sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Não basta demitir; é fundamental investigar e processar




Jornal do Brasil, 5 de agosto de 2011

 
Brasil se consolida como República



Por Mauro Santayana

O Ministro Nelson Jobim, respeitemos os fatos, é um político singular na história recente do país. Ele surge no cenário nacional em 1987, ao eleger-se para a Câmara dos Deputados. Rapidamente, impressionou seus pares pelo desembaraço. Sua vida acadêmica é rica:  professor-adjunto de Direito da Universidade de Santa Maria, no Rio Grande do Sul, em que se formou, nela também  obteve o mestrado em Filosofia Analítica e Lógica Matemática.  Não obstante esses títulos, Jobim é intelectualmente discreto: nunca demonstra todo o seu saber nos pronunciamentos políticos ou em seus escritos. A vaidade ele a guarda para a prática cotidiana da política. É um homem que, em todos os  atos, parece dizer que nasceu para mandar. Mas, pelo que vemos, não entende que o poder depende da legitimidade. Em seu caso, a legitimidade é conferida pela confiança da Presidenta. Quando falta legitimidade a qualquer poder, ele é tão sólido quanto uma nuvem de verão.
No duelo de grandeza entre ele e Fernando Henrique, registre-se  a verdade, o sociólogo levou vantagem sobre o filósofo e jurista. Matreiramente, como  sempre foi, o então presidente valeu-se da intemperança de Jobim, sem que esse percebesse. Fez como se seguisse a orientação do gaúcho, dando-lhe corda, enquanto o conduzia pelos cordéis da lisonja. Jobim tem uma relação quase pavloviana com a real ou falsa admiração alheia. Nesses momentos, ele consegue inflar a alma por dentro do corpo.
Em uma visita que lhe fez, quando ocupava o Ministério da Justiça, o saudoso jornalista Márcio Moreira Alves anotou que o Ministro demonstrava sua cultura, ao ter, sobre a mesa, o conhecido compêndio de ensaios políticos de John Jay, James Madison e Alexander Hamilton, The Federalist. Os três grandes pensadores e políticos norte-americanos, mais do que discutir os fundamentos constitucionais da jovem república, redigiram uma espécie de manual republicano, a partir do pensamento clássico e dos filósofos ingleses do século 17. É, na certa, um bom estudo, principalmente para o uso daqueles que se sentem desestimulados a visitar o pensamento original e mais complexo  dos clássicos, de Aristóteles a Locke, de Santo Tomás a Montesquieu, que inspiraram os políticos norte-americanos. Marcito, que se encontrava em  fase serena de sua carreira, tratou Jobim com tal bonomia que os maliciosos poderiam ter considerado irônica.
Jobim é vaidoso, embora, pelo que se sabe, não se mete em negócios estranhos. Tal como Romero Jucá, porém, sua adesão ao governo independe de quem o chefie ou do partido que nele exerça hegemonia. É o terceiro período presidencial em que  se destaca, nos  poderes republicanos, como parlamentar, ministro, juiz e presidente do STF. Em nenhum cargo Jobim se sentiu tão ele mesmo como no Ministério da Defesa. Seu entusiasmo foi o do escoteiro ao ser admitido no grupo. Tanto assim, que não titubeou: em poucas horas já envergava o uniforme de campanha dos oficiais superiores do Exército. Jobim é assim construído: tem o seu lado lúdico, e algum psicanalista de botequim poderia concluir que ele brinca sempre.
Mandar é com ele mesmo. Lula, que tem outro tipo de astúcia, bem diferente da que esgrime Fernando Henrique, também manobrou bem com Jobim. É certo que Lula não ficou muito à vontade quando Jobim, ao substituir um dos homens mais dignos de nossa história política, o baiano Valdir Pires, cometeu a grosseria de insinuar que seu antecessor não ocupara o cargo com a autoridade que lhe competia. A diferença é que Valdir administrava um ministério de militares em tempo de paz, enquanto Jobim parecia sonhar com o desempenho de Rommel e de Patton nos desertos africanos, e de Eisenhower e Zhukov,  no desembarque na Normandia e no avanço sobre a Alemanha. Os chefes militares logo descobriram que Jobim estava encantado em brincar de marechal, e com ele se ajeitaram. Enfim, como Jobim fingia que mandava, eles, mais experientes, fingiam que obedeciam.
Ele se encontrava pouco à vontade, quando despachava com a presidente. Convenhamos que não é cômodo para Jobim submeter-se ao mando de uma mulher. Talvez mais para justificar-se diante de seus amigos paulistas do que para expressar um sentimento real, disse o que disse na festa dos oitenta anos de Fernando Henrique, a propósito dos “idiotas” do governo, com os quais era forçado a conviver hoje, bem diferentes dos “geniais” ministros do excelso intelectual. As suas declarações à Revista Piauí – que ele, sem muito jeito, tentou desmentir – ajustam-se à sua personalidade. A mais grave delas se refere ao episódio da nomeação de José Genoíno como seu assessor, quando afirma que, diante da hesitação da presidente sobre a capacidade do ex-guerrilheiro para o cargo, cortou logo a dúvida: quem sabia se Genoíno desempenharia bem a sua função era ele, Jobim, e não ela, Dilma. Se o diálogo realmente houve, ele não só contrariou as normas do poder, mas, ainda mais, violou as regras do cavalheirismo.
Por mais Dilma Roussef tenha recebido o apoio de Lula, ao assumir o cargo ela se tornou a chefe de Estado do Brasil, com todas as responsabilidades e prerrogativas do cargo, legitimada pela vontade da nação. Ela só tem que obedecer aos interesses nacionais, e cumprir a Constituição e as leis, de acordo com a sua própria consciência. E os que se sentirem incomodados com sua liderança, se assim lhes parecer melhor, podem deixar o governo. O Brasil tem centenas de milhares de cidadãs e cidadãos, patriotas e de probidade, capazes de exercer bem o múnus republicano – mesmo que não conheçam os endereços de Brasília.
Foi assim que se desfez a pequena crise: Jobim se demitiu no início da noite e um grande e sensato brasileiro, Celso Amorim, já foi nomeado para substituí-lo. O Brasil se consolida como República.

