domingo, 7 de novembro de 2010

Um balde de chá frio nos Estados Unidos



Um balde de chá frio nos Estados Unidos

Martín Granovsky – Página/12

A notícia apareceu no sistema de alertas do Washington Post às 20:10: “Rand Paul derrota Jack Conway na disputa para ser senador por Kentucky”, dizia o texto. Era um verdadeiro sinal de alerta: naquele momento, Paul se converteu no primeiro político apoiado pelo movimento ultradireitista Tea Party a obter um mandato legislativo.

“Rand é um médico, não um político”, diz a página na internet deste cirurgião de olhos que promete ajudar os idosos e garante ter operado crianças sem dinheiro graças a seus amigos do Lions Club. “A especialidade do doutor é fazer diagnósticos e implementar soluções práticas”, reza o texto, típico do Partido do Chá, que bem poderia ter sido escrito por Juan Carços Blumberg. Promete apresentar uma emenda constitucional para que o aborto seja novamente penalizado, como ocorria antes de 1973, e critica a lei votada este ano sobre a cobertura pública de saúde porque, segundo ele, padece de “demasiadas regulações”. O melhor, para Paul, é que o mercado atue mais livremente.

A vitória de Paul é o caso mais extremo da reconquista da Câmara de Representantes (deputados) por parte do Partido Republicano e de seu avanço no Senado. O presidente Barack Obama foi castigado por uma crise econômica que já estava em curso quando assumiu, no dia 20 de janeiro de 2009. Além do mais, recebeu esse castigo da direita. Os republicanos votados ontem não estão entre aqueles que criticam Obama por fraqueza diante do establishment financeiro. São os que demagogicamente dizem lutar contra o “poder do dinheiro” e, ao mesmo tempo, acusam o presidente de intervencionista ou de socialista. O Tea Party, que agora começa a ganhar institucionalidade, está longe de ter ganho todos os mandatos republicanos. Mas é a maioria mais ativa entre os conservadores e a que condensa uma ideologia simplória e fácil de entender quando as hipotecas não pagas terminam levando sua casa e o desemprego instala o medo. Propõem recuperar o orgulho dos partidários do livre mercado sem limites, o fundamentalismo cristão e a tradição libertária da ultradireita.

Esse último ponto tem raízes arraigadas nos EUA. Os membros da conservadora Associação Nacional do Rifle fundamentam seu direito a comprar todo tipo de armas nos direitos individuais originários que serviram de base para a independência norteamericana de 1776. Em 1995, o veterano da Guerra do Golfo de 1991, Timothy Mc Veigh, colocou abaixo um edifício federal em Oklahoma com 2.300 quilos de explosivos, causando 168 mortes. O atentado foi reivindicado por movimentos que defendem a supremacia branca, repudiam o Estado centralizado e questionam certas restrições à aquisição de armas votadas durante a primeira presidência de Bill Clinton entre 1993 e 1997.

A presidência de Ronald Reagan, em 1981, também foi fruto de apelos ao poder do individualismo e ao espírito de cruzada, então contra a União Soviética e os avanços igualitários implementados a partir de Franklin Delano Roosevelt na década de 30 e de Lyndon Johnson com a ampliação dos direitos civis na de 60.

O sistema político norteamericano termina equilibrando os grupos mais extremistas. O problema é que, quando a corda se estica até a extremíssima ultradireita, depois o resultado do equilíbrio ao centro chega somente até a ultradireita. E os falcões até parecem gente sensata.
Os resultados de ontem também representam um sinal de alerta para a América do Sul. Uma visão realista indica que governos republicanos despreocupados com a América Latina como foi o de Bush Jr. (2001-2009) não conseguiram causar danos irreparáveis na região. É verdade que a tentativa de golpe contra Hugo Chávez na Venezuela teve apoio de setores norteamericanos, mas não o suficiente para triunfar. E é certo que o financiamento pelos EUA da militarização da luta contra o narcotráfico contribuiu para cifras recordes de violações aos direitos humanos em uma democracia, como ocorreu no governo de Álvaro Uribe, na Colômbia. Mas, ao mesmo tempo, Washington suportou com estoicismo a derrota de seu projeto de uma Área de Livre Comércio das Américas (ALCA), em 2005.

