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Jornal Hora do Povo, 29/03/2012
Fernando Siqueira fala de acidente da Chevron
“Chevron mentiu o tempo todo sobre vazamentos”, diz Fernando Siqueira
“Negligenciou segurança para economizar”
O vice-presidente da Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobrás) e do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, Fernando Siqueira, afirmou, no sábado (24), em entrevista à Hora do Povo, que a Chevron mentiu o tempo todo e não informou aos órgãos públicos que perfurou outro reservatório, localizado mais abaixo em relação ao que vinha sendo explorado antes. Ela fez isso sem saber qual era a pressão máxima que poderia utilizar. Esse fato causou os dois vazamentos da bacia de Campos. Siqueira disse que a Petrobrás, por ser uma empresa estatal, jamais se comportaria de forma tão irresponsável. Abaixo, a entrevista na íntegra.
HP - Qual a sua avaliação do processo aberto pelo Ministério Público Federal contra a empresa norte-americana Chevron?
FS - A Chevron negligenciou a segurança por motivo de economia. Resumidamente, o caso é o seguinte: a Chevron estava furando um poço. Havia um outro reservatório nas proximidades de onde ela já produzia. Ela conhecia a pressão deste reservatório vizinho. Então, ela furou esse reservatório. Só que havia um outro reservatório mais embaixo. Quando ela furou o primeiro, ela fez um teste mecânico de resistência do reservatório e chegou a uma pressão em torno de 11 libras por galão. Então, ela dimensionou uma lama tal que compensasse a pressão desse reservatório, que era 10,5 libras por galão, ou seja, uma pressão abaixo do limite de resistência do reservatório.E aí então, ela resolveu furar o reservatório mais embaixo. Mas, para furar esse reservatório mais embaixo, o correto teria sido revestir o poço nesse trecho, isolar o primeiro reservatório, que ela furou antes, e prosseguir a perfuração com toda a segurança, ou seja, a pressão que existisse no reservatório mais embaixo não iria repercutir no reservatório do primeiro nível, do nível mais acima. Isso seria o correto.
HP - Qual foi o motivo que levou a Chevron a negligenciar a segurança?
FS - Para economizar tempo e dinheiro. A Chevron correu o risco de continuar a perfuração e esperava encontrar, no segundo reservatório, a pressão do primeiro reservatório, porque, no outro, onde ela já produzia, a pressão era mais ou menos nesse nível. Isso é uma achologia. Um risco que não se pode correr na área do petróleo, principalmente no mar e a grandes profundidades. Então, a Chevron negligenciou a segurança para economizar. E prosseguiu na perfuração sem ter revestido o primeiro reservatório. Quando ela atingiu o segundo reservatório a pressão era mais alta do que ela esperava. Então houve um "quick" de pressão, uma ameaça de o poço jogar tudo para fora.
HP - Diante da constatação do problema, qual foi a atitude adotada pela Chevron?
FS - Os técnicos aumentaram e densidade da lama que estava sendo injetada e aumentaram a pressão em cima do reservatório para poder equilibrar a coluna. Ou seja, para poder equilibrar a pressão deste segundo reservatório. Só que, como o primeiro reservatório não estava isolado, essa lama, mais pesada do que ele suportava, migrou para ele e trincou a parte externa do reservatório. Trincou a casca do reservatório que é uma parte sólida da rocha que, impermeabilizada, não deixa o petróleo sair lá de dentro. Quando injetou uma pressão superior, a resistência dele cedeu e ele trincou. Não se sabe o tamanho dessa trinca, mas começou então a vazar petróleo do reservatório para o terreno.
HP - Há uma relação entre o desastre de novembro e o vazamento atual?
FS - Muito provavelmente há relação entre o desastre de novembro e o vazamento de agora. A gente supõe que esse segundo vazamento foi consequência da perfuração do segundo reservatório, porque como ele está a mais de mil metros abaixo da superfície do solo, a tendência do óleo é procurar veios no terreno para migrar até a superfície. Então, imagina-se que esse óleo migrou através do terreno e chegou a três quilômetros de distância do ponto original do acidente. Agora é complicado restabelecer a permeabilização do reservatório. A Chevron tinha suspenso todas as atividades de perfuração. Então, não teria sentido surgir outro acidente na área.