 


http://www.viomundo.com.br/politica/alipio-freire-nao-basta-demitir-e-fundamental-investigar-e-processar.html
5 de agosto de 2011

Não basta demitir; é fundamental investigar e processar

Por Alipio Freire, especial para o Viomundo

Temos novo ministro da Defesa: o ex-ministro de Relações Internacionais, o diplomata Celso Amorim. Acertada (muito acertada) a decisão de demitir o doutor Nelson Jobim, assumida pela presidenta Dilma Rousseff. Acertada (muito acertada, também) a escolha do embaixador e ex-ministro de Relações Internacionais do Governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Celso Amorim.
Desta vez o doutor Nelson Jobim, ministro da Defesa desde o Governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (que o alçou a essa condição em 2007, e  garantiu sua permanência no atual Governo) pediu demissão do cargo que jamais deveria ter ocupado. Talvez (e é bem provável), esteja de olho na Prefeitura de alguma Capital nas próximas eleições. Se for isto (ou qualquer outro plano sinistro), para o bem dos trabalhadores e do povo brasileiro, meus votos de absoluto insucesso. Aliás, meu voto de insucesso em qualquer plano que tenha para sua carreira política e de homem de negócios (sempre escusos).
Explico: um elemento que fraudou o texto da nossa Constituição (um falsário), introduzindo adulterações (emendas não votadas) para beneficiar banqueiros credores da nossa dívida externa; que, na Presidência do STF, ficou famoso pelo engavetamento de processos, como aquele que definiria se os bancos deveriam ser julgados pelo Código de Defesa do Consumidor; e que, para se tornar ministro – juntamente com os seus parceiros, nas sombras – forjou um agravamento da crise nos aeroportos (o tal “caos aéreo”), jamais deveria ocupar qualquer cargo numa República: esses episódios (entre tantos outros que poderíamos elencar) são suficientes para se perceber um caráter cínico, sem escrúpulos, sem limites.
Mais que isto, esses episódios são suficientes para que fosse processado, preso e cumprisse pena. Impensável uma pessoa com esse currículo acabar exatamente dirigindo as nossas Forças Armadas – responsáveis ela garantia da Constituição, da legalidade e das nossas fronteiras. Impensável um elemento com esse histórico ser candidato a qualquer cargo eletivo, sobretudo se a estratégia for acumular “cacife” para uma possível candidatura à Presidência em 2014. Não é à toa que o PSDB já pretende que ele se filie às hostes tucanas. Não é à toa que o beletrista, ex-presidente e atualmente senador José Sarney saiu em sua defesa durante o ataque de misoginia que o doutor Jobim desferiu contra ministras do Governo da presidenta Dilma Rousseff que, ao tentar desqualificar a condição de mulheres, visava à própria presidenta. Desrespeitar e desafiar publicamente aqueles aos quais deve lealdade – trair – tem sido a regra na carreira desse senhor. Trair sempre a serviço da “oligarquia financeira transnacional” que pretende mandar de modo absoluto no mundo, mesmo agora que a grande crise nos EUA e países da Europa deixa mais que evidentes os resultados desse des/mando.
Provavelmente o poder de chantagem – hoje edulcorado sob o nome mais sofisticado e  palatável de “dossiês” – combinado  com o poder de compra de “almas” financiado pela banca internacional, explique os sucessos e impunidades que vêm sendo conquistados pelo doutor Nelson Jobim. Mas isto, somente um profundo inquérito e investigação poderão nos dizer exatamente. Seria necessário um trabalho de pesquisa com a seriedade e envergadura daquele desenvolvido pelos professores Adriano Benayon e Pedro Dourado Rezende procederam com relação à fraude no texto da Constituição (http://paginas.terra.com.br/educacao/adrianobenayon/fraudeac.html).
