quinta-feira, 22 de março de 2012

Enem: Uma pergunta e uma resposta bobas

 
Falar brasileiro
 
EM DEFESA DO ENEM


Por Marcos Bagno


Mais de cinco milhões de estudantes brasileiros participaram do último ENEM.
Para quem não sabe, (e para se ter uma ideia do que esses os representam), a população absoluta de muitos países (Dinamarca, Finlândia, Noruega, Zelândia, Uruguai, etc.) não chega a esse total. Isso quer dizer que se, por exemplo, cinco mil testes tivessem apresentado algum problema, seria apenas 0,1 por cento do universo de provas.
Se fossem quinhentos mil, seriam 10 por cento. No entanto, em todo o histórico do ENEM, nunca em suas edições ocorreram tal número de falhas.
Recentemente, numa escola do Ceará, 639 provas ficaram sob suspeita porque algum professor, cometendo um ato de absoluta desonestidade profissional, copiou os pré-testes que o MEC aplica aleatoriamente no país antes do exame oficial e que devem ser incinerados.
Quem for bom de mate­mática (eu não sou) faça as contas e descubra o que são 639 num universo de 5 milhões. E ainda vem um procurador ávido por seus 15 segundos de fama pedindo a anulação de todo o exame. Haja!
O ENEM se apresenta hoje como uma excelente alternativa para a extinção dessa monstruosidade chamada vestibular. Nada justifica que uma pes­soa, tendo concluído com sucesso o ensino médio, precise se submeter a uma maratona de testes es­tressantes para ter acesso ao ensino superior. Pior ainda, que alguém que vá, por exemplo, para um curso de Letras, tenha de fazer provas de Matemá­tica, Química, Física e Biologia. A monstruosida­de também está na indústria multimilionária que o vestibular criou ao longo de décadas e que fez ele perder qualquer razão de ser, se jamais teve algu­ma.
Ainda que se alegue que o exame servia para aferir o que os estudantes tinham aprendido, o que surgiu na verdade foi uma preparação para o ves­tibular, uma distorsão absoluta dos supostos obje­tivos do exame. Com isso, os três escassos anos do ensino médio se tornaram simplesmente uma longa prévia da tortura psicológica que estaria por vir no final do terceiro ano.
Fui matricular certa vez meus filhos recém-alfabetizados numa escola de classe média em São Paulo e perguntei à diretora qual era a linha educacional do estabelecimento. Ela res­pondeu sem titubear: "Aprovar nossos alunos no vestibular". Saí correndo de lá com as crianças.
O ENEM se configura como uma interessante ferramenta de avaliação do ensino médio e, ao con­trário do vestibular, não tem como gerar uma in­dústria de cursinhos, apostilas etc. Sua metodologia rejeita as questões pontuais, conteudísticas, e apela muito mais para as habilidades cognitivas do candi­dato. Na prova de linguagem, por exemplo, nada de nomenclatura gramatical, análise sintática e outras idiotices do gênero, mas questões que tentam mo­bilizar o raciocínio lógico, a intuição linguística e a capacidade de leitura e interpretação de textos.
Agora, a perguntinha boba: por que a mídia faz tanto alarde quando ocorre alguma falha no ENEM? E a respostinha ainda mais boba: porque ela se en­trega de corpo e alma ao lobby poderoso da indús­tria do vestibular. Essa indústria tem seu máximo representante no bilionário grupo Objetivo, espa­lhado por todo o território nacional, do qual sur­giu outra excrescência, a Unip, que de universidade tem só o nome. Quem acha que Globo, Veja, Esta­dão e caterva poderiam resistir aos vestibudólares dessa indústria? Quem acha que nossa mídia vendi­da vai apoiar o que quer que seja que venha de um governo que tenta retirar das oligarquias seus bens mais preciosos?
 
Marcos Bagno é lingüista, escritor e professor da UnB

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