segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Os 14 erros da política externa de Bush

O Estado de S.Paulo, 14 de novembro de 2010

Como a miopia, a arrogância e a negligência do ex-presidente americano deixaram um legado de armadilhas para Barack Obama

Stephen M. Walt

Dois anos depois da posse do presidente americano, Barack Obama, virou clichê lembrar que o novo presidente, que durante toda a campanha de 2008 prometeu uma virada de 180 graus nas iniciativas profundamente impopulares de seu antecessor em assuntos externos, acabou adotando uma política que se parece surpreendentemente com a de George W. Bush. 

Matthew Cavanaugh/Efe-17/10/07
Matthew Cavanaugh/Efe-17/10/07
 
Mea-culpa. Bush justifica em sua autobigrafia infames decisões, como a de invadir o Iraque
Mas não há como duvidar, o governo Bush foi realmente muito ruim. E o fato de Obama estar trilhando em grande parte o mesmo caminho não é tanto um indicador da capacidade de Bush quanto da evidência da profundidade do buraco em que ele jogou os EUA, e do pensamento institucionalizado que predomina nos ambientes da política externa americana.
A biografia de Bush, Decision Points, tem 14 capítulos, e cada um deles fala de uma decisão extremamente importante que Bush teve de tomar no cargo. Então, em homenagem ao ex-presidente americano que acaba de publicar seu novo livro, aqui está minha própria lista de 14 decisões tomadas por Bush - que contam uma história um pouco diferente sobre o 43.º presidente americano:
1. Bush escolheu Dick Cheney como candidato a vice-presidente. Em uma atitude de suprema autoconfiança, Cheney tirou os concorrentes do caminho e indicou a si mesmo - e Bush concordou. Foi uma grande mancada de Bush, da qual decorreram inúmeros erros posteriores. Cheney não perdeu tempo e encheu a máquina da política externa do governo com radicais ansiosos para pôr em prática todo o programa neoconservador. E eles tiveram sua primeira oportunidade em 11 de setembro de 2001.
2. No primeiro ano de sua presidência, Bush tomou a medida inusitada de retirar a assinatura dos EUA da convenção que criara um Tribunal Penal Internacional. A medida enfureceu antigos aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) que defendiam energicamente a medida. Mas o governo ainda não se deu por satisfeito. Posteriormente, ameaçou retirar a ajuda de aliados menores dos EUA se estes não rejeitassem também a convenção.
3. O tratado sobre o clima do Protocolo de Kyoto foi um acordo equivocado e não havia possibilidade de que o Senado americano o ratificasse. Mas, em vez de admitir a necessidade de resolver a questão do aquecimento global e de elaborar uma estratégia melhor para o problema, Bush simplesmente rejeitou a ideia de um tratado desse tipo, afirmando, segundo seu porta-voz, Ari Fleischer, que "não era do interesse econômico dos EUA".
4. Bush não prestou muita atenção ao terrorismo ou à Al-Qaeda durante a campanha de 2000, e ele e sua equipe de segurança nacional mantiveram essa atitude de desdém até os ataques de 11 de setembro. Os alertas do serviço de inteligência sobre um possível ataque em meados de 2001 não receberam a devida atenção, e todos nós sabemos o que aconteceu depois.
5. Teria sido suficiente que Bush declarasse guerra apenas à Al-Qaeda e seus aliados depois do 11 de Setembro. Em vez disso, declarou guerra à própria ideia de terrorismo - decisão que teoricamente deu aos EUA um motivo para interferir em conflitos locais da Irlanda ao Usbequistão e Sri Lanka, e nem sempre do lado dos bonzinhos. A declaração de uma "guerra ao terror" conferiu também a Osama Bin Laden um status mais elevado do que ele merecia. Em vez de descrevê-lo como um criminoso assassino, digno apenas do desprezo internacional, a retórica do conflito global o elevou à posição de um guerreiro que desafiava heroicamente a única superpotência mundial.
6. Houve uso sistemático da tortura, suspensão do habeas corpus, transferências secretas de suspeitos de terrorismo de uma prisão para outra, assassinatos pontuais e prisão por tempo indefinido, sem julgamento, em Guantánamo e outras prisões no exterior.
7. Nos meses que se seguiram aos atentados de setembro, no Afeganistão, os EUA receberam a surpreendente ajuda do Irã, um país que não era amigo da Al-Qaeda e sim inimigo ferrenho do Taleban. E de que modo Bush recompensou o Irã por sua valiosa assistência? Rotulando-o como membro do chamado "eixo do mal". Esta estúpida linguagem bombástica frustrou toda possibilidade de construir um relacionamento melhor com o Irã nos anos anteriores à chegada de Mahmoud Ahmadinejad ao poder.
8. O Iraque foi um erro de magnitude tão colossal que é fácil esquecer todos os inúmeros erros menores que o constituem, como a alegação da existência de armas de destruição em massa, que nunca existiram. E não devemos esquecer dos 4 mil soldados americanos e 100 mil civis iraquianos mortos, mais de 30 mil soldados americanos feridos, e vários milhões de refugiados iraquianos obrigados a abandonar suas casas.
9. No meio da euforia da declaração da "missão cumprida" que se seguiu à queda de Bagdá, em abril de 2003, o Irã preocupado enviou um intermediário suíço a Washington com a oferta de um "acordo abrangente". Bush simplesmente rejeitou a oferta.
10. Quando Bush assumiu a presidência, decidiu que a paz palestino-israelense não era uma prioridade. Depois dos atentados, ele tentou brevemente persuadir Israel a mostrar certo comedimento nos territórios ocupados; ele se deu conta de que a situação naquela região alimentava o antiamericanismo do mundo árabe e islâmico e tornava ainda mais difícil enfraquecer a Al-Qaeda. Mas Bush logo começou a ser pressionado pelo lobby israelense. Até o final de sua presidência, a diplomacia de Bush no Oriente Médio consistiu de uma série de gestos essencialmente insignificantes, os mais notáveis deles o chamado "mapa da estrada" de 2003 e a Cúpula de Annapolis, em 2007. No meio tempo, Israel continuou expandindo os assentamentos na Cisjordânia, praticamente sem um único murmúrio de protesto de Washington.
11. A desastrada reação de Bush ao furacão Katrina foi uma insanidade. Os observadores de todo o mundo viram esse fracasso como uma evidência do fim da competência americana e como um indicador muito claro de persistente desigualdade racial, quando não de total injustiça. Como o "poder brando" dos EUA depende de outros países que acreditam que sabemos o que estamos fazendo e defendemos ideais louváveis. O desastre em New Orleans foi mais um golpe que os próprios Estados Unidos infligiram à imagem global do país.
12. Quando ficou evidente que o Iraque não tinha armas de destruição em massa, Bush tentou justificar a invasão como parte de uma campanha de instalação da democracia no Oriente Médio. Ele pressionou a Autoridade Palestina a realizar eleições legislativas em 2006, mas quando o Hamas venceu, simplesmente se recusou a aceitar os resultados. Parecia que, para Bush, a democracia só fazia sentido quando os vencedores eram os candidatos de que ele gostava.
13. Bush ameaçou os possíveis autores da proliferação nuclear com sanções e mudança de regime e se recusou a manter conversações com eles enquanto não cumprissem as exigências americanas. Esta estratégia forneceu à Coreia do Norte e ao Irã um poderoso incentivo para que eles se dotassem de um elemento de dissuasão nuclear a fim de se proteger dos EUA. Durante os oito anos de Bush na Casa Branca, o Irã, que dispunha apenas de algumas centenas de centrífugas nucleares, chegou a mais de 5 mil. E enquanto o Irã enfrentava sanções econômicas, a Índia se recusou a assinar o Tratado de Não Proliferação.
14. Reduzindo os impostos enquanto custeava guerras dispendiosas, Bush produziu déficits fiscais praticamente recordes e uma montanha de dívidas externas. Ao mesmo tempo, a política do crédito fácil encorajou uma enorme bolha imobiliária que acabou estourando em 2008. Ele era o presidente quando tudo isso aconteceu.

TRADUÇÃO ANNA CAPOVILLA

Nenhum comentário:

Postar um comentário