Não é que a presidência de Obama tenha significado até agora um paraíso para a América latina. O caso pior é o golpe em Honduras contra o presidente constitucional Manuel Zelaya. No entanto, mesmo a situação em Honduras mostra contradições. Se os democratas foram fracos e toleraram - ou incentivaram (depende do setor) – a deposição de Zelaya, os republicanos são hoje a vanguarda da luta para conseguir a reincorporação de Honduras à Organização dos Estados Americanos (OEA).

Como os republicanos não governam, poderiam chegar a formular exigências mais duras que as política implementadas por eles mesmos na Casa Branca durante o período Bush. A América Latina, como o Medicare ou o aborto seria um ponto mais na luta por desgastar Obama e evitar sua reeleição em novembro de 2012.

A outra má notícia é que agora os fundamentalistas do Sul – que deflagraram uma “guerra de Deus” contra o casamento igualitário na Argentina e satanizaram Dilma Rousseff no Brasil, em ambos os casos sem êxito – terão um respaldo mais sólido de seus amigos do Norte. Nenhuma das novidades muda por si só a situação dos países da América do Sul, que negociam cada vez com a Ásia e entre eles mesmos. Mas pode incomodar. Justo agora um balde de chá frio?

Tradução: Katarina Peixoto

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Carta Maior, 31/08/2010


Os EUA, o Chá e o 11/09: modernidade e regressão

Cristina Soreanu Pecequilo (*)

Para o Brasil e os Estados Unidos (EUA), o mês de setembro representa a reta final de campanhas eleitorais. Enquanto no Brasil aproxima-se o pleito presidencial, governos estaduais, senadores, deputados federais e estaduais de outubro, nos EUA observa-se o primeiro teste da Presidência Obama nas eleições de meio de mandato para o Legislativo e comando dos estados. Em setembro, ainda, os norte-americanos são lembrados de sua vulnerabilidade, confrontados pelas imagens daquela manhã do dia 11 em Nova Iorque e Washington. Porém, hoje mais do que Bin Laden, o grande personagem do pleito de novembro nos EUA parece ser o chá.

Fonte de um dos protestos mais significativos que antecedeu a Revolução de 1776, quando os colonos se recusaram a pagar impostos à metrópole britânica sobre o comércio deste bem, preferindo arremessar o produto ao mar, o chá ressurgiu no encerramento da primeira década do século XXI associado ao movimento libertário, a grande força das eleições de 2010. Por que trazer de volta estas raízes? Não estaria esta “mitologia libertária” dissociada do presente e futuro norte-americano atualmente uma potência hegemônica e não mais uma pequena colônia?

A razão para a discussão reside na redefinição dos EUA como nação, associada à reorganização de seus grupos de interesse. O fator chave deste processo é o declínio gradual da hegemonia Anglo Saxã, Branca e Protestante (WASP) que dominou a política desde os princípios da construção do país e que se encontra, desde meados dos anos 1990, pressionada pela ascensão de um país multicultural, multiracial, multi étnica e diversa religiosamente. Esta ascensão resulta da evolução da imigração, dos casamentos interraciais e da mudança do eixo sócio-econômico, caracterizado pela crise do paradigma produtivo e do American Way of Life, o empobrecimento da classe média, aumento da linha da pobreza e a concentração de renda no topo.

A alteração quantitativa e qualitativa do perfil populacional tem promovido o rearranjo das forças políticas, que se refletiu na eleição de Barack Obama em 2008. Este teria sido um momento definidor da disputa pela hegemonia interna entre o “velho e o novo” devido ao mandato popular conquistado pelo presidente. A representatividade do “novo” levaria à reavaliação do curso político do país e a formação de coalizões progressistas para a atualização estrutural da sociedade, economia e estratégia. Para muitos, era um momento comparável, só que em tempos de paz, ao da Guerra da Secessão (1861/1865) e da união nacional promovida por Abraham Lincoln entre os EUA capitalista moderno do Norte e o Sul agrário atrasado. Esta eleição, porém, foi apenas uma batalha dentro da guerra em curso, cujos sinais já se faziam presentes em 1994 quando o governo democrata de Bill Clinton foi colocado em xeque pela vitória republicana nas eleições de meio de mandato em 1994, a “Revolução do Contrato com a América”. Ao “Contrato” se seguiria a “Revolução Estratégica” preventiva e unilateral de W. Bush em 2001 e as pressões pela unanimidade e do medo pós-11/09.

E onde entra o chá em toda história? O “Partido do Chá” (Tea Party), que nos remete ao século XVIII, ligado ao Movimento Libertário, é no presente uma das grandes forças políticas em ação. Pode-se sugerir que o Movimento Libertário é minoritário, vide a votação irrelevante conquistada por Ron Paul, seu candidato à Presidência em 2008 e a quase ausência de seus membros no Legislativo e governos estaduais. A política, assim, continuaria polarizada entre os partidos Republicano e Democrata. Todavia, dada a natureza fragmentada do sistema político norte-americano que permite que o governo seja muito permeável aos grupos de interesse não se pode subestimar o impacto deste movimento e seu potencial de crescimento.

Embora o Partido do Chá não constitua um partido oficial, represente a maioria ou detenha uma face única, sua mobilização social atrai segmentos diversos. A sua atração reside na externalização de problemas ao outro, o governo, as instituições públicas ou o diferente, sintetizado em um discurso composto pelos “antis” e pelos “prós”: anti-Estado, anti-impostos, anti-minorias, anti-direitos civis e sociais, pró-armas, pró-religião. O espírito é conservador, o que gera posições paradoxais: critica-se a reforma da saúde e do sistema financeiro como intrusivas, mas, ao mesmo tempo silencia-se ou apóia-se o Ato Patriota que, mais do que estes ajustes, é contrário às liberdades individuais (a lógica, contudo, é a mesma de 11/09, para preservar a República, é preciso combater seus excessos e inimigos, independente dos meios). A política externa é secundária, alternando, dependendo do momento e de quem discursa posturas unilaterais, isolacionistas e intervencionistas, sob o manto do nacionalismo e do messianismo.

Pode-se discordar do projeto desta corrente, como um exemplo de regressão, mas não se deve ignorar sua ressonância e as pressões que exerce sobre o centro moderado e sua capacidade de causar ruídos. Na mídia conservadora, suas aparições são cada vez mais frequentes, alternando-se com a desconstrução da imagem de Obama, que, para 20% da população é muçulmano (sem deixar de mencionar que 30% acreditam que os democratas instauraram o socialismo nos EUA).

Estes não são fenômenos recentes, mas contínuos, que se alimentam da crise, do vácuo da modernidade e do dissenso aparecendo sob formas diversas: enclaves por motivações religiosas e políticas (recusa ao reconhecimento do poder constituído do Estado), atentados contra clínicas de família para planejamento familiar e saúde da população mais pobre (e não só de aborto), preconceito contra imigrantes (legais e ilegais, vide a Lei do Arizona), formação de milicias, oposição aos direitos das minorias (contra a ação afirmativa, legislação sobre crimes de ódio, igualdade), alteração de curriculos escolares (banimento da teoria da evolução), corte no financiamento de ensino e pesquisa de temas polêmicos (células tronco), críticas ao Estado secular, uma mescla de isolacionismo e intervenção, dentre outros.

Diante destas manifestações, o 9º “aniversário” de 11/09 deve servir como uma lembrança das consequências do fundamentalismo, independente de sua origem e agenda. Mais ainda, é uma data que precisa nos remeter a outra praticamente esquecida em 2010, simbólica destas raízes de fragmentação: o 19/04/1995 e os 15 anos do atentado terrorista doméstico de Oklahoma City. Neste cenário, o ideal seria, principalmente à sombra das eleições, que a mobilização social e partidária pró-Obama detivesse a mesma vitalidade e pragmatismo que seus adversários demonstram em formar frentes políticas na defesa de seus interesses e conquista de poder.

(*) Doutora em Ciência Política e Professora de Relações Internacionais

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O Estadão OnLine, 25/08/2010

América, essa ignorante

por Marcos Guterman

O título não é meu, é da Newsweek. Trata-se de uma brincadeira com as crenças mais excêntricas dos americanos, a partir de recente enquete nos EUA segundo a qual um quinto dos entrevistados acha que Obama é muçulmano. A seguir, as melhores pesquisas recolhidas pela revista:
* Em 2009, apenas 39% acreditavam na teoria da evolução
* Em 1999, 20% acreditavam que o Sol girava em torno da Terra
* Em 2006, 63% não conseguiam achar o Iraque no mapa, e 90% não encontraram o Afeganistão; em 2007, um terço não sabia em que continente fica o rio Amazonas
* Em 2006, três quartos dos americanos conseguiam identificar os Três Patetas, mas não sabiam citar os Três Poderes

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