sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

O avanço dos valores fascistas nos EUA

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São Paulo, sexta-feira, 07 de janeiro de 2011

Republicanos miram filhos de ilegais

ANDREA MURTA
DE WASHINGTON

Representantes de cinco Legislativos estaduais dos EUA deram a largada nesta semana a um movimento para negar cidadania americana a filhos de ilegais e até de legais com vistos temporários nascidos no país.
Republicanos conservadores de Arizona, Pensilvânia, Geórgia, Oklahoma e Carolina do Sul apresentaram em Washington anteontem dois projetos de lei sobre o tema que serão em breve introduzidos em assembleias de ao menos 14 Estados.
O primeiro cria uma nova definição de cidadania estadual, que excluiria bebês nascidos nos EUA que têm ambos os pais ilegais.
O segundo é um acordo entre Estados, que concordariam em emitir certidões de nascimento diferenciadas para bebês cujos pais não comprovem status legal.
Os conservadores fizeram coincidir a data de apresentação das leis com a inauguração do novo Congresso. O movimento já foi acolhido por correligionários na Câmara dos Representantes, controlada pela oposição.
Steve King (Iowa), que chefiará a subcomissão de imigração da Comissão Judiciária da Casa, disse que introduzirá assim que começarem os trabalhos legislação para negar cidadania a quem nasce nos EUA mas tem pai e mãe ilegais no país.
Daryl Metcalfe, deputado estadual da Pensilvânia que participou da apresentação, disse que "quer acabar com a invasão de ilegais que está tendo efeitos tão negativos em nossos Estados".
Para Daniel Verdin (senador estadual da Carolina do Sul), a imigração ilegal é um "mal de proporções épicas".
Vários grupos latinos e de direitos civis reagiram. "A intenção real é criar dois níveis de cidadãos e isso é controverso e decididamente antiamericano", disse Wade Henderson, presidente da Conferência de Liderança em Direitos Civis e Humanos.
Os conservadores sabem que as leis não teriam efeito imediato e seriam questionadas quanto a sua constitucionalidade. A 14ª emenda da Constituição diz expressamente que quem nasce nos EUA é cidadão do país.
Além disso, cidadania estadual não traz embutidos direitos ou privilégios especiais; assim, mesmo nos Estados onde a lei passar os filhos de ilegais não sofreriam efeitos práticos.
A intenção do movimento é justamente levar a questão até a Suprema Corte, e lá tentar redefinir o conceito de cidadania.
Para analistas, o objetivo é difícil de alcançar. "Desde o fim do século 19 a Suprema Corte diz claramente que quem nasce nos EUA é americano", afirmou Erwin Chemerinsky, da escola de direito da Universidade da Califórnia. "Seria uma mudança dramática na lei, o que é muito improvável."


Ideia vai contra os princípios que fundamentaram criação dos EUA
HÉLIO SCHWARTSMAN
ARTICULISTA DA FOLHA
O que transforma grupos de pessoas em povos? No fundo, é essa a questão que os legisladores estaduais norte-americanos colocam em pauta, ao tentar forçar uma mudança na definição legal de cidadania.
A discussão não é exatamente nova e permeou boa parte do século 19. A contraposição básica é entre o "jus sanguinis" (direito de sangue, em latim), pelo qual a nacionalidade é dada a um indivíduo segundo sua ascendência, e o "jus soli" (direito de solo), pelo qual ela é atribuída em virtude do local de nascimento.
Mais do que uma minudência jurídica, a distinção traz consigo duas visões de mundo bastante diferentes e às vezes até antagônicas.
Como regra geral, a maioria dos países europeus adotava o "jus sanguinis" - a exceção é a França. A ideia aqui é que é o passado comum, consubstanciado em categorias como sangue, raça e língua, que forja uma nação.
Essa concepção encontra amparo nos textos de pensadores românticos, notadamente o alemão Johann Gottlieb Fichte (1762-1814).
Menos essencialista e por isso mesmo mais democrático, o "jus soli" encontrou seu maior advogado no filósofo francês Ernest Renan (1823-1892), que escreveu em meio à disputa entre a França e a Alemanha pelo controle sobre a Alsácia-Lorena.
Para ele, o que definia um povo era a vontade das pessoas de construir um futuro juntas. A existência de uma nação, dizia, era um "plebiscito diário" e envolvia "ter feito coisas grandes juntos e querer fazer ainda mais".
Não é uma coincidência, assim, que quase todas as nações do Novo Mundo tenham adotado o "jus soli".
Nesse contexto, restringir os direitos de cidadania como quer parte dos republicanos norte-americanos é uma ideia que vai contra o espírito que presidiu a própria criação dos EUA.
Ao longo do século 20, a fim de evitar uma série de paradoxos jurídicos, os países foram adaptando suas legislações de modo a constituir sistemas híbridos.
O Brasil, por exemplo, embora tenha um direito centrado no "jus soli", reconhece como cidadão o filho de brasileiros nascido no exterior.
Nas últimas décadas, com as levas de imigrantes do Terceiro Mundo, nações mais ricas vêm restringindo a concessão de cidadania a refugiados econômicos, ou pelo menos flertando com isso.
Ao fazê-lo, dão súbita atualidade à definição de povo do sociólogo Karl Deutsch (1912-1992): "Um grupo de pessoas unido por uma visão distorcida do passado e pelo ódio aos vizinhos".

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