HP - A Chevron está escondendo informações das autoridades?
FS - A Chevron não está querendo abrir jogo. Ela não contou a verdade desde o começo. Mesmo a PF, interrogando alguns técnicos da área de perfuração, não conseguiu chegar à verdade. A Chevron, além de não dizer exatamente o que houve, mente desde o início. Primeiramente ela tentou atribuir o vazamento à Petrobrás, porque havia o campo de Roncador ali próximo. Teve-se que fazer um exame de DNA do petróleo para saber que era de Frade. Depois, no Congresso, falou que ela não tinha colocado a segunda sapata, ou seja, desviou para uma coisa menos grave. Em momento nenhum ela confessou que negligenciou a segurança quando deixou de fazer o procedimento correto, que seria revestir o poço para isolar o primeiro reservatório, uma vez que ela pretendia dirigir-se ao segundo reservatório. Sem saber a pressão que existia lá, ela tinha que tomar as providências seguras para não haver o acidente, e não tomou.
HP - Que diferença você vê entre essa atuação da Chevron e a atuação da Petrobrás?
FS - A Petrobrás é uma empresa estatal, portanto tem o controle da sociedade. O cartel não tem o controle de ninguém. Esse é um dos problemas de você ter empresas estrangeiras trabalhando aqui. Porque se fosse a Petrobrás, que é uma empresa estatal, que tem um controle do governo, ela teria que forçosamente contar a verdade, tomar as providências cabíveis e se responsabilizar completamente pela reparação do dano. A Chevron tentou enganar os órgãos públicos e isso é gravíssimo. É um desrespeito às leis do país, um desrespeito à soberania e, por isso, é que nós achamos que temos que acabar com os leilões, porque a Petrobrás tem as condições, as técnicas necessárias para explorar o petróleo.
HP - O Brasil precisa dessas empresas estrangeiras para explorar petróleo?
FS - A Petrobrás tem condições financeiras, porque financiamento para quem tem petróleo é a coisa mais viável do mundo. E ela tem a tecnologia necessária e o controle da sociedade. A Petrobrás contrata as mesmas empresas prestadoras de serviço que as outras petroleiras. Portanto, a tecnologia usada é a mesma. A Transocean, que é a empresa que perfurou Frade, trabalhou no golfo do México e houve lá o acidente da British Petroleum (BP). O acidente ocorreu porque a BP, também para economizar tempo e dinheiro, negligenciou a segurança e deixou de fazer uma cimentação mais segura. Fez uma cimentação muito aquém daquela recomendada. A Transocean aqui no Brasil trabalha para a Chevron. Ela também fez o que o cliente mandou, ou seja, negligenciou a segurança. A Transocean fura para a Petrobrás, só que a Petrobrás não exige dela esse tipo de atitude. Então tudo isso são argumentos fortíssimos para a gente não ter mais leilões de áreas petrolíferas no Brasil.
HP - Você acha possível controlar a atuação das empresas estrangeiras?
FS - Pelo contrário, até o governo americano é controlado pelo cartel. Só para dar um exemplo, eu propus ao Gabrielli, então presidente da Petrobrás, que o Lula fizesse um acordo com o Obama para a Petrobrás fornecer 4 milhões de barris por dia durante trinta anos, pelo preço de mercado, com a condição dele tirar os lobistas daqui do Congresso. E o Gabrielli disse que o Lula já tinha proposto isso, mas o Obama teria respondido que não tem controle sobre as empresas. Não existe um porta-voz das empresas. São as empresas que controlam o governo americano. Em lugar nenhum do mundo elas respeitam as leis. A Chevron está sendo processada no Equador. A Shell fez um desastre na Nigéria. Teve o desastre lá no Ártico, do petroleiro Exxon Valdez. Essas empresas não são controladas. A Chevron está mostrando isso aqui. Mentiu o tempo todo, não usou o procedimento correto e causou o acidente
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