parece ter despertado. E dá um conselho: jogue a Lei da Anistia no lixo !

(Dê de presente ao Coronel Ustra encadernada em ouro. Com cópia em capa de papelão ao Eros Grau. PHA). E lute por Justiça. Na Justiça.

A começar pelo começo: da Primeira Instância.

Paulo Henrique Amorim
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19 março 2012

O jornal da ditabranda desinforma e manipula. DE NOVO!!!

 Por Celso Lungaretti
Em editorial desta 2ª feira, 19 (ver íntegra aqui), a Folha de S. Paulo pede "respeito à anistia", pois, no seu entender, a "iniciativa de denunciar militares por sequestros durante a ditadura militar é tentativa canhestra de burlar uma decisão do Supremo".
Desinformando seus leitores, o jornal da ditabranda tenta fazer crer que a impunidade eterna destes carrascos é fato consumado:
"Quando julgou a Lei da Anistia em 2010, o Supremo Tribunal Federal decidiu sem ambiguidades que ela é constitucional e que seus efeitos se aplicam tanto aos integrantes de organizações da luta armada quanto aos agentes do Estado que tenham cometido crimes políticos ou conexos.
Com a decisão, portanto, o Supremo encerrou de vez, e para o bem da sociedade, toda a polêmica sobre o alcance da anistia".
A Folha supõe que sejamos todos crédulos e ignorantes.
Sem dúvida nenhuma, é mesmo incontornável a aberração jurídica cometida pela mais alta corte do País, que deu a tiranos o direito de anistiarem preventivamente a si próprios em plena vigência do regime de exceção (!), contrariando não só o entendimento da questão em todo mundo civilizado como a lógica mais comezinha: seria uma brecha para todos os criminosos de todas as ditaduras escaparem sempre das punições.
As instâncias inferiores do Judiciário poderão até acolher teses como a dos procuradores da República que sustentam serem crimes continuados cinco execuções comandadas pelo célebre Major Curió sem que os restos mortais fossem encontrados até hoje.
Mas, tais pendengas inevitavelmente desembocarão no Supremo e o Supremo inevitavelmente considerará intocáveis os torturadores. Resumindo: é perda de tempo.
NADA IMPEDE, CONTUDO, QUE O EXECUTIVO PROPONHA A REVOGAÇÃO DESTA CARICATURA DE ANISTIA E QUE A PROPOSTA SEJA APROVADA PELO LEGISLATIVO. Aí, evidentemente, o STF seria provocado a reposicionar-se sobre o assunto.
É flagrante a desonestidade da Folha ao omitir que existe, sim, uma via democrática para sustarem-se os efeitos desta lei vergonhosa, gerada pelos culpados de assassinatos (incluindo execuções covardes de militantes aprisionados e indefesos), torturas, estupros, ocultação de cadáveres e outros horrores, com o aval de um Congresso subserviente à caserna, manietado e intimidado ao extremo, cujos membros não haviam sido escolhidos em eleições livres; e com a anuência de uma esquerda que cedeu à chantagem ditatorial para obter, em troca, a libertação dos presos políticos e a permissão de volta dos exilados.
Tal via democrática só não é trilhada por falta de vontade política. Já estamos no quinto mandato presidencial de antigos perseguidos políticos - o que teve de refugiar-se no exterior e os dois que conheceram os cárceres da ditadura - sem que nenhum deles ousasse dar o passo obrigatório para  que a Justiça seja feita.
Para nosso opróbrio, ainda não acabamos de eliminar o entulho autoritário... 27 anos depois de voltarmos à civilização!





