
São Paulo, quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

É dura a vida no Arizona
ELIO GASPARI
ESTÁ ENTENDIDO QUE Jared Loughner, que matou seis pessoas e deu um tiro na cabeça da deputada Gabrielle Giffords, é um desequilibrado. A discussão de sua personalidade não leva longe. É mais instrutivo olhar para a política americana a partir das ações de governadores, deputados e senadores que nada têm de loucos.
Políticos republicanos de seis Estados, entre os quais o Arizona, querem cassar a cidadania dos filhos americanos de imigrantes que entraram ilegalmente nos Estados Unidos. Só em 2008 nasceram 340 mil. A iniciativa é inconstitucional, mas, para o Tea Party, atrai votos.
A Constituição americana, como a brasileira, dá a cidadania a quem nasce na terra.
Numa nação de imigrantes, a intolerância de parte da sociedade já perseguiu negros, católicos, irlandeses, chineses, coreanos e japoneses. A bola da vez, há tempos, são os latinos. Eles formam a maioria dos 12 milhões de estrangeiros que trabalham no país sem a devida documentação. (Talvez 700 mil sejam brasileiros.)
O chefe do setor de cirurgia onde Gabrielle Giffords foi operada chama-se Peter Rhee, e o delegado local, David Gonzalez. Ambos descendem de imigrantes vindos de regiões vistas com desprezo pelos nativistas radicais americanos.
O diretor da rede escolar pública de Tucson quer fechar os cursos de história e cultura latinas. Entre os livros que pretende tirar dos currículos está a "Pedagogia do Oprimido", de Paulo Freire. Cidadãos do Estado organizam-se em milícias para patrulhar a fronteira com o México. Uma delas é filonazista.
Gabrielle Guifford combateu a legislação xenófoba, apoiou propostas racionais para resolver o problema e elegeu-se três vezes, num distrito conservador. Jovem, atraente, casada com astronauta, ex-republicana, dona de uma pistola Glock 9mm., motociclista batalhadora pela revogação das leis que obrigam ao uso do capacete, é tão americana como a torta de maçã.
O desequilíbrio de Jared Loughner expôs a teatralidade e a violência da recente xenofobia americana. Ela acordou no 11 de Setembro e ceva-se na Grande Recessão. Depois dos tiros de sábado, a cidade de Tucson e o Arizona atraíram para si a maldição que caiu no século passado sobre Dallas e o Texas, quando outro desequilibrado matou o presidente John Kennedy.
É dura a vida no Arizona. Qualquer estrangeiro de aparência suspeita pode ser parado na rua. Se não tiver os papéis, será deportado. A cadela afegã Target, festejada pela tropa por ter farejado um homem-bomba em Dand Aw Patan, foi levada para uma pequena cidade do Estado. Um dia, saiu para a rua. Não tinha chip, coleira nem registro. Era um quadrúpede ilegal e levaram-na para o canil público. O dono localizou-a pela internet, pagou a taxa devida e foi buscá-la. Tarde, ela fora posta para dormir, "por engano".
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