Ainda a este respeito (num país que insiste em não ter memória, e de não julgar seus criminosos de alto coturno – como acontece na discussão da Comissão da Verdade que deveria apurar os crimes contra os Direitos Humanos, julgar seus executores e mandantes e puni-los nos termos da lei), vale a pena lembrar (e reler) a grande catilinária do ex-governador e então presidente Nacional do PDT Leonel Brizola, publicada pelos jornais O Globo, Correio Braziliense, Folha de S. Paulo, Zero Hora e Extra, em suas edições de 9 de outubro de 2003.
O “caos aéreo”: um cálculo frio
Quanto ao “caos aéreo” (2006-2007) que o ungiu  ministro da Defesa, embora houvesse naquele momento problemas de mesma origem em todo o mundo – sempre resultantes do modo de operar das empresas privadas de aviaçãono  Brasil, ele foi elevado aos píncaros, numa campanha onde se misturavam orquestradamente a grita “democrática” e “moralizante” da grande mídia comercial e sabotagens (denunciadas, mas não investigadas naquele momento) no setor de  operação e controle de vôos. Uma clara conspiração entre empresários do setor, políticos da aliança Dem-Tucanos, todos os interessados na privatização dos nossos aeroportos/Embraer, acobertada pela sensação de pânico potencializada por recursos midiáticos, capaz de ‘naturalizar’ qualquer medida de força que se tomasse sobre o assunto: algo na mesma linha dos noticiários atuais sobre crimes e catástrofes que têm como perspectiva final a militarização do Estado e de mega repressão contra os mais pobres que vivem nas periferias das grandes cidades.
O que aquelas forças pretendiam de fato – como programa mínimo imediato – era a deposição do ministro Waldir Pires e nomeação de um outro, capaz de defender e levar a cabo (sem qualquer escrúpulo) seus objetivos: doutor Nelson Jobim. O jogo perverso encontrará seu momento mais dramático quando, no dia 17 de julho de 2007, o AirBus da TAM, vôo 3054, que decolara de Porto Alegre rumo a São Paulo, ao aterrisar, deslizou na pista molhada do aeroporto de Congonhas e, sem controle, atravessou a Avenida Washington Luís, chocando-se em seguida com um prédio, incendiando-se. Das 199 pessoas a bordo, todas tiveram morte imediata.
Nove dias depois, em 26 de julho de 2009, toma posse no Ministério da Defesa, doutor Nelson Jobim, “O Probo” – como pretendem seus colegas de ramo, com a mídia pacificada, e um “caos aéreo” já arrefecido. Empossado, já na sua primeira manhã na condição de ministro (27 de julho), às 8h30, desembarca em São Paulo em trajes típicos de bombeiro, visita o Aeroporto de Congonhas, inspeciona a pista e os destroços do Airbus da TAM. Passo seguinte, visita (não protocolar) ao governador José Serra no Palácio dos Bandeirantes…
No Ministério da Defesa
Ao longo do Governo do presidente Luiz Inácio, seu perfil de provocador se manifestou permanentemente, e sempre que ele quis. Como já descrevemos acima, já começou seu mandato e assim prosseguiu, afrontando a nossa Constituição, travestindo-se com uniformes militares – um ministro da Defesa civil foi uma importante conquista da nossa Constituição. No momento em que o ocupante desse cargo assume e se adorna com os símbolos da velha ordem (no caso, da ditadura), está mais que dito a que veio: já aí o presidente Luiz Inácio, que jamais deveria tê-lo nomeado, teve a chance e deveria tê-lo demitido. Não o fez.