Viomundo,19 de março de 2012

Punir a tortura é direito e dever da humanidade



Por Marcio Sotelo Felippe


A regulamentação atual dos direitos humanos não se baseia na posição soberana dos Estados, mas na pessoa enquanto titular, por sua tal condição, dos direitos essenciais que não podem ser desconhecidos com base no exercício do poder constituinte, nem originário, nem derivado” (Corte Suprema do Uruguai)
A  decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos estabeleceu a invalidade da chamada Lei da Anistia quando estendida aos responsáveis pelos crimes  praticados por agentes da repressão no período da ditadura militar.
O Supremo Tribunal Federal, na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental no. 153,  declarou que era válida, apesar de anistiar crimes contra a Humanidade.
Tem-se uma antinomia – conflito de normas. A sociedade deve saber qual a solução do conflito.
No Direito Internacional dos Direitos Humanos normas são vinculantes de duas maneiras: ou por força da convencionalidade ou porque são imperativas. Ambas estão em questão no caso da Lei de Anistia brasileira e ambas oferecem a mesma solução para antinomia. Além de abordar esses dois aspectos, vamos fazer algumas considerações sobre a superação do Positivismo jurídico, sobre a  imprescritibilidade dos crimes contra a Humanidade e assinalar os  pontos fulcrais da decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos.

1. Convencionalidade
Após a decisão da Corte Interamericana, o ministro César Peluso declarou ao jornal O Estado de S. Paulo: “a eficácia [da decisão da Corte] se dá no campo da convencionalidade. Não revoga, não anula e não cassa a decisão do Supremo”.
Dita pelo presidente da mais alta corte de justiça do país, proporcionou um  reforço para os que defendem a não punição dos crimes contra a Humanidade cometidos no período do regime militar.   Abriu como que uma zona de alívio para eles, dando-lhes um  aparente conforto na  segurança e  técnica jurídicas e no Estado de Direito.
Nós outros, que  defendemos a apuração, estaríamos agora repousando  à margem  do Direito, esmagados pela suposta racionalidade jurídica de quem é nada mais nada menos do que  presidente do STF.   Permaneceríamos então repetindo argumentos esvaziados, retóricos,  insistindo em controvérsias históricas superadas e  apelos vãos, em divergência meramente política (ou movida pela “vingança”)  com os que defendem a “reconciliação nacional” ou a versão do “grande acordo” de 1979 que teria respaldado a Lei da Anistia. O Ministro  transmitiu ao país a ideia de que o procedimento jurídico encerrou-se e o regime democrático-constitucional deu a última palavra.
Falso. A afirmação do Ministro é simplesmente errada.   Ao recorrer naquele contexto  à expressão convencionalidade o  ministro  cometeu um truque semântico: confundiu o sentido técnico-jurídico com um  sentido vago da palavra, denotando uma ideia de quase arbítrio frente a um dispositivo ou regra qualquer, como se desprovida de maior força vinculante. Mas convencionalidade no plano do Direito Internacional tem um sentido técnico  preciso: é o modo de criação de normas jurídicas vinculantes.
O fenômeno normativo no plano do Direito Internacional torna-se vinculante por acordo entre os Estados. O fundamento dessa vinculação é o vetusto princípio  pacta sunt servanda. O pactuado deve ser cumprido sob pena de  ilicitude. Estamos longe, portanto, daquela atmosfera de mero arbítrio que a frase do Ministro tenta invocar.

2. Normas Imperativas ou Cogentes
O Direito Internacional não se esgota em normas convencionais. Houve uma construção histórica de   normas imperativas (independentes de convencionalidade) de Direito Internacional. A doutrina já havia estabelecido esse conceito para o Direito Internacional mesmo antes da II Guerra, mas então controvertidamente. Agora está declarado na Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, do qual o Brasil é parte desde 2009. Normas imperativas significa dizer que são cogentes. A cogência é um conceito da Teoria Geral do Direito,   que distingue entre jus cogens e jus dispositivum.
O jus dispositivum refere-se a  norma cuja efetividade está condicionada à vontade dos sujeitos da relação jurídica. Direitos patrimoniais, em regra, são regulados por direito dispositivo. Se uma multa contratual entre sujeitos privados está fixada em 10%, mas o credor resolve que recebe 5%, ou resolve que recebe nada, sua vontade é soberana e a norma somente opera pela sua vontade. Mas o jus cogens,  direito cogente,   prescinde da vontade das partes para sua aplicação. Assim, o  Código Civil proíbe  negociar herança de pessoa viva, mesmo com o consentimento  da pessoa. Esta é uma norma  cogente, como também qualquer uma, por exemplo,  que verse sobre tributos. A vontade do agente estatal e do contribuinte são indiferentes.
Além do fenômeno da convencionalidade  sustentado pelo princípio  pacta sunt servanda, há normas de Direito Internacional que têm a característica da cogência.
Após Nuremberg  se reconhece que normas do Direito Internacional dos Direitos Humanos são cogentes. Derivadas dos costumes e de outras fontes formais do Direito, independem, para sua eficácia, da vontade dos  sujeitos envolvidos numa relação jurídica. A racionalidade disto é clara. Trata-se de  um imperativo moral transformado em axioma jurídico: como poderia a proteção da vida e dos direitos básicos da pessoa humana depender de um ato de vontade, em qualquer plano do fenômeno jurídico?

3. Superação do Positivismo Jurídico
Em Nuremberg dirigentes de  um Estado soberano foram  julgados por uma corte internacional.  Para isto contribuíram  não só normas convencionais, mas também o costume internacional e os princípios gerais de Direito como fontes de normas vinculantes, cogentes,   de  proteção da Humanidade.
Nuremberg foi, por isso,  o ponto de ruptura com o positivismo jurídico. A ideia  de que somente normas positivadas por meio de determinados procedimentos formais constituem o Direito independentemente de juízo de valor deve ser considerada hoje  uma etapa primitiva do desenvolvimento do fenômeno jurídico. Isto porque a  dignidade humana deixou de ser um postulado filosófico para tornar-se axioma jurídico. Está  na raiz  dos instrumentos internacionais de defesa dos Direitos Humanos que se seguiram à barbárie nazista:  a Declaração de Universal de 1948, o Pacto de Direitos Civis e Políticos,  a Declaração de Direitos Econômicos e Sociais, a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e contra a Humanidade, de 1968, Convenção contra a Tortura, etc.
No aspecto penal,  os Princípios de Nuremberg, aprovados pela ONU em 1950, consolidaram como crimes de Direito Internacional crimes de guerra, crimes contra a paz e crimes contra a humanidade, afirmando, de modo expresso, que  a lei interna não isenta de responsabilidade o perpetrador. Claro.  Sem isso  tudo seria inútil. Dentro dos estreitos limites impostos pelo Positivismo jurídico e seu corolário, a soberania dos Estados entendida como absoluta,  não se poderia conceber uma norma imperativa, cogente, de defesa da Humanidade.

4. Imprescritibilidade
Permitir que o decurso do tempo tornasse impuníveis crimes contra a Humanidade significaria relativizar a ideia de Humanidade. Certamente que a prescrição no Direito comum é  um conceito iluminista, necessário e civilizado. Mas a imprescritibilidade dos crimes contra a Humanidade incorpora esse ideal iluminista. As declarações de direitos na Revolução Francesa  tinham como sujeitos de direitos  os indivíduos. Nos momentos históricos seguintes surgem outros sujeitos de direitos, não mais indivíduos, mas coletivos – trabalhadores, minorias, excluídos, etc. E num terceiro momento surge, com o Direito Internacional dos Direitos Humanos a  própria humanidade como sujeito de direito.
A imprescritibilidade  justifica-se porque nos crimes contra a humanidade há  um enorme potencial de aniquilação de seres humanos (o imenso poder de um Estado e consequente  capacidade de destruição interna e externa). Há o risco de extermínio de etnias, minorias, de certos valores culturais, espirituais, sociais, expressões políticas, filosóficas, etc. O que se protege é a própria sobrevivência da humanidade em sua inteireza,  complexidade e riqueza. Por isso o poder de persecução é  absoluto, transcende fronteiras, soberanias e limitações próprias de outro  estágio de civilização e de outro plano jurídico.

5. A Decisão da Corte Interamericana
O Brasil  ratificou a Convenção Interamericana de Direitos Humanos em 1992. Reconheceu  a competência da Corte Interamericana na significativa data de 10 de dezembro de 1998 (aniversário da promulgação da Declaração Universal dos Direitos Humanos pela ONU), nos seguintes termos:
“o Brasil declara que reconhece, por tempo indeterminado, como obrigatória e de pleno direito, a competência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, em todos os casos relacionados com a interpretação ou aplicação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em conformidade com o artigo 62, sob reserva de reciprocidade e para fatos posteriores a esta declaração” (grifei).
Veja-se que no plano da convencionalidade o conceito clássico de soberania estatal nem se modifica. O reconhecimento de uma corte internacional se dá como  ato de soberania e o acatamento das decisões que dela emanam é consequência lógica dessa soberania. Vale dizer, de sua vontade.
A Comissão Interamericana de Direitos Humanos submeteu, em face da convencionalidade,  à Corte Interamericana  uma demanda contra o Brasil conforme petição apresentada pelo Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e Human Rights Watch/Américas. A denúncia consistiu  na responsabilidade do Estado brasileiro pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista do Brasil e camponeses da região do Araguaia em decorrência de operações do Exército brasileiro.
Ressaltou a Comissão, em síntese,  que o Brasil, por força da Lei 6.683/79 (“Lei de Anistia”),  não realizou investigação penal com a finalidade de julgar e punir os responsáveis pelo desaparecimento forçado de 70 pessoas;  que as medidas legislativas e administrativas adotadas  restringiram indevidamente o direito de acesso à informação pelos familiares; que o desaparecimento das vítimas, a impunidade dos responsáveis e a falta de acesso à Justiça, à verdade e à informação afetaram negativamente a integridade pessoal dos familiares dos desaparecidos e da pessoa executada.
O reconhecimento da competência da Corte Interamericana pelo Brasil se deu com a ressalva dos fatos anteriores a 1998.  O caso Araguaia ficou  a salvo da ressalva. A Corte delimitou sua competência aos casos dos desaparecidos porque o desaparecimento forçado é crime continuado, e portanto  seus efeitos persistem após 1998. Por isso ficou excluída da decisão o caso de Maria Lúcia Petit da Silva,  cujos restos mortais foram localizados após 1998. Mas deu-se por competente também para os fatos e omissões ocorridos a partir de 10 de dezembro de 1998, como a ausência  de investigação e outras omissões.
Isto é de fundamental importância neste momento. Nos termos da decisão da Corte, temos:
“…o caráter contínuo e permanente do desaparecimento forçado de pessoas foi reconhecido de maneira reiterada pelo Direito Internacional dos Direitos Humanos, no qual o ato de desaparecimento e sua execução se iniciam com a privação da liberdade da pessoa e a subsequente falta de informação sobre seu destino, e permanecem até quando não se conheça o paradeiro da pessoa desaparecida e os fatos não tenham sido esclarecidos. A Corte, portanto, é competente para analisar os alegados desaparecimentos forçados das supostas vítimas a partir do reconhecimento de sua competência contenciosa efetuado pelo Brasil”.

A Corte afirmou que não há controvérsia fática porque o Estado brasileiro reconheceu sua responsabilidade  e relatou as medidas de reparação destinadas às vítimas da ditadura militar (Lei 9.140/95).  A divergência foi apenas jurídica. Desse modo  concluiu provado que, entre os anos de 1972 e 1974, na região do Araguaia, agentes do Estado foram responsáveis pelo desaparecimento forçado de 62 pessoas:
“Transcorridos mais de 38 anos, contados do início dos desaparecimentos forçados, somente foram identificados os restos mortais de duas delas. O Estado continua sem definir o paradeiro das 60 vítimas desaparecidas restantes, na medida em que, até a presente data, não ofereceu uma resposta determinante sobre seus destinos”. Em conclusão, assinalou  que “o Estado é responsável pelo desaparecimento forçado e, portanto, pela violação dos direitos ao reconhecimento da personalidade jurídica, à vida, à integridade pessoal e à liberdade pessoal, estabelecidos, respectivamente, nos artigos 3, 4, 5 e 7, em relação ao artigo 1.1 da Convenção Americana, em prejuízo das seguintes pessoas (…)”.
Estabelecidos os fatos e reconhecida a responsabilidade do Estado brasileiro, o obstáculo à investigação e eventual punição dos responsáveis é a Lei de Anistia. A Corte declarou que ela não é válida. Não pode  produzir efeitos jurídicos:
“Este Tribunal, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, os órgãos das Nações Unidas e outros organismos universais e regionais de proteção dos direitos humanos pronunciaram-se sobre a incompatibilidade das leis de anistia, relativas a graves violações de direitos humanos com o Direito Internacional e as obrigações internacionais dos Estados (…) no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, do qual  Brasil faz parte por decisão soberana, são reiterados os pronunciamentos sobre a incompatibilidade das leis de anistia com as obrigações convencionais dos Estados, quando se trata de graves violações dos direitos humanos. Além das mencionadas decisões deste Tribunal, a Comissão Interamericana concluiu, no presente caso e em outros relativos à Argentina, Chile, El Salvador, Haiti, Peru e Uruguai, sua contrariedade com o Direito Internacional.
Lembrou decisão do Tribunal Penal Internacional para a ex-Iugoslávia:
“carece de sentido, por um lado, manter a proscrição das violações graves dos direitos humanos e, por outro, aprovar medidas estatais que autorizem ou perdoem, ou leis de anistia que absolvam seus perpetradores”.
Na análise ainda da lei de anistia brasileira ressaltou a Corte:
“a forma na qual foi interpretada e aplicada a Lei de Anistia aprovada pelo Brasil (…) afetou o dever internacional do Estado de investigar e punir as graves violações de direitos humanos, ao impedir que os familiares das vítimas no presente caso fossem ouvidos por um juiz, conforme estabelece o artigo 8.1 da Convenção Americana, e violou o direito à proteção judicial consagrado no artigo 25 do mesmo instrumento, precisamente pela falta de investigação, persecução, captura, julgamento e punição dos responsáveis pelos fatos, descumprindo também o art 1.1 da Convenção. Adicionalmente, ao aplicar a Lei de Anistia impedindo a investigação dos fatos e a identificação, julgamento e eventual sanção dos possíveis responsáveis por violações continuadas e permanentes, como os desaparecimentos forçados, o Estado descumpriu sua obrigação de adequar seu direito interno, consagrada no art. 2 da Convenção Americana”.

Em sentido absolutamente contrário ao afirmado pelo Ministro Cesar Peluso (lembremos o que ele disse: a decisão da Corte “se dá no campo da convencionalidade, não altera a decisão do STF”, etc),  a Corte foi peremptória: é obrigação das autoridades judiciais efetuar o controle de convencionalidade como obrigação assumida pelo Estado brasileiro na ordem internacional. Isto deve fazer o Ministro lembrar-se de que a ordem jurídica internacional não é uma uma espécie de adorno:
“O Tribunal estima oportuno recordar que as obrigações de cumprir as obrigações internacionais voluntariamente contraídas corresponde a um princípio básico do direito sobre a responsabilidade internacional dos Estados, respaldado pela jurisprudência internacional e nacional, segundo o qual aqueles devem acatar suas obrigações convencionais e internacionais de boa fé (pacta sunt servanda). Como já salientou esta Corte e conforme dispõe o artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados de 1969, os Estados não podem, por razões de ordem interna, descumprir obrigações internacionais. As obrigações internacionais dos Estados-Partes vinculam todos seus poderes e órgãos, os quais devem garantir o cumprimento das disposições convencionais e seus efeitos próprios (effet utile) no plano do seu direito interno.
Patente, portanto, que o presidente do Supremo Tribunal Federal desinformou a sociedade brasileira. O Estado brasileiro tem obrigações internacionais assumidas no exercício de sua soberania. Os três Poderes da República devem cumpri-las.  Aliás, quem pleiteia um assento definitivo no Conselho de Segurança da ONU não pode ignorar as decisões de órgãos internacionais de que  participa, sob pena de desmoralização.
Embora a Corte tenha delimitado sua competência aos efeitos jurídicos  pós-1998 respeitando   a  ressalva do Brasil, em voto apartado o juiz ad hoc Roberto de Figueiredo Caldas enfatizou aspectos relacionados com o caráter vinculante das normas de Direito Internacional dos Direitos Humanos – o jus cogens referido acima.
O Brasil deve dar cumprimento às normas cogentes protetivas da humanidade  para além da convencionalidade,  estendendo os efeitos da decisão da Corte aos atos praticados pela ditadura militar no período 1964-1985. Assassinatos, torturas, violações, desaparecimentos forçados, ferem normas do  jus cogens do Direito Internacional dos Direitos Humanos e isto  impõe que o Estado brasileiro assuma integralmente sua responsabilidade e proceda à investigação e a persecução penal em todos os casos de crimes contra a humanidade praticados pela ditadura militar. As proibições cogentes no campo dos direitos humanos  superpõem-se a qualquer norma de direito interno. Prevalecem mesmo diante do poder constituinte originário. Na decisão,  a Corte Interamericana citou julgado da Corte Suprema do Uruguai a esse respeito:
“a regulamentação atual dos direitos humanos não se baseia na posição soberana dos Estados, mas na pessoa enquanto titular, por sua tal condição, dos direitos essenciais que não podem ser desconhecidos com base no exercício do poder constituinte, nem originário, nem derivado”.
O juiz Caldas fez constar em seu voto separado  afirmação coincidente. Lembrou que é irrelevante a não ratificação pelo Brasil da Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e contra a Humanidade porque ela não é criadora do Direito, mas meramente consolidadora. Desde Nuremberg reconheceu-se a existência de um costume internacional cujos primórdios remontam ao preâmbulo da Convenção de Haia de 1907.  Assim, prossegue o juiz Caldas, o jus cogens “transcende o Direito dos Tratados e abarca o Direito Internacional em geral, inclusive o Direito Internacional dos Direitos Humanos”. Em sua conclusão, afirma:
“É prudente lembrar que a jurisprudência, o costume e a doutrina internacionais consagram que nenhuma lei ou norma de direito interno, tais como as disposições acerca da anistia, as normas de prescrição e outras excudentes de punibilidade, deve impedir que um Estado cumpra a sua obrigação inalienável de punir os crimes de lesa-humanidade, por serem eles insuperáveis nas existências de um indivíduo agredido, nas memórias dos componentes de seu círculo social e nas transmissões por gerações de toda a humanidade. É preciso ultrapassar o positivismo exacerbado”.
Na consciência jurídica  contemporânea  a Humanidade  é o sujeito de direito. O juiz deve, se demandado em um momento especial,    julgar acima do poder constituinte originário. Isto há de deixar pálidos juristas não acostumados a raciocinar fora dos limites do Positivismo jurídico.
A segurança jurídica – o lapidar mote do Positivismo jurídico -  reside, na verdade,  em certos valores e princípios assentados na defesa da pessoa humana. Segurança jurídica para proteger torturadores?  Admitir – como se fez em Nuremberg – que em casos de barbárie devem ser preservados valores universais em detrimento da técnica cega e irracional fixa  claramente em que circunstâncias a forma positiva clássica do Estado contemporâneo prevalece e em que circunstâncias não. Ou entendemos que estes conceitos estão consolidados ou continuaremos reféns daquelas trevas que nos infelicitaram durante  21 anos. Eles devem constituir  a base do Direito no 3o. milênio para que tenhamos uma etapa superior de moralidade  e civilização.
Portanto, todos os conceitos em jogo convergem para a mesma solução daquela  antinomia: prevalece o decidido pela Corte Interamericana. No plano da convencionalidade, o Brasil se obrigou, e essa obrigação não é um adorno, como deu a entender o senhor ministro.  Gera efeitos. Há também normas imperativas, cogentes, que devem ser  aplicadas independentemente da convencionalidade e alcançam os crimes cometidos durante toda a ditadura militar. O Positivismo jurídico e seu corolário de soberania absoluta são relíquias históricas. As normas imperativas que condenam os crimes contra a Humanidade  são imprescritíveis.
Contra a resistência de setores desinformados, de má-fé ou com interesses obscuros a resguardar deve ser oposta esta consciência jurídica universal e a segura trilha de construção de uma sociedade verdadeiramente democrática.
Trata-se de saber que sociedade estamos construindo. Uma em que é possível admitir que o Estado, em um momento, aniquile, brutalize, torture, faça desaparecer pessoas e  imponha a uma parte de seus cidadãos  sofrimento indizível até o final de seus dias, e em   outro momento ignore tudo por razões políticas; ou uma sociedade em que cada brasileiro tenha a proteção absoluta de membro da humanidade.  Muitos de nós fizemos a escolha moral, que é amparada pelo Direito,  e não vamos  renunciar ao bom combate. Outros, que calam indiferentes, que  façam a escolha que não os envergonhe perante as gerações futuras. Porque punir a tortura é direito e dever  da Humanidade.

Marcio Sotelo Felippe é jurista, procurador do Estado de São Paulo

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