Prosseguindo cinicamente em suas provocações e desrespeito àqueles a quem devia lealdade, chegou ao ápice do desrespeito a todo o Governo do presidente Luiz Inácio, ao tentar – às vésperas do 31 de dezembro de 2009, quando as instâncias do poder e as organizações da sociedade civil brasileira estavam desmobilizadas – um golpe contra o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH). O ministro Vannuchi lançara, poucos dias antes do Natal daquele ano, o Terceiro Programa Nacional dos Direitos Humanos (3ºPNDH), aprovado e assinado pela maioria esmagadora dos ministros. O ministro Vannuchi não caiu, mas o presidente Luiz Inácio concedeu que o 3ºPNDH – elaborado e aprovado a partir da participação de representantes da sociedade civil de todo o país – fosse mutilado ao belprazer do doutor Nelson Jobim que, na ocasião, ameaçou se demitir, com uma carta supostamente assinada pelos comandantes das três armas. Quando afirmo supostamente, refiro-me sobretudo ao comandante da Marinha, cuja assinatura – à época – foi desmentida publicamente, questão que jamais foi esclarecida a contento. Ainda que, com menos ênfase, e sem qualquer declaração oficial, comentários do mesmo tipo tenham rondado a veracidade da assinatura do comandante da nossa Força Aérea. Além de ter como alvo o próprio 3ºPNDH, o golpe do impune doutor Jobim visava a disputa eleitoral de 2010 na qual, não por acaso, a campanha do candidato derrotado à Presidência, acabou elegendo como um dos seus eixos, a questão do aborto.
Amigo pessoal e correligionário político-pessoal do candidato derrotado, nitidamente apoiador da sua campanha, sequer foi afastado do cargo durante aquele ano eleitoral (2010). Apenas, por orientação do presidente Luiz Inácio, retirou-se para um exílio dourado em Miami, onde certamente não se dedicou a esportes de verão, de primavera ou de inverno. Não perdeu tempo: além de muito provavelmente ter prosseguido em conspirações com aqueles contra os quais deveria defender nossas fronteiras, às vésperas do segundo turno, declarou publicamente que, não importava o candidato que fosse eleito, ele poderia ser o ministro da Defesa. Aliás, precisaríamos saber ao certo quais e como foram pagas suas despesas no balneário de luxo dos EUA, e da constiutucionalidade dessas despesas e pagamentos.
Mestre nesse tipo provocações, falcatruas e outros crimes (como a cumplicidade na morte dos passageiros do AirBus da TAM resultante do pânico que construiu e promoveu com seus comparsas a partir do “caos aéreo”), recentemente, em suas entrevistas, passou a fazer sucessivas investidas e provocações contra a presidenta Dilma Rousseff.
Caiu. Talvez tenha querido exatamente isto. Muito provavelmente tratará de sua candidatura para o próximo ano. Ainda assim, sugiro que continuemos atentos para outros possíveis movimentos: o doutor Jobim é um provocador e é capaz de tudo.
De todo modo, e de imediato, Porto Alegre que se cuide. Mas, exatamente por tudo isto, temos muito a comemorar.
Parabéns, presidenta Dilma Rousseff. Bem-vindo, ministro Celso Amorim.


Alipio Freire  é jornalista, escritor e artista plástico. Integra o Conselho Curador do Memorial da Anistia (em Belo Horizonte) e a diretoria do Núcleo de Preservação da Memória